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A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta terça-feira (5), manter a anulação do júri que condenou quatro pessoas pelo incêndio na Boate Kiss em 2013, na cidade de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul. A anulação teve quatro votos favoráveis contra um.

A tragédia que completou dez anos em janeiro, deixou 242 pessoas mortas e 636 feridas - em sua maioria, estudantes universitários com idades de 17 a 30 anos. Somente em dezembro de 2021, os dois sócios da boate, o vocalista e o produtor da banda Gurizada Fandangueira foram condenados.

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No entanto, em agosto de 2022, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou o julgamento e mandou soltar os quatro réus. Em decisão proferida em março deste ano, a 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado admitiu recursos apresentados pelo Ministério Público contra a anulação do júri e o caso foi remetido ao STJ.

A anulação desta terça-feira (5), baseou-se em falhas técnicas contestadas fora do prazo adequado e sem que fossem especificados os prejuízos causados às defesas dos réus. Ao não contraditar as falhas no momento do julgamento, as defesas teriam perdido o direito de fazê-las posteriormente por “preclusão temporal”.

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma nesta terça-feira (5) o julgamento sobre o incêndio na Boate Kiss, ocorrido em 2013, em Santa Maria (RS), e que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos.

O caso começou a ser julgado em junho, mas foi interrompido após o ministro Rogério Schietti votar pela prisão imediata dos quatro condenados.

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A análise do caso será retomada com o voto do ministro Antonio Saldanha, que pediu vista (mais tempo para analisar o processo).

A Sexta Turma do STJ analisa recurso do Ministério Público do Rio do Grande do Sul (MPRS) contra a decisão que anulou o resultado do júri e determinou a soltura dos acusados.

Em agosto do ano passado, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) aceitou recurso protocolado pela defesa dos acusados e reconheceu nulidades processuais ocorridas durante sessão do Tribunal do Júri de Porto Alegre, realizada em dezembro de 2021.

O júri condenou os ex-sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr (22 anos e seis meses de prisão) e Mauro Londero Hoffmann (19 anos e seis meses), além do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor musical Luciano Bonilha. Ambos foram apenados com 18 anos de prisão.

No STJ, as defesas dos quatro acusados reafirmaram que o júri foi repleto de nulidades e defenderam a manutenção da decisão que anulou as condenações.

Entre as ilegalidades apontadas pelos advogados estão a realização de uma reunião reservada entre o juiz e o conselho de sentença, sem a presença do Ministério Público e das defesas, e o sorteio de jurados fora do prazo legal.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) marcou para 5 de setembro a retomada do julgamento sobre o incêndio na Boate Kiss, ocorrido em 2013, em Santa Maria (RS), e que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos.

O caso começou a ser julgado em junho, mas foi interrompido após o ministro Rogério Schietti votar pela prisão imediata de quatro condenados. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) feito pelo ministro Antonio Saldanha.

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A Sexta Turma do STJ analisa recurso do Ministério Público do Rio do Grande do Sul (MPRS) contra a decisão que anulou o resultado do júri e determinou a soltura dos acusados.

Em agosto do ano passado, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) aceitou recurso protocolado pela defesa dos acusados e reconheceu nulidades processuais ocorridas durante sessão do Tribunal do Júri de Porto Alegre, realizada em dezembro de 2021.

O júri condenou os ex-sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr (22 anos e seis meses de prisão) e Mauro Londero Hoffmann (19 anos e seis meses), além do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor musical Luciano Bonilha. Ambos foram apenados com 18 anos de prisão.  No STJ, as defesas dos quatro acusados reafirmam que o júri foi repleto de nulidades e defenderam a manutenção da decisão que anulou as condenações.

