Formatura mais cedo: estudantes trocam aulas por hospitais

O especial 'Estudante, você também é herói' conta a história de Thayse e Maria Eduarda, que anteciparam a formatura de medicina para ajudar no enfrentamento à Covid-19

por Lara Tôrres ter, 11/08/2020 - 11:00
Pixabay Enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, entre outros profissionais, se dedicam contra a Covid-19 Pixabay

Entre as diversas mudanças que a pandemia de Covid-19 causou nas nossas vidas, a necessidade de ampliar o número de profissionais de saúde no mercado de trabalho foi decididamente uma das mais urgentes, uma vez que a demanda de doentes nos hospitais se tornou muito maior do que em tempos normais.

Com a chegada da pandemia, uma das formas encontradas pelo Governo Federal para solucionar o problema foi a edição de uma Medida Provisória, posteriormente regulamentada em portaria, permitindo antecipar a formatura de alunos de graduação matriculados no último semestre do curso com pelo menos 75% do período de internato concluído.   Desde que a medida entrou em vigor no dia 9 de abril, segundo dados do Ministério da Educação (MEC), mais de 90 instituições de ensino superior possibilitaram que seus estudantes optassem pela antecipação da formatura. 

Ao todo, 5.352 médicos, 1210 enfermeiros, 490 fisioterapeutas e 387 farmacêuticos se formaram mais cedo para auxiliar no combate à Covid-19. O Estado com mais formaturas antecipadas é Minas Gerais, com 1.103, seguido de São Paulo (952) e Rio de Janeiro (659). No Nordeste, o Ceará é o campeão com 469 estudantes. No que diz respeito à rede de ensino, 5.111 são alunos de instituições privadas e 2.328 de universidades públicas. 

Nesta terça-feira, 11 de agosto, celebra-se o Dia do Estudante, que no ano de 2020 ganha uma nova conotação diante de todos os desafios impostos pela Covid-19 aos alunos em todos os níveis de ensino. Para marcar a data, o LeiaJá publica a série de reportagens especiais “Estudante, você também é herói”, trazendo vários aspectos da rotina dos alunos durante a pandemia. Neste texto, você conhecerá as histórias de duas heroínas que anteciparam suas formaturas no curso de medicina para ajudar a enfrentar uma contagiosa e potencialmente letal, aceitando junto com suas famílias todos os riscos envolvidos nessa decisão.

O peso da responsabilidade de uma vida na sua mão

Thayse Pinheiro de Sales Croccia, de 28 anos, estava cursando o 12º semestre de medicina na Universidade de Pernambuco (UPE) quando o Governo Federal divulgou a Medida Provisória e uma primeira Portaria (posteriormente tornada sem efeito) autorizando a antecipação da colação de grau para estudantes de cursos de saúde. Repleta de anseios sobre sua formatura, com os estágios do internato paralisado e temerosa com a possibilidade de atrasar a conclusão de seu curso, Thayse viu ali uma oportunidade de, enfim, se tornar médica e exercer a sua profissão em um momento em que o País realmente estava precisando.   

“Queria poder contribuir nesse momento de dificuldades, mas ao mesmo tempo havia um medo grande, já que o começo da vida médica é sempre desafiador e nesse contexto o desafio seria ainda maior, pois estaríamos lidando com uma doença até então desconhecida e a cada semana surgiam novos dados. Além disso, o temor de contaminar a família com uma doença potencialmente letal principalmente para os mais velhos, como nossos pais e avós, sempre nos acompanhava. Nesse contexto, o apoio dos meus pais, que apesar de temerosos com a situação deixaram claro que estariam comigo independente do que eu escolhesse, foi essencial, pois me deu segurança em meio a tantas incertezas”, conta ela.

Foto: Cortesia 

Antes da pandemia e de antecipar sua formatura, Thayse explica que sua rotina era muito intensa com os últimos momentos do internato de medicina no último semestre de curso. “Eu era estagiária, estava próxima do fim da faculdade, último período. Era uma rotina de estágio de segunda a sexta, já lidava com pacientes e todos os desafios incluídos”, diz a médica. 

