Os brasileiros são os mais ansiosos do mundo

Conhecido mundo afora pela alegria, samba no pé e bom futebol, o Brasil também ficou em primeiro lugar entre as nações com maior percentual de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade

por Eduarda Esteves dom, 30/06/2019 - 17:29

Transtorno de ansiedade faz vítimas em várias regiões do país. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

A ansiedade é um sentimento natural, parte do repertório de emoções do ser humano e na dose certa, tende a ser proveitosa por garantir até os dias atuais a sobrevivência da humanidade justamente por ativar o medo quando uma pessoa está em situação de alerta. Uma pessoa ansiosa pode estar doente quando o sentimento se torna um transtorno e causa limitações à vida dela. 

Pensamentos negativos constantes, fobia social, sensação de medo sem motivo real e preocupação em excesso com o futuro são algumas das características que podem indicar um distúrbio de ansiedade.  No corpo humano, a ansiedade é uma sensação decorrente da excessiva excitação do Sistema Nervoso Central consequente à interpretação de uma situação de perigo. É gerada uma descarga de um neurotransmissor chamado Noradrenalina, que é produzido nas suprarrenais, lócus cerúleos e núcleo amigdalóide.

Seja nos ambientes de trabalho, em conversas com os amigos, nos programas de televisão e até no cinema, o assunto se tornou constante nos últimos anos, principalmente entre os brasileiros. O país conhecido mundo afora pela alegria, samba no pé e bom futebol agora também é o mais ansioso do mundo. 

Um relatório divulgado em fevereiro de 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre depressão e distúrbios de ansiedade colocou o Brasil em primeiro lugar entre as nações com maior percentual de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade. De acordo com o levantamento, 9,3% da população sofre com a doença, cerca de 18 milhões de brasileiros. A porcentagem fica bem à frente de outras nações: nas Américas, quem chega mais perto do Brasil é o Paraguai, com uma taxa de 7,6%. Na Europa, a dianteira fica com Noruega (7,4%) e Holanda (6,4%).

Ranking dos dez países mais ansiosos do mundo:

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Fonte: Global Burden of Disease Study, 2015 - OMS (Organização Mundial da Saúde)

Ansiedade e medo são sentimentos normais que fazem parte de um mesmo espectro e surgem para que o ser humano se proteja de situações arriscadas com danos físicos e psíquicos. É o que destaca o psiquiatra Amaury Cantilino, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “O organismo produz esse sentimento para você se esquivar dos danos e se preocupar com algo que vai acontecer no futuro. É normal e essencial para a nossa sobrevivência. No entanto, se esse mecanismo que o nosso corpo tem para nos proteger funciona excessivamente, passa a ser prejudicial porque a pessoa ao invés de ser ajudada pela ‘ansiedade’ passa a ser atrapalhada”, explica o pesquisador. 

Cantilino chamou atenção para a condição patológica do sentimento. “A ansiedade pode atrapalhar o acometido de diversas formas. Ela provoca um sofrimento significativo, faz com que a pessoa se esquive de situações que ela deveria enfrentar. Os desafios parecem muito maiores do que a nossa capacidade de resolução porque a gente se imagina menor e amplia o tamanho dos problemas. A cabeça da pessoa ansiosa está constantemente diante de desafios insuperáveis e isso transforma o mundo em algo assustador”, complementa. 

Amaury indicou que não há um fator isolado para explicar a alta taxa de transtornos de ansiedade entre os brasileiros. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Ainda de acordo com a OMS, os transtornos de ansiedade atingem um total de 264 milhões de indivíduos no mundo, uma média de 3,6%. O que leva o Brasil a ter uma média de casos tão alta nos últimos anos ainda é uma discussão em andamento. Amaury indicou que não há um fator isolado para explicar a alta taxa de transtornos de ansiedade entre os brasileiros, mas os fatores socioeconômicos, como pobreza e desemprego, e o estilo de vida acelerado no país são possíveis causas desencadeadoras. 

Na análise do psiquiatra, a sociedade vive conectada em excesso em seus celulares e as pessoas estão sempre ‘plugadas’ para não perderem a informação. “Conflitos interpessoais são um dos grandes geradores da ansiedade. Seja no trabalho pela cobrança ou na família por uma série de inquietudes. Hoje, o excesso de demanda as quais as pessoas se submetem e a carga de tarefas muitas vezes são maiores do que a capacidade dela de aguentar. Não é que o ser humano não possa dar conta, ele até pode, mas não durante tanto tempo”, aponta Amaury.

Na visão de Nadège Herdy, psiquiatra da Rede de Hospitais São Camilo, a ansiedade já pode ser considerada como o mal do século. "A velocidade com que temos acesso à informação hoje e com que somos cobrados gera estresse, pressão, favorecendo a manifestação da ansiedade. Aliado a isso, nos grandes centros a população acaba se impondo a um número exagerado de demandas, pessoas ‘multitarefas’, que precisam dar conta de vários trabalhos, do trânsito, ter tempo com filhos. Situações estressantes seriam a desigualdade social, pobreza, desemprego, violência, além da preocupação financeira. Elas podem gerar tensão favorecendo a manifestação do transtorno", descreve a médica.