Entre as ilegalidades apontadas pelos advogados estão a realização de uma reunião reservada entre o juiz e o conselho de sentença, sem a presença do Ministério Público e das defesas, e o sorteio de jurados fora do prazo legal.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça discute na tarde desta terça-feira, 13, se restabelece a condenação de quatro investigados pela morte de 242 pessoas durante o incêndio da Boate Kiss, em 2013. A Corte põe em pauta um recurso do Ministério Público Estadual contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que anulou o júri que havia imposto até 22 anos de prisão aos réus.

De acordo com a Corte estadual, a decisão do Tribunal do Júri, que ocorreu em dezembro de 2021, teria sido contrária às provas dos autos e, assim, um novo julgamento deve ser realizado. O MP rechaça as alegações de nulidade do júri e pede que o STJ restabeleça a condenação dos réus.

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No STJ, o caso está sob relatoria do ministro Rogério Schietti Cruz. Em maio, ele marcou a data para análise do recurso do MP. Na ocasião, ainda retirou o sigilo que havia sido imposto ao recurso ressaltando que o incêndio que marcou a cidade de Santa Maria é 'fato amplamente divulgado, nacional e internacionalmente'.

O julgamento deve decidir os próximos passos dos quatro réus pelo incêndio da boate: os sócios Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o roadie do grupo musical, Luciano Bonilha. Os ministros podem discutir não só o restabelecimento das condenações, mas também o retorno dos presos ao cárcere.

Quando a sentença de condenação do caso saiu, os quatro réus não foram presos imediatamente, em razão de um habeas corpus preventivo, uma espécie de salvo-conduto. À época, a Promotoria recorreu da decisão e o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, determinou o cumprimento da pena.

Após a decisão do TJ-RS, que anulou o júri, os réus voltaram a responder ao processo em liberdade.

A Procuradoria-Geral da República também defende o restabelecimento das penas impostas aos réus. Em maio, o órgão rebateu as ilegalidades que a defesa sustenta terem ocorrido durante o júri.

Um grupo de 42 famílias de vítimas do incêndio na Boate Kiss estuda ir à Justiça contra a Netflix. O motivo é a série ficcional Todo Dia a Mesma Noite, que retrata a história do desastre do dia 27 de janeiro de 2023, quando 242 pessoas morreram após a boate em Santa Maria (RS) pegar fogo. Os parentes afirmam que não foram consultados e dizem estar incomodados com parte das cenas e com o que classificam como comercialização da tragédia.

O empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes é um dos líderes do movimento, e alega ter sido pego de surpresa pela obra audiovisual. "A maioria não foi ouvida, então me achei no direito de protestar", conta ele que perdeu a filha Evelin, com 19 anos na tragédia. De acordo com ele, os responsáveis pela série não procuraram os familiares de outras vítimas além das retratadas nas obras.

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Lopes garante que os pais não vão procurar qualquer indenização da empresa. "Não queremos dinheiro da Netflix, a gente quer que parte desse valor arrecadado seja usado para ajudar os sequelados", diz. Lopes é bastante crítico pelas ações comerciais que envolvem a memória da tragédia, como venda de camisetas, canecas e garrafas d'água.

Segundo ele, uma empresa já estuda a criação desses produtos com imagens ligadas à tragédia. "Nosso intuito é parar por aí, que não seja mais comércio. Estão lucrando com a tragédia desses pais. "Não queremos dinheiro. Queremos justiça e que parem de comercializar nossos filhos", afirma.

'Minissérie é diferente do que já foi produzido até agora'

Advogada que representa as famílias, Juliane Korb, diz que as medidas legais ainda estão sendo avaliadas, já que é necessário avaliar as queixas dos familiares em relação à lei. "Ainda estamos estudando a o que podemos fazer juridicamente a respeito de algumas informações desses pais." De acordo com ela, o principal motivador para esse movimento dos pais foi a surpresa e falta de comunicação sobre a produção da Netflix.

"Uma minissérie é muito diferente de tudo que foi produzido até hoje de conteúdo jornalístico. Muitos pais não tiveram estrutura psicológica de entrar naquele ginásio para fazer o reconhecimento dos seus filhos, e muitos até hoje não tiveram coragem de se deparar com essas imagens", afirma. "E a série traz no trailer imagens desse momento."