A primeira experiência profissional de Thayse foi e ainda é no sistema público de saúde, dando plantões em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusiva para pacientes com Covid-19. “Apesar do medo e ansiedade iniciais, eu pude aprender muito, já que os livros não ensinam a prática ainda mais nesse contexto novo. Pude ainda me sentir útil aplicando meus conhecimentos, retribuindo a formação que recebi em uma universidade do Estado e fazendo parte do SUS, que acolhe tantos brasileiros que de outra forma não teriam atendimento”, relata a jovem. 

Perguntada sobre como é o dia a dia de trabalho dentro de uma UTI COVID, onde chegam os pacientes mais graves e o risco de contaminação é o mais alto possível, Thayse relata que tudo é sempre muito intenso e as responsabilidades das decisões são muito mais pesadas do que nos estágios desenvolvidos durante o curso de medicina. “É sempre um choque sentir o peso da responsabilidade de uma vida na sua mão. Antes você treina, mas não sente o peso total em você porque a decisão final não cabe a você. Sem decisão, você não tem tanta responsabilidade. Nessa situação do coronavírus, a responsabilidade foi agravada por estarmos lidando com uma doença que não conhecíamos, que não tínhamos visto na faculdade, era nova para nós e para todos, na verdade. Estava provocando um caos em todos os aspectos na nossa sociedade. Além do medo da contaminação própria e da família, porque sair para trabalhar era não só assumir um risco, era sua família que estava com você também assumir, tanto que houve muitas pessoas que saíram de casa nesse período para proteger a família”, afirma ela.

“Eu achei e sinto que estou preparada”

Maria Eduarda Valadares Santos Lins, 25 anos, se formou pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) quando estava no 12º semestre de medicina. Atualmente, trabalha em postos de saúde e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Ela conta que, já no último semestre e tendo aulas a distância apenas de uma disciplina, sua turma começou a solicitar à Universidade que realizasse a antecipação. “Estávamos tendo EAD de aulas já vistas durante a faculdade e como já estávamos no final achamos que a melhor solução seria adiantar do que esperar. Não acho que interferiu no meu aprendizado de forma significativa”, conta.

Além de considerar que não haveria ônus na antecipação, Eduarda não estava satisfeita com a rotina de estudos a distância, uma vez que não gostou do formato. “Para mim foi péssimo! Achei ruim o formato de aula EAD. Alguns colegas também não estavam gostando. Mas outros gostaram de revisar os assuntos. Apesar de estar isolado em domicílio, era cansativo, até porque estávamos acostumados com o internato, onde temos contato direto com paciente e discussões presenciais. Na minha opinião, perde um pouco do aprendizado”, opina Eduarda. Questionada sobre o que lhe desagradava nas aulas remotas, a jovem listou motivos como “muita gente na sala, quando você falava outra pessoa também falava, as pessoas com câmera ligada distraiam sua atenção", entre outras questões. À

A transição de estudante para a vida profissional em meio a uma pandemia, segundo Maria Eduarda, foi difícil, pois ela faz parte do grupo de risco da doença. “Sou asmática de difícil controle e tive duas crises no início do ano, mas estava usando as medicações regularmente para não ter crises. Minha família pesou muito, mas comecei trabalhando em posto onde o risco de contaminação é menor por ser grupo de risco e recentemente estou dando plantão em emergência”, relata ela. 

Além disso, a médica explica que há outras questões além da saúde envolvidas, como o emocional e as novidades da vida de profissional formada. Apesar disso, Eduarda se sente confiante para encarar as novidades impostas pela vida profissional, mesmo em meio ao medo do desconhecido trazido pela pandemia de Covid-19. 

“Tem a insegurança e ainda mais nessa época de Covid, mas eu achei e sinto que estou preparada, pelo menos tenho conseguido lidar com a maioria das situações. Percebo como a importância do estudo continuado para relembrar das coisas e se atualizar e uso corretamente os EPIs para minha segurança e do paciente”, afirma.

Confira, abaixo, as demais matérias do especial “Estudante, você também é herói”. Nossos repórteres mostram as rotinas de alunos, da educação infantil à pós-graduação, durante a pandemia do novo coronavírus:

--> Pequenos 'grandes' estudantes e o ensino remoto

--> Isolamento social e a ansiedade na preparação para o Enem

--> A perseverança de Ana e o carinho pela pedagogia

--> Pós-graduação sofre os efeitos da Covid-19

--> O que o futuro reserva para os estudantes após a pandemia?

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