Corrida por audiência põe valores jornalísticos em risco

Caso que envolve a atriz Klara Castanho reabre os debates sobre ética na divulgação de informação e conteúdos em ambientes digitais

sex, 12/08/2022 - 16:10

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Em maio deste ano, o jornalista e apresentador Matheus Baldi, durante uma live, falou que sabia da história de uma "atriz mirim'"que tinha engravidado e entregue o bebê para adoção, deixando rumores de que a pessoa em questão seria Klara Castanho (leia sobre o caso aqui). Em junho o episódio ganhou grande repercussão quando a apresentadora Antonia Fontenelle, em um vídeo publicado no YouTube, surpreendeu os fãs ao falar que uma atriz da TV Globo, de apenas 21 anos, escondeu a gravidez com a ajuda da mãe. As informações que Fontenelle possuía eram de fonte do jornalista Léo Dias. “Segundo as informações que ele tem, pediu que o hospital apagasse a entrada dela no hospital e pediu que nem queria ver o filho”, disse ela.

A função social do jornalismo é historicamente legitimada por informar o que acontece de mais importante no dia a dia e serve como documento da memória social. Mas até onde vai o furo jornalístico?

A estudante de jornalismo Giovanna Minarrini diz que, para ter limites na veiculação de determinada informação, apesar de não ser uma regra, os jornalistas devem ter bom senso e ética. “A partir do momento que eu entrei na faculdade de jornalismo, eu aprendi que há um limite até onde a gente pode veicular uma informação. No caso da Klara Castanho, eu achei muito lamentável o que aconteceu. Não houve ética nenhuma a partir da pessoa que se intitula jornalista na veiculação e na exposição da imagem da pessoa. Houve, assim, um total desrespeito com todos os envolvidos e, inclusive, com a classe jornalística que, dia a dia, combate a fake news e atitudes como essa”, enfatiza Giovanna.

Para Giovanna, o jornalismo de fofoca, comumente conhecido como jornalismo de entretenimento, tem sido feito de forma irresponsável e nociva aos profissionais e à população. “A forma como é veiculada [a informação] e a forma como eles [jornalistas] estão, também, se apropriando de outras pautas, eu acho que está sendo feita de forma completamente equivocada, sem profissionalismo e que não colabora para o jornalismo de qualidade”, pondera.

Giovanna ressalta a importância da formação jornalística para que as informações sejam veiculadas de forma correta para o público. O que, no caso de Klara, não aconteceu. Antonia Fontenelle não possui formação jornalística. “A gente consome muitas informações de forma on-line e isso acaba dando brecha para que pessoas não especializadas, não capacitadas em jornalismo, se apropriem e não contribuam de verdade para a classe, para que o nosso respeito em relação à profissão seja mantido. Então, na minha opinião, a primeira coisa que deve ser feita é a volta da obrigatoriedade do diploma”, fala.

Minarrini diz, ainda, que o jornalismo digital é movido a likes, engajamento, comentários, polêmicas e furos de reportagem que nem sempre são verídicos e que, muitas vezes, chegam a ser invasivos. “Tem limites éticos e que devem ser respeitados, até porque todos nós compomos a sociedade e não respeitá-los faz com que dificulte tudo, tanto o trabalho de um jornalista, tanto a vida da pessoa envolvida na notícia”, conclui.

O professor de jornalismo Thiago Barros, da UNAMA - Universidade da Amazônia, enfatiza que a atuação do jornalista deve respeitar o direito do cidadão e não ser pautado por interesses individuas ou de grupos específicos. 

“O jornalista deve conhecer e respeitar os direitos humanos, nosso código de ética, a Constituição Federal. O jornalista é responsável pelas notícias que produz. A notícia é um produto com elevado poder simbólico e desvios na sua elaboração geram impactos sociais muitas vezes nocivos, porque têm o potencial de desvirtuar o debate público sobre questões importantes, fazer circular desinformação”, ressalta Thiago, doutor em Comunicação e também editor do jornal O Liberal, de Belém.

Thiago enfatiza que a função social primordial do jornalismo é divulgar todo fato de relevância pública - especialmente oferecer aos cidadãos informações que não são facilmente acessadas ou até restritas

“A notícia precisa fazer diferença positiva para a vida das pessoas. Somos representantes da sociedade, escolhidos para essa função justamente pela consolidação das práticas jornalísticas, que carregam componentes importantes, como nosso código de ética”, afirma.

O professor ressalta sobre a conduta ética em cima do caso Klara e de como essa postura dos jornalistas pode afetar a vida pessoal da atriz.

“No caso da atriz Klara Castanho, um direito legal foi desrespeitado em várias esferas profissionais. A atriz, ainda que figura pública, teve o direito à privacidade violado. Quando um jornalista recebe esse tipo de informação, ele deve ativar seus diversos filtros técnicos e éticos. A divulgação dessa informação, de forma equivocada, pode causar problemas graves à pessoa”, conclui.

Por Amanda Martins, Even Oliveira e Clóvis de Senna (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).

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