A cena do ginásio onde os corpos foram levados no dia tragédia é uma das que compõem o trailer da minissérie de cinco episódios que estreou em 25 de janeiro. Juliane diz que o primeiro pedido a ser feito diretamente à Netflix é uma adequação desse trailer pois, de acordo com ela e com Lopes, as imagens já despertaram problemas psicológicos em alguns familiares que conseguirem "se blindar" de cenas que remetessem ao ginásio.

"Faltou muita sensibilidade, porque os familiares envolvidos de forma direta com a associação tinham conhecimento. Mas faltou sensibilidade da plataforma aos demais pais serem pelo menos comunicados que estava acontecendo", diz Juliane. Segundo ela, esses pais são favoráveis que a história siga sendo contada, mas defendem que isso seja feito por meio de conteúdos jornalísticos e documentários.

Em nota publicada nas redes sociais no domingo, 29, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) declarou apoio à produção, disse estar ciente e afirma que se sentiu representada pela minissérie. Acrescenta ainda que a obra retrata as famílias que chegaram a ser processadas por críticas ao trabalho do Ministério Público na época.

A reportagem não conseguiu contato com a Netflix até a publicação deste texto.

Nesta sexta-feira (27), dia que marca os dez anos do incêndio da Boate Kiss em Santa Maria (RS), senadores declararam solidariedade aos familiares das vítimas e cobraram punição aos responsáveis pela tragédia. A tragédia deixou 242 mortos e 636 feridos.

O senador Paulo Paim (PT-RS) se pronunciou nas redes sociais sobre a dor vivida pelas famílias das vítimas. Paim foi relator do projeto que deu origem à Lei Kiss (Lei 13.425, de 2017), norma que estabelece medidas de segurança, prevenção e proteção contra incêndios em estabelecimentos de reunião de público. “Vidas ceifadas; sonhos interrompidos; famílias destruídas. Uma dor infinita", escreveu Paim.

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O incêndio foi causado pelo disparo de um artefato pirotécnico da banda que se apresentava no dia e que atingiu parte do teto da casa de festas e iniciou o fogo. As investigações concluíram que, além do uso de espuma inflamável no revestimento do prédio, o que facilitou a propagação das chamas, o artefato utilizado era de uso externo.

Quatro réus chegaram a ser condenados em dezembro de 2021, mas a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) anulou o júri após acolher parte dos recursos das defesas. Com isso, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da boate, Marcelo de Jesus, vocalista, e Luciano Bonilha, auxiliar da banda, foram soltos no mesmo dia.

O senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) se solidarizou com as famílias e cobrou o fim da impunidade dos responsáveis.  “Como é possível que depois de todo esse tempo, absolutamente ninguém tenha sido responsabilizado? A morosidade da Justiça só amplia a dor das famílias. Registro aqui minha solidariedade, apoio e meu apelo por justiça. Chega de impunidade!”, publicou Heinze.

O caso aguarda a conclusão de diligências para que a Segunda-Vice-Presidência do TJ-RS decida se admite os recursos movidos pela acusação e pelas defesas. Entre eles, estão pedidos de retomada do julgamento na Primeira Câmara Criminal e da prisão provisória dos réus.

A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) também usou suas redes sociais para expressar solidariedade e apoio às famílias.  "Uma década depois, o incêndio na boate Kiss ainda dói no coração do Brasil, como se tivesse acontecido ontem", escreveu a senadora.

Além do uso indevido de materiais na construção da boate, a investigação policial apresentou um relatório com mais de 20 agravantes para a tragédia, entre eles, a falta de equipamentos de segurança, a superlotação do local e diversas irregularidades na realização de vistorias e concessão de alvarás de funcionamento.

