Amaxofobia: O medo da direção e a conquista da confiança

Na maioria dos casos a falta de prática, e o processo mecanizado de certificação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), acabam queimando etapas do desenvolvimento dos condutores, o que é refletido em seu desempenho nas vias

por Victor Gouveia seg, 11/03/2019 - 11:43
JúlioGomes/LeiaJáImagens Isabela acreditava que não podia vencer esse medo. Hoje ela adquiriu confiança e já pilota nas vias JúlioGomes/LeiaJáImagens

Quem nunca dirigiu e se sentiu desconfortável com o ambiente estressante do trânsito? Até aí, tudo bem. Mas quando esse desconforto se torna uma fobia, fica difícil pegar o carro e concluir os compromissos do dia a dia. Coração acelerado, suor nas mãos, vertigens, tensão muscular vêm só de pensar em estar no comando do volante, e abala quem sofre de amaxofobia. O LeiaJá vai explanar sobre o medo da direção e compreender as causas desse temor. Ao fim da matéria, confira o vídeo e conheça algumas formas de enfrentamento.

A professora de psicologia do tráfego Karla Cabral, explica que tal fobia pode estar relacionada a algum trauma ou a personalidade de cada condutor, que muitas vezes tem receio de congestionar o trânsito ou prejudicar alguém, e por isso, acaba se apegando ao imediatismo, encarado como um hábito nas relações sociais contemporâneas. "Geralmente quem procura serviços de suporte para habilitados são pessoas com perfil perfeccionista e autocrítico. Elas têm receio de errar publicamente, mas esquecem que o erro faz parte do processo de aprendizagem". Ela reitera que o medo é um processo natural de sobrevivência e autodefesa, e acredita que o próprio cenário caótico representa a panorama social. "O trânsito é o espelho da realidade que somos, e como esse espaço de convivência é caracterizado pelo anonimato, nos permitimos agir de modo diferente de outros ambientes, nos quais as condutas sociais são regulamentadas". 

Dentre as diversas causas da amaxofobia, ou o medo da direção, Karla apontou a herança cultural do machismo como fator que dificulta o desenvolvimento das técnicas de direção, principalmente para as 593.111 mulheres, que representam 27,1% dos motoristas de Pernambuco, de acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). O infundado ditado que "mulher no volante, perigo constante", acaba reprimindo as condutoras, que equivalem a maioria dos alunos das escolas para pós-habilitados. Outra perspectiva do ponto de vista social é a "Síndrome da Carlota Joaquina", que a psicóloga esclareceu ao relembrar o período das carruagens no Brasil, quando todos paravam para que o veículo real passasse. "Essa raiz histórica se faz presente na nossa construção social, ter um automóvel melhor simboliza um status mais elevado e, consequentemente, poder desfrutar de privilégios", explicou.

Mesmo habilitada há cinco anos, a jornalista Isabela Carvalho tinha pavor só de pensar em dirigir. "Eu usava como documento de identidade, não como carteira de motorista", brincou ao comentar sobre a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Entretanto, mora com a mãe e a avó, e revelou que a coragem para enfrentar o medo veio dos momentos de "necessidade de pegar o carro e não saber. Apesar da carteira".

Ela até admitiu a falta de prática, mas não atribui o receio de dirigir ao temor, e sim ao processo mecanizado das autoescolas e do Detran para retirada da CNH. "Quando fiz as aulas, só foram dez práticas e a pessoa fica muito presa ao circuito. Você tá ali num ambiente controlado e não em uma situação real de trânsito. Por exemplo, não dá pra ver o motoqueiro em um ponto cego ou se alguém vai lhe cortar sem dar nenhum sinal. São coisas que você só vai saber na prática", afirmou. Por conta da "síndrome do carro na garagem”, Isabela decidiu procurar uma autoescola para pós-habilitados, foi quando conheceu o instrutor Paulo Davi.

