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Através do nome que rememora a luta das pessoas negras pelo fim da escravidão, o Túnel da Abolição é localizado em uma das mais importantes vias do bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife (PE). O equipamento de mobilidade urbana, que tem cerca de 550 metros, foi inaugurado pela Prefeitura em 2015, mas só a partir desta semana passou a refletir traços da cultura afro-brasileira, através do painel “Do Orun ao Aiye: Afrika Elementar”.

A iniciativa faz parte do projeto “Colorindo o Recife”, que surgiu na Secretaria de Turismo e Lazer, mas passou a ser encabeçado pela pasta de Inovação Urbana da capital. O objetivo é criar galerias de arte a céu aberto com a participação de artistas, além de também promover oficinas ao público infantil das escolas públicas da Cidade.

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A transformação do espaço foi feita pelos grafiteiros Adeilson Boris, Nathê Ferreira e Emerson Crazy, que, juntos, construíram uma obra baseada nos quatro elementos da natureza: fogo, ar, terra e água (inã, afefe, aiye, omi). Cada um dos artistas elaborou o mural a partir do elemento escolhido, enquanto a água permeia toda a obra.

Os transeuntes, no entanto, poderão reparar que a cor azul tornou-se predominante no túnel, por escolha dos próprios artistas. O destaque é atribuído à importância da água para o Recife, como também à predominância do elemento no corpo humano.

Para Adelson Boris, autor da parte que usa cores quentes na obra (Inã), o túnel é “um espaço que guarda muita memória de corpos negros em busca de sua liberdade”.

“No momento em estava elaborando os painéis, lembrei que estava acontecendo um momento único e histórico, e é como se estivesse voltando ao passado para resgatar uma memória para o presente e ressignificá-la para o futuro, pensei: isso é sankofa. Então os painéis foram construídos nessa perspectiva ancestral como resgate dos saberes milenares presentes nos elementos da natureza”, disse o artista, que teve contato com o grafite pela primeira vez em 2003, e tem a cultura negra como sua inspiração.

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Já Nathália Ferreira, conhecida como Nathê, ficou encarregada de trazer o elemento ar (afefe) para o mural, dialogando com a criação dos outros dois artistas. ”Pensando em interagir com as produções dos meninos, pensei em criar uma narrativa que desse a ideia de sair do painel terreno de Crazy, um pássaro de pescoço longo, como o sankofa, indo ao encontro do seu bando no painel de Boris”, explicou.

“Montada no pássaro, criei uma amazona, uma menina de rosto comum, que me remetesse as meninas suburbanas que vejo na minha rua, daí os elementos de roupas mais comuns, mas com adereços de realeza. Dando a entender que essa menina estivesse em mais um dia do cotidiano, buscando ou levando uma mensagem muito importante, na contramão da via de carros que passam no túnel”, reitera a artista.

Por outro lado, o juremeiro e iniciado no candomblé há dois anos, Emerson Crazy, incluiu também a sua vivência com a fé na obra. “Foi de grande importância participar de um grande painel em que tive a oportunidade e o prazer de representar o culto yoruba ao qual faço parte, o primeiro painel foi abordado as matas e dois orixás da Egbé odé (sociedade dos caçadores) e o segundo painel onde representei a Orixá Osun da Egbé omi (sociedade das águas), e ambos trazendo significados específicos para o culto de cada orixá”, disse ele, que apresenta no painel dois homens ao centro de uma floresta com fundo dourado, representando a terra (aiye).

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No coração do Recife, há um lugar onde a arte é pano de fundo para um movimento de resistência. No sobrado amarelo de esquina, de número 529, em plena Rua da Aurora, o espaço O Poste figura como local de manutenção e preservação da arte negra. Atuando como um verdadeiro "quilombo urbano", o espaço luta, agora, para permanecer de portas abertas e luzes acesas.

Gerido por Naná Sodré, Samuel Santos e Agrinês Melo, o espaço surgiu da necessidade do grupo teatral O Poste ter um lugar seu. Ali, eles desenvolvem projetos próprios, como peças, oficinas e debates, mas, também de convidados. Funcionando desde 2014, o espaço já recebeu atividades de festivais importantes como o Janeiro de Grandes Espetáculos, o Trema! e o Luz Negra.

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Porém, manter o lugar em pleno funcionamento não tem sido fácil. Em meados de 2017, o trio que mantém O Poste chegou a pensar em fechá-lo: "Todos os anos a gente fica numa dificuldade de manter financeiramente o espaço", diz Naná. Samuel complementa: "A gente ia entregar o espaço no meio de 2017, já estava tudo certo, a gente não tinha mais condições de manter". O Poste se mantém através de editais como o 4° Prêmio Afro, que possibilitou sua permanência no segundo semestre do último ano, e com dinheiro dos próprios sócios que o gerem. Para 2018, algumas ações estão sendo pensadas para manter as portas abertas.  

Quilombo urbano

O espaço O Poste tem sido palco para "formação, fruição e circulação" de espetáculos que discutem temáticas bastante necessárias na sociedade, como empoderamento da população negra. "Esse espaço vem movimentando a cidade, trazendo coisas lindíssimas. A galera que vem pra cá sabe que aqui tem algo interessante para se ver, seja na temática ou como ela é posta em cena", diz Samuel. Assim sendo, o lugar acabou se transformando em um verdadeiro equipamento de resistência e, porque não dizer, um "quilombo urbano", trazendo as pessoas para refletirem e, sobretudo, dialogarem.  

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Resistência

Para manter as atividades d'O Poste, em 2018, Naná, Agrinês e Samuel já idealizaram algumas ações. Uma delas, já em funcionamento, é o Sócio Iluminado, na qual qualquer pessoa pode associar-se pelo valor de R$ 10 mensais. Os sócios têm acesso às peças do espaço, descontos em oficinas e brindes. Para associar-se basta enviar um e-mail para oposte.oposte@gmail.com. As outras ações serão a escola de formação, que deve iniciar em abril, e uma campanha de financiamento coletivo que será lançada em breve.

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