*Da Agência Senado

Faz dez anos nesta sexta-feira (27) que Jessica Montardo Rosado e o irmão Vinicius planejaram comemorar o aniversário de um amigo. Na verdade, a festa já havia ocorrido à tarde, mas como eram jovens, quiseram estender em uma balada. A duas quadras e meia de distância e apesar da fila gigante, a escolhida foi a Boate Kiss, local da tragédia que deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). Poderia ter sido pior se Vinicius, estudante de Educação Física e jogador de rugby, não tivesse conseguido salvar pelo menos 14 pessoas. Ele mesmo, porém, não escapou.

Jessica teve de aprender a lidar com a dor da perda do irmão. Recorreu a yoga, acunpuntura, escreveu sobre traumas nas redes sociais e também aos conselhos de outros parentes de vítimas, que se juntaram nos primeiros anos após o incêndio. "Não tem receita para viver o luto. Cada um vive a dor de uma forma. O que sempre digo para as pessoas é para que se permitam, pois sempre me permiti", diz ela, hoje com 34 anos.

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"(No dia da tragédia) A fila era gigantesca, mas não acontecia só na Kiss. Eu não tinha ideia de que as filas que faziam voltas na quadra, poderiam significar algo. Tenho certeza que ninguém imaginava isso antes da tragédia acontecer", afirma. Do grupo de 20 pessoas que foram à casa noturna para comemorar o aniversário, 11 morreram.

"Eu vi a hora que o Marcelo (de Jesus Santos, da banda Gurizada Fandangueira) colocou a luva, pegou o artefato pirotécnico e na hora do refrão, ergueu as mãos e uma faísca pegou no teto", afirma ela, que até hoje não consegue ouvir a música Amor de Chocolate, do funkeiro Naldo, que tocava na hora em que o fogo começou. Ela relata ter saído "empurrada" pela multidão, que se assustou com a fumaça. Já o irmão ficou dentro do espaço - e depois começou a ajudar outras pessoas na boate.

Logo que saiu da Kiss, Jessica entrou em contato com o pai. Eles e amigos procuraram por Vinicius a madrugada inteira e só no início da manhã descobriram que ele, de apenas 26 anos, havia morrido. "Passei muito mal durante todo o velório. Cuspia e tossia preto. Mas também foi durante aquele momento que soubemos, por capas de jornais, que o Vinícius tinha feito história", afirma ela, sobre a repercussão internacional do caso. "A gente está aqui pra relatar, mas ele que é o herói e a pessoa que fez por merecer todas as homenagens que recebeu até hoje."

Santa Maria também fez questão de preservar a memória do rapaz. O ginásio anexo "B" do Centro Desportivo Municipal Miguel Sevi Viero recebeu o nome do jovem e ele teve seu nome dado ao campeonato da segunda divisão do rugby gaúcho.

Após a perda do irmão, ela diz ter cursado Direito para entender os desdobramentos judiciais do caso. Jessica terminou o curso, mas nunca trabalhou na área e não fala do assunto. Em agosto de 2022, ninguém está preso: a Justiça anulou o júri que condenou quatro pela tragédia (dois sócios da boate, o músico que acendeu o instrumento pirotécnico que deu origem às chamas e o empresário da banda, que comprou o artefato). Recursos tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Imagens se apagaram

Ezequiel Corte Real, 33 anos, multicampeão de fisiculturismo, salvou pelo menos 20 pessoas no dia da tragédia. Também estudante de Educação Física e na época com 23 anos, ele diz que muitas imagens do dia se apagaram - ele teve de buscar ajuda psicológica após o trauma.

O fato de estar na casa noturna naquele dia se deu por acaso. "Estava com alguns amigos no centro dando uma volta, mas não tínhamos intenção de ir em festa", conta. "Um homem passou de carro e disse que estava vendendo os ingressos dele porque tinha desistido de entrar na boate. Decidimos entrar."