Cada transtorno de ansiedade tem sintomas e um tratamento diferente. São diversos distúrbios e elencamos os principais:

Fobias Específicas:  São medos irracionais e específicos de determinado objeto, animal, atividade ou situação. A fobia não apresenta necessariamente uma lógica para seu desenvolvimento. Geralmente é algo que não apresenta perigo real. São comuns a claustrofobia, aracnofobia, agorafobia (medo de ficar sozinho em lugares públicos), acrofobia (medo de altura) e outros.

Fobia Social: Este distúrbio causa extremo desconforto e pavor em situações sociais, como ambiente novos, festas, apresentações em público, reuniões, entre outras. O indivíduo sente mal estar, palpitações, suor excessivo, agitação do corpo, náuseas e medo.

Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Esse transtorno ocorre quando a ansiedade persiste por muito tempo e interfere nas atividades do dia a dia. O principal sintoma é preocupação excessiva, constante apreensão, tensão muscular e dificuldade para relaxar. 

Síndrome do Pânico: Este é um transtorno de ansiedade no qual ocorrem crises inesperadas de desespero e medo intenso de que algo ruim aconteça, mesmo que não haja motivo algum para isso. A possibilidade de acontecer os ataques de pânico provoca perda de controle e medo de enlouquecer ou ter um ataque do coração. Quem sofre do Transtorno de Pânico sofre crises de medo agudo de modo recorrente e inesperado. O organismo quando vai se preparar para a luta ou fuga, o coração acelera, a musculatura fica mais tensa e a pessoa vai precisar acumular oxigênio para lidar com a situação. Algumas pessoas podem ter esse tipo de reação sem nenhum risco iminente ou fator específico. 

Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC): Este é um distúrbio psiquiátrico de ansiedade. O indivíduo apresenta crises recorrentes de pensamentos obsessivos, intrusivos e comportamentos compulsivos e bastante repetitivos, como lavar as mães a cada uma hora, por exemplo. Alguns portadores dessa desordem acham que, se não agirem assim, algo terrível pode acontecer.





A psiquiatra Nadège Herdy destacou também que a incidência da ansiedade aumentou nos últimos anos e é um problema que impacta as pessoas de todas as idades, em especial adultos e jovens. Para ela, o aumento da prevalência de transtornos de ansiedade tem relação "provavelmente" com a velocidade em que recebemos informação e somos cobrados a oferecer informação. "A internet trouxe conhecimento e isso não tem volta nem deve ter, também trouxe benefícios imensuráveis, porém é uma fonte de pressão e estresse se pensarmos na velocidade, na possibilidade de nos comunicarmos com muitas pessoas ao mesmo tempo na quantidade de afazeres que acabamos acumulando", detalha. 

A pesquisadora alertou sobre possíveis diagnósticos em pessoas predispostas a ter ansiedade. "A ansiedade tem etiologia multifatorial, portanto pessoas geneticamente vulneráveis a desenvolver transtornos ansiosos, se expostas a situações estressantes ou traumas, poderão evoluir com quadro clínico de ansiedade. Por isso a importância de se falar mais sobre isso e, quem sabe, possibilitar que as pessoas elaborem maneiras de conviver com a velocidade de informação de forma mais saudável", diz a estudiosa. 

Não há, no Brasil, pesquisas empíricas especializadas em mapear as origens das ansiedades no país. Sabe-se, no entanto, que a saúde mental dos brasileiros não está nada bem. Um levantamento do 'Datafolha' divulgado em setembro de 2018 mostrou que 78% dos entrevistados estão desanimados com o país, 68% sentem raiva quando pensam no Brasil e 59% têm mais medo do futuro do que esperança. 

O médico psquiatra Amaury Cantilino, com 25 anos de carreira, percebeu a crescente demanda de pacientes em seu consultório. Ele exemplifica que as pessoas estão à procura do tratamento porque agora têm mais acesso à informação. "Antes, as pessoas tinham esses transtornos e viviam as suas realidades sem se tratar. Hoje, a sociedade não quer limitações e por isso busca as melhorias. Acredito que os diagnósticos aumentaram pela realidade turbulenta da atualidade, mas não dá para comparar com o passado porque pouco se falava sobre o assunto", indicou.

“Isso é frescura. É coisa de gente sem serviço. Vai lavar uma louça que passa", são frases comumente utilizadas para se referir a pessoas diagnosticadas com doenças mentais.

 No mundo existem cerca de 700 milhões de pessoas com transtornos mentais, diz a OMS. Ao mesmo tempo em que os casos de ansiedade crescem nacionalmente, o preconceito contra os padecentes de transtornos e deficiências mentais não cessam.

 Em 2018, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lançou uma campanha contra a 'psicofobia' para alertar as pessoas sobre o preconceito com o assunto. A resistência em procurar ajuda em saúde mental pode ser explicada, em parte, pelo preconceito contra as pessoas que têm transtornos. A psicofobia carrega uma herança de séculos de discriminação contra os doentes mentais ao longo da história.

Reportagem integra o especial “Ansiedade”. Produzido pelo LeiaJá, o trabalho jornalístico detalha como a doença afeta pessoas de todo o mundo, bem como mostra as formas de tratamento. Confira as demais matérias:

1 - 'Minha mente é um turbilhão de pensamentos irrefreáveis'

3 - Dependência tecnológica: ansiedade pode ser gatilho

4 - Depressão e ansiedade podem andar juntas

5 - Muito além do divã: tratamento clínico pode ser integrado

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