A frase que traçou destinos: "O seu filho está leproso"

Na segunda reportagem da série "Sobreviventes do isolamento e do preconceito", a sentença que marcou histórias de vida

qui, 16/01/2020 - 10:48

“O seu filho está leproso.”

Essa foi a frase que traçou o destino do seu José Glória de Sousa, hoje com 68 anos, cadeirante e morador do abrigo João Paulo II, em Marituba. Glória, como é conhecido pelos amigos da ex-colônia, dedica suas tardes a ver o movimento na saída do abrigo, senta todos os dias embaixo de um jambeiro e fica batendo papo com o porteiro até chegar a hora do jantar, servido às 18 horas.

Nascido no Marajó, interior do Pará, Glória levava uma vida normal até completar 14 anos de idade, quando foi diagnosticado com a doença. “Começou a aparecer mancha no meu corpo, aí o papai me levou no farmacêutico, que já tinha sido enfermeiro na colônia do Prata.” Glória conta que lembra até hoje do que foi dito naquele dia. “O farmacêutico disse pro papai: ‘Seu filho está leproso’. Naquele tempo não era hanseníase, era lepra”, afirma.

Mal ele sabia que depois desse dia a sua vida nunca mais seria a mesma. Após receber o diagnóstico da doença, começou a sentir as chagas do preconceito. “Era muito ti-ti-ti, esse cara vai passar doença pra mim. Era muita gente que dizia para meu pai: ‘Ei, rapaz, por que tu não mandas esse teu filho embora daqui?. E o meu pai dizia: ‘Poxa, eu não vou mandar ele embora daqui, sair de dentro de casa, ele é meu filho’.”

Conforme o tempo passou, Glória tentou continuar vivendo no vilarejo, por mais alguns anos, mas não aguentou a discriminação de amigos e familiares e decidiu partir por conta própria para o seu destino, a colônia. “Meu pai faleceu quando eu tinha 18 anos e aos 22 anos eu fui embora para colônia me internar. Era tanta conversa que existia contra mim que eu achei melhor ir para o meio dos meus irmãos de sofrimento”, finalizou. Glória viu sua família pela última vez em 1987. 

Embora o tratamento da hanseníase seja acessível em qualquer unidade de saúde e exista há vários anos, o Brasil ainda é, atualmente, o segundo maior país do mundo com maior número de casos da doença, ficando somente atrás da Índia, segundo dados da Organização do Mundial da Saúde (OMS).

Diagnóstico precoce é fundamental

Segundo médico Francisco de Assis Norat, há doenças que existem há milênios, como a hanseníase, e que são negligenciadas porque atingem, em sua maioria, as camadas mais pobres. “Então, ela se prolifera e não se dá a importância devida”, informou o médico.

A transmissão do bacilo de Hansen se dá pelo contato íntimo e prolongado com o portador da doença através de gotículas eliminadas no ar pelo infectado, principalmente em locais com ausência de higiene e saneamento básico. Entretanto, estima-se que a maior parte da população adulta tenha resistência à hanseníase. 

Dermatologista e pioneiro no tratamento ambulatorial de poliquimioterapia – PQT, no Estado do Pará, Norat entende que o diagnóstico precoce é fundamental para que o tratamento avance antes que a doença evolua, causando alteração de sensibilidade ou atinja os nervos periféricos do corpo.

Desde 2016, o Ministério da Saúde oficializou janeiro como o mês de combate à hanseníase e consolidou a cor roxa para campanhas educativas sobre a doença. Veja informações no site da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH).

Reportagem e texto: Adrielly Araújo.

Edição: Antonio Carlos Pimentel.

 

 

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