Lá dentro, eles ficaram em frente ao palco para curtir o show. Quando a fumaça começou ele acreditou que haveria uma equipe preparada para lidar com isso, mas não foi o que ocorreu. Entre o caixa e a chapelaria do estabelecimento, ele viu duas moças caídas no chão. "Elas estavam sendo pisoteadas por outras pessoas. Só pensei em colocar uma em cada braço e tirar ali de dentro. Conforme eu ia tirando, elas iam desmaiando logo que largava na calçada."

Por sua força e tamanho, Ezequiel conseguia retornar para dentro da casa noturna e erguer pessoas que já estavam desmaiando por conta da fumaça tóxica das espumas usadas para isolamento acústico do local. O universitário ainda salvou mais pessoas, até que uma policial o interrompeu, mostrando que tudo poderia desabar. Foi aí que ele percebeu a quantidade de corpos sob lonas no estacionamento do supermercado próximo à boate. Nas semanas seguintes, ele recebeu a gratidão e a solidariedade dos parentes de quem ele ajudou - mesmo os que não resistiram depois.

"Nesses 10 anos depois, consigo ver que existe um ponto na minha vida em que ressurgi. Além de ter uma nova oportunidade, consigo sentir que a vida vai muito além do que a gente vive aqui", diz o fisiculturista. "Dou mais valor à família, minha mãe, minha avó", afirma.

O som alto, de repente, cessou. “Seria uma briga?”, perguntava-se o universitário Gabriel Rovadoschi, com 18 anos de idade. Uma fumaça se aproximava misturada a gritos dispersos. O cheiro forte aumentava a suspeita que teria havido alguma intervenção dos seguranças para dissipar a confusão. Nada disso. Ele foi descobrindo aos poucos, passo a passo, que era necessário fugir.

No pub em que estava, não via o palco. Cobriu o nariz e conseguiu encontrar a saída. “Eu coloquei a camiseta na frente da boca e do nariz. Tentei não respirar. Foi como se eu tivesse mergulhando”, recordou em entrevista à Agência Brasil. Era o primeiro final de semana do jovem em uma casa noturna. Havia sido convidado por uma amiga para ir à Boate Kiss, na cidade de Santa Maria (RS), naquele 26 para 27 de janeiro de 2013. 

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Faz 10 anos que aquela noite, os barulhos, os silêncios, os cheiros e tantas outras lembranças e sentimentos estão presentes. O jovem, nascido em Cachoeira do Sul (RS), foi um dos mais de 600 sobreviventes do incêndio que matou 242 pessoas. "Tive minha juventude arrancada", diz, sobre os efeitos do trauma. 

O hoje psicólogo Gabriel é o presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria e resolveu se dedicar a unir luto e luta na mesma frase. Inconformado com a anulação do julgamento de quatro réus, chama a situação de impunidade.

Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o auxiliar Luciano Bonilha Leão foram acusados de homicídio pelo Ministério Público do Estado. Foram condenados à prisão, mas, em agosto do ano passado, o julgamento foi anulado e eles ficaram livres. 

Para Rovadoschi, não há motivo para esmorecer. Pelo contrário. Busca fazer com que mais vítimas possam falar e trocar sentimentos.

Além de representar famílias em busca de justiça, o rapaz defende também a construção de um memorial às vítimas, mais apoio aos familiares e todas as manifestações possíveis para que tragédias como essa nunca mais aconteçam.

Confira a entrevista com Gabriel Rovadoschi 

Agência Brasil - Qual é, hoje, dez anos depois da tragédia, a principal luta dos familiares das vítimas e dos sobreviventes?

Gabriel Rovadoschi - A luta que inaugurou o movimento segue sendo a luta por justiça. Por respostas que já deveriam ter sido dadas há muito tempo. A gente segue lutando contra a impunidade, que está diante de nós. O nosso movimento surgiu ainda em 2013 (ano da tragédia) e contempla diferentes frentes: desde a luta pela justiça, pela memória, pela prevenção a novos acidentes e também pela fiscalização (para evitar outras tragédias).

Agência Brasil - Sobre a impunidade, que você cita, a anulação do julgamento, em agosto, impactou a luta de vocês?