Há 11 anos reforçando as técnicas de direção e ambientação no tráfego, o instrutor contou que "os clientes chegam com a autoestima baixa. A maioria me procura para realmente recomeçar do zero. Pessoas que não sabem nem onde fica a chave para ligar o carro, acredita?", assegurou. Paulo afirmou que geralmente o medo está associado a falta de prática, e acredita que 90% dos seus clientes não sofrem de fobia. "A pessoa não domina o carro, não sabe o que fazer, tem dificuldades técnicas e isso remete à insegurança", pontua.

Comumente ele fala que não trabalha para fazer "a pessoa dirigir". Na verdade, trabalha focado na qualidade de vida conquistada pelos alunos ao atingir o objetivo. "A partir do momento que proporciono essa liberdade para um cliente ingressar no trânsito, eu tô facilitando o dia a dia dele. Ele vai chegar em casa mais cedo, poder aproveitar a família e dormir mais". Gratificado por fazer parte de cada conquista, Paulo garantiu que muitos ex-alunos o encontram nas ruas e buzinam. "Quando reconheço que foi meu aluno, não tem preço que pague. É 'super gratificante' saber que marquei a vida daquela pessoa".

Com atendimento personalizado, inicialmente é feita uma avaliação para identificar se a retração no trânsito provém de um "caso técnico ou emocional". A partir daí, inicia a "fase técnica", onde os habilitados retomam o processo de troca de marcha, adquirem coordenação e controle dos pedais, e noções de espaço. Já com o domínio do veículo, começam as práticas no trânsito, que Paulo adapta com os trajetos percorridos pelo aluno, como os caminhos para casa, trabalho e escola dos filhos. Como último estágio do processo, são realizadas as temidas manobras, momento em que são feitas balizas, garagem e movimentos de ré. Ao fim das aulas, o instrutor garante que o cliente saí apto para trafegar normalmente.

Paulo explica os procedimentos para a perda do medo

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Para quem antes afirmava sofrer da "síndrome do carro na garagem", após 15 aulas de 50 minutos aproximadamente, Isabela evoluiu com os procedimentos e adquiriu a tão almejada confiança; que ela reafirmou ao comentar sobre uma carona que deu a uma amiga recentemente, após uma festa. Porém, revelou que ainda ouve brincadeiras das pessoas que conhecem sua antiga fama ao volante. "As vezes minha mãe me liga querendo saber como foi a aula, e já pergunta: 'matou quem? Atropelou um cachorro ou um gato?", contou em tom de riso.

Quem já ultrapassou o obstáculo e hoje transita tranquilamente nas vias, sabe da importância e da praticidade adquirida com o uso do veículo. "Foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Posso ir para qualquer lugar, hoje não me vejo sem dirigir de jeito nenhum", declarou a aposentada Cacilda Santos.

Habilitada há 15 anos, logo quando conseguiu a permissão para pilotar, decidiu comprar um carro, porém, a atmosfera do trânsito assusta quem ainda está em fase de adaptação. Ela relembra que no início da vida de habilitada, congestionou uma avenida quando 'paralisou' e não conseguiu deslocar o carro, até receber ajuda de outro condutor. "Passei um ano com o meu carro novo parado na garagem. Na medida que fui dirigindo, fui criando autoconfiança", contou.

Para isso, ela participou de quatro dias de instruções práticas, o que possibilitou a tranquilidade ao volante. "Depois que comecei com o acompanhamento, fui quebrando o medo aos poucos e passei a sair sozinha". Para a aposentada, o ato de dirigir vai além da locomoção propriamente dita, na verdade, o processo de autoconfiança modificou toda sua percepção sobre limites. Ela acredita que a conquista adquirida vai além da questão da pilotagem propriamente dita, e que os aprendizados alcançados com a conquista da confiança interferem em todos os âmbitos do cotidiano.

Confira algumas técnicas para reverter esse medo

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