Os 56 anos de 'Mafalda'

A carismática personagem do artista Quino é uma referência para outros cartunistas e suas críticas permanecem atuais

por Alfredo Carvalho ter, 29/09/2020 - 17:12
Reprodução Facebook A menininha contestadora criada pelo argentino Quino atravessou as décadas e ainda inspira gerações Reprodução Facebook

Na data de hoje (29), comemoram-se os 56 anos da personagem Mafalda, criação do cartunista argentino Joaquín Tejón, também conhecido pelo nome artístico Quino. A menina, que odeia sopa e se destaca por criticar problemas sociais como desigualdade, racismo e guerra, ao mesmo tempo mantém o ar inocente de criança e acredita em um futuro melhor.

As histórias vividas por Mafalda refletiam o cenário político da Argentina e representavam a visão crítica do autor sobre os acontecimentos da época, como o golpe de estado que o país sofria e a influência imperialista dos Estados Unidos. Os quadrinhos de Mafalda ganharam projeção internacional durante os anos 1970 e começaram a circular em diversos países.

Além de ter se tornado um ícone cultural, Mafalda também representa uma referência para outros cartunistas. O professor e cartunista Cesar Silva, também conhecido como Cerito, conheceu Mafalda nos anos 1970 e sua primeira impressão foi de estranheza, pois até então estava acostumado com os quadrinhos da Disney e de super-herois.

O cartunista Cerito tem Mafalda como uma de suas influências. Foto: Francisco Ucha

“O humor do Quino quase nunca é engraçado, mas esse estilo perturbador revelou para mim um outro tipo de narrativa possível nos quadrinhos, que logo se ampliou quando descobri outros títulos argentinos”, explica.

Cerito destaca o trabalho do cartunista brasileiro Henrique Filho (1944 – 1988), conhecido como Henfil, como sendo o mais próximo ao estilo de Quino do ponto de vista da crítica social, com a diferença de que o trabalho de Henfil tinha uma veia cômica, além do estilo gráfico diferente.

“O Henfil dava tapas na nossa cara, mas o Quino, com toda sua elegância, era um soco no estômago. Doía muito”, compara.

O cartunista guarda em sua biblioteca cinco volumes da Mafalda publicadas pela Global em 1982, época em que os quadrinhos eram produzidos com arquivos óticos, fotografados, com reduções analógicas. “Os traços são perfeitos. Hoje, com a digitalização, os traços finos do Quino tendem a ficar como escadinhas. Para reproduzir bem a Mafalda tem que usar resoluções bem altas”, comenta Cerito.

Tempos difíceis

Atualmente, os profissionais cartunistas lutam para sobreviver ao difícil mercado. As redações de jornais, que por anos foram clientes desses trabalhadores, hoje também estão em crise e a maior parte removeu de suas publicações as charges e os cartuns. “A maioria dos cartunistas que atuam hoje no país, seja em tiras, seja em charges, seja em caricaturas, está na internet, com seus próprios blogs e perfis nas redes sociais”, aponta Cerito. 

O cartunista lamenta o fato de o trabalho artístico ser desvalorizado no Brasil. “Os cartunistas sempre tiveram que buscar por oportunidades. Muitos hoje estão na área de eventos corporativos, fazendo caricaturas em congressos e feiras”, afirma. 

Outro obstáculo no trabalho do cartunista é a censura por parte dos poderes públicos, o que na opinião de Cerito hoje é pior do que no tempo em que Mafalda foi criada. “Ne época da ditadura, havia milicos nas redações para dizer o que não podia sair nos jornais. Quando alguma coisa passava, o governo mandava recolher nas bancas e ficava por isso mesmo”, lembra. “Hoje é essa covardia. O fulano tem o poder político e econômico do lado dele e quer calar o cartunista na força bruta. Não aceita crítica”, diz.

Assim como Quino fazia com “Mafalda”, Cerito lembra que a função do cartunista é justamente criticar e denunciar. “Ele precisa ser protegido. Na época da ditadura, os jornais protegiam seus colaboradores. Hoje o cartunista fica sozinho”, desabafa.

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