Gabriel Rovadoschi - Sem a justiça sendo feita, a mobilização fica mais difícil para consolidação da memória, fazer, por exemplo, com que a cidade abrace essa história como história de cada um. Essa falta de justiça prejudica as outras frentes. Por isso, se faz tão necessária e incessante essa luta pelas responsabilizações, não somente na esfera criminal desses quatro réus, mas também na nossa petição internacional que está em andamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos que busca outras responsabilizações.

Agência Brasil - Nesse sentido de gerar consciência e fiscalização, as leis Kiss (estadual e federal) têm sido importantes?

Gabriel Rovadoschi - O problema é que a legislação vem sofrendo flexibilizações ao longo do tempo. Nós fomos na Assembleia Legislativa (do Rio Grande do Sul)  para tentar frear o processo de aprovação dessas alterações. A gente entende que essas flexibilizações atendem a interesses do empresariado e também de ordem econômica, que vão na contramão do propósito da gente.

Até quando mais pessoas vão ser colocadas em risco pela falta da aplicação das leis? Infelizmente, parece que que se diminuiu a gravidade do que aconteceu com o passar do tempo. E essa gravidade só se intensifica e potencializa. Essa é a nossa luta diária. A gente acorda todos os dias com essa insegurança de não ter garantias de que no futuro possa ser feito algo a respeito.

Agência Brasil  - Depois da anulação do julgamento, quais são os próximos passos?

Gabriel Rovadoschi  - A anulação mudou abruptamente o horizonte que a gente almejava, o que inclui a construção de memorial, de dar novos passos na luta por justiça. A anulação nos chocou bastante. Nós estamos com recursos especiais nos tribunais superiores. A gente espera que haja a reversão dessa decisão e que seja respeitada a decisão do julgamento anterior. 

Agência Brasil - Você espera que o marco dos 10 anos ajude nessa luta de recordar e dar visibilidade à causa dos familiares e sobreviventes?

Gabriel Rovadoschi - Esses 10 anos representam uma marca forte. Trata-se de um tempo cronológico bastante significativo, e que gera novas informações de acesso ao público, como os documentários que foram lançados. Acredito que seja um período de bastante visibilidade e traz visibilidade a nossa luta por justiça, que é incansável.

Sabemos que a impunidade é uma palavra que não é estranha no Brasil. Está no cotidiano do brasileiro e essa não é uma realidade aceitável.

Agência Brasil -  Vocês têm realizado encontros na frente do antigo prédio da boate?

Gabriel Rovadoschi - A gente fez ao longo dos anos eventos e alguma arte na fachada. Fazemos intervenções na fachada com colagens e grafite. Nesse sentido, nós temos a tenda da vigília na praça principal aqui da cidade onde ocorrem nossas vigílias nos dias 27 de cada mês. É um lugar da cidade onde é permitido homenagear as vítimas e zelar por essa memória. Isso ocorreu graças à ocupação desse espaço público para tornar permanente.

Agência Brasil - E o memorial?

Gabriel Rovadoschi - Foi feito um concurso em 2017, de um memorial que deve ser construído no local onde funcionava a boate. A gente tem conversado internamente na associação nesse último ano.

Temos avanços significativos nesses estudos sobre como viabilizar essa construção e acreditamos que esse ano ainda a gente tenha boas notícias a respeito disso. 

A gente está trabalhando com bastante seriedade nesse sentido porque não é simplesmente um prédio que vai ser demolido para construção de outro. Ao mexer em um prego, a gente mexe dentro de cada pessoa da cidade. Então, isso precisa ser trabalhado de forma comunitária no sentido da construção desse memorial, da responsabilidade emocional que deve ser dada a uma construção. 

A gente pensa com a perspectiva de que a própria demolição do prédio só aconteça com a garantia de que todas etapas da construção do memorial.

Agência Brasil - Na frente do prédio da antiga boate, há escritos como “onde você estava no dia 27?” Qual a intenção?

