A superação: "Saí daqui com sequelas, mas fui trabalhar"

Na última reportagem da série "Sobreviventes do isolamento e do preconceito", um exemplo de luta pelos direitos humanos

qui, 16/01/2020 - 11:54

“Eu já saí daqui com sequelas nas mãos e nos pés, mas fui trabalhar e encarei a sociedade.”

Missondas Araújo é vice-coordenador estadual do Movimento de Reintegração das pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN), que realiza um trabalho de luta pelos direitos humanos de pessoas atingidas pela hanseníase e de seus familiares. Foi internado quando já se discutia sobre o fechamento dos leprosários, visto que essa medida aplicada durante anos só contribuiu para fomentar o estigma.

Missondas saiu do Estado do Acre com a irmã para ser internado e receber o tratamento. “Quando eu cheguei aqui o sistema já estava mais relaxado, podia sair para visitar, se tivesse alguém para levar. Mas aqui eu fiquei, fiz curso de enfermagem, sapataria ortopédica, fiz curso de datilografia. Eu conheci um amigo aqui dentro, que tinha vindo de São Paulo com hanseníase, mas ele era um profissional, aí ele foi convidado para trabalhar lá em Belém numa oficina ortopédica. Como eu já tinha uma certa experiência aqui dentro, ele me levou para trabalhar com ele. Passei sete meses estagiando, depois fiz um concurso no Estado e passei, e fiquei sendo funcionário do Estado, eu e minha irmã, aí fomos morar em Belém e trabalhar”, disse.

Missondas afirma que sempre foi engajado nas causas de melhoria da saúde pública, e na luta contra o preconceito e pelo direito de pessoas que foram acometidas pela hanseníase. “Eu tenho uma luta muito grande lá fora, até porque eu sou vítima da falta de saúde pública, e eu sempre batalhei por uma saúde melhor, por uma saúde de qualidade. Sempre me indignei com a falta de saúde pública, e hoje a gente precisa de gente como eu, que esteja lá ocupando espaço e lutando em prol de todos”, disse.

Mesmo diante da discriminação, Missondas procurou levar uma vida normal, ainda que com sequelas visíveis nas mãos e nos pés. 

Após anos tendo seus direitos humanos retirados, portadores da hanseníase receberam da União um reconhecimento do dano causado pela prática de degredo. Mesmo sendo irrecuperável a perda do convívio familiar, é uma maneira justa e legítima de reconhecer que direitos foram violados. O MORHAN - Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase é uma organização que se empenha em lutar pelas pessoas acometidas pela doença e filhos separados pelo isolamento compulsório.

Acolhimento

Materializada nos anos de 1930, por meio de um processo de políticas públicas nacional de combate à hanseníase, a ex-colônia de Marituba instituiu-se no local para receber os doentes que vinham do interior do Pará e da cidade de Belém. A criação da colônia definiu uma perspectiva geográfica e sociológica da cidade.

Em decorrência do isolamento, os antigos internos da ex-colônia perderam o contato, e a maioria, os laços afetivos com a família. Então, depois do decreto federal que exigiu o fechamento das colônias, as pessoas que viveram nesses locais por longos anos de suas vidas não sabiam, na maioria das vezes, onde encontrar seus familiares.

Para solucionar o problema, foram criados abrigos ou feita a restruturação de hospitais-colônias para oferecer aos antigos internos uma vida mais digna, com todos os direitos e ao lado de sua família e amigos. Hoje alguns moradores da ex-colônia de Marituba recebem o acolhimento no João Paulo II. Pode-se dizer que a prisão se transformou em abrigo.

Reportagem e texto: Adrielly Araújo.

Edição: Antonio Carlos Pimentel.

 

COMENTÁRIOS dos leitores