Gabriel Rovadoschi - É um apelo à conscientização. Essa frase foi uma intervenção que aconteceu em outubro do ano passado por um coletivo de psicanálise aqui da cidade que tem feito várias intervenções com a gente principalmente nesse final de 2022 para mobilizar as pessoas da cidade a se depararem e se questionarem com essa pergunta. Todas as pessoas, quando a gente insere o assunto que pela primeira vez, espontaneamente contam onde estavam, o que faz, quem ligou…

É justamente nessa perspectiva de lidar com o trauma coletivo que essa intervenção foi pensada. É uma perspectiva muito interessante, bonita e potente ao ampliar o sentimento de pertencimento de quem passa ali na frente.

Agência Brasil - Hoje você é psicólogo. Nesses últimos 10 anos como fez para lidar com essa história pessoalmente e também no âmbito profissional?

Gabriel Rovadoschi -  Individualmente o caminho foi o da terapia. Entendo que é necessário que cada pessoa tenha espaço onde a palavra possa circular e que possa expor a sua dor de diferentes maneiras. Nessa vertente, eu tenho investido bastante nos meus esforços entre os grupos de sobreviventes e familiares das vítimas. Por isso, é muito importante promover o diálogo e rodas de afeto. Aqui, nas ações da associação, entendemos que o afeto deve ser compartilhado. É o abraço, as mãos dadas… Nós precisamos garantir nesse movimento coletivo que existam esses espaços. 

Agência Brasil - As reuniões são permanentes?

Gabriel Rovadoschi - Na verdade, as reuniões não têm esse caráter formal. Vou dar um exemplo prático: na época do julgamento, eu me preocupei com a forma com que a imprensa abordaria, e que seria difícil se proteger das notícias. Conversamos sobre isso abertamente. Sei que a relação com as lembranças e com a memória para cada sobrevivente e familiar varia. Não são todos que conseguem assistir às notícias. Eu pensei em criar uma forma da gente se proteger disso e, na época do julgamento, eu criei um grupo de mensagens para convidar as pessoas a participarem. Justamente para a gente poder comentar entre nós o andamento do julgamento, os episódios que a gente ia experienciar naquele período que eu já previa que seria muito intenso. 

Na época do julgamento, a gente teve mais de noventa sobreviventes ali e compartilhando aquele espaço mesmo que virtual mas tendo um espaço. Muitas pessoas falaram pela primeira vez com outras pessoas desconhecidas sobre onde estavam na boate. Foi um momento de compartilhar experiências. Foi muito importante para a gente conseguir suportar aquele momento.

Agência Brasil - Você é um rapaz de 28 anos. Como você enxerga aquele rapaz de 18 anos?

Gabriel Rovadoschi  - Eu estou vivendo o luto ainda desse Gabriel que eu já fui um dia. Tentando me reconhecer. Minha juventude foi arrancada. Eu tento tratar com carinho essa memória de quem um dia eu fui para poder justamente acolher outras pessoas que passaram por processos parecidos.

Agência Brasil - A experiência te marcou também como psicólogo?

Gabriel Rovadoschi - Há questões na minha formação que me auxiliam, que me amadureceram também e que hoje tento prestar serviço também nesse sentido de conscientização.

Agência Brasil - No seu doutorado, você estuda distúrbios de comunicação. Há relação com o que você viveu?

Gabriel Rovadoschi - Ainda estou construindo, mas de certa forma sim.  A temática da  afasia é do campo da fonoaudiologia e é uma condição neurológica que afeta a linguagem. De certa maneira, tem a ver porque eu reconheço hoje que tem muita relação com a minha história, me identifiquei com essa condição de alguém com afasia onde se tem algo na cabeça, mas sem a capacidade de dar uma tradução verbal a isso.

Pretendo seguir nessa linha de relação entre essa espécie de afasia da cidade de Santa Maria sobre o assunto nesses dez anos.

Familiares e amigos de vítimas do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, fizeram uma vigília em frente à casa noturna na madrugada desta sexta-feira (17). A caminhada começou na Praça Saldanha Marinho e seguiu em silêncio até a boate, a uma quadra de distância. Foi apresentada uma coreografia de dança retratando os eventos da tragédia e uma colagem de mensagens e imagens na fachada da Kiss. Uma maneira de extravasar a saudade e o sofrimento impostos pela tragédia que deixou 242 jovens mortos e mais de 600 feridos. O caso completa dez anos nesta sexta-feira.

O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Gabriel Rovadoschi, agradeceu os participantes. "É muito importante ver tanta gente compartilhando desse momento, estando junto, caminhando junto, trilhando junto e registrando a história junto. E tendo a coragem de enfrentar o que a gente tem enfrentado de lembranças, de memórias. Sabemos que juntos a gente consegue muito mais".

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Para quem perdeu alguém naquele 27 de janeiro de 2013, essa história não pode ser esquecida nem silenciada.

Parte da programação para resgatar a memória após os 10 anos do incêndio ocorreu hoje na Praça Saldanha Marinho em Santa Maria é uma exposição que traz fotos de jovens que morreram na tragédia com a simulação de como estariam hoje. Umas das homenageadas é a Andrielle, filha de Ligiane Righi.

“Eu sinto que a gente tem que falar e eu prometi para a minha filha que eu não ia deixar cair no esquecimento o que aconteceu com ela e com as amigas, então todo esse movimento que está aqui é uma ajuda para não deixar cair no esquecimento. Tem que ser lembrado, tem que ser falado. As pessoas esquecem muito rápido, tem que ter memória. Os jovens têm o direito de sair e se divertir e voltar com segurança para casa, porque a preocupação com minha filha era na rua, o ir e vir. Para mim ela estava segura ali dentro [da Boate Kiss]. Foi provado o contrário. E nada mudou, infelizmente. Em dez anos não aprenderam com o que aconteceu. Mas a gente segue, a gente está lutando pela filha que ficou e para que nenhum pai e nenhuma mãe passe pelo que a gente passa até hoje”, disse Ligiane 

Após 10 anos, o caso continua sem que ninguém tenha sido responsabilizado. O júri que havia condenado 4 pessoas em 2021 foi anulado por questões processuais. Ainda não há data para novo julgamento.

“É uma vergonha do Judiciário. Pegar firulas, detalhes processuais que não prejudicaram em nada o julgamento”, disse Paulo Carvalho, 72 anos, pai do Rafael Carvalho, outra das vítimas no incêndio na boate.

A psicóloga Ariadna de Andrade disse que há pessoas que criticam as ações que mantém viva a discussão em torno do caso da Boate Kiss.

“Uma coisa muito importante de pensar é que esse pedido de esquecer também tem a ver com o sentimento de impunidade. A gente sempre conversa também que quando acontece um crime como este e isso passa impune, a sensação que fica é de que se a gente não honra os mortos como que cuidamos da vida. Poderia ter sido nós, os nossos parentes. Se a gente não honra os nossos mortos, é como se de que valeu a vida deles ou de que vale a nossa vida se não tem algo que dê segurança e garantia de que a nossa passagem por aqui está segura”, disse Ariadna.

Outras ações continuam nesta sexta para relembrar uma das piores tragédias da história do Brasil, com culto ecumênico e diversos eventos, entre debates e lançamentos de livro e de campanha. As homenagens e atividades vão até dia 28.

Após dez anos da tragédia que tirou a vida de 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ninguém foi responsabilizado. Familiares e vítimas da tragédia, que completa uma década nesta sexta-feira (27), ainda aguardam o desfecho judicial.

Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o auxiliar Luciano Bonilha Leão foram acusados de homicídio pelo Ministério Público do Estado (MPE). Em 2021, eles foram condenados pelo Tribunal do Júri a penas de 18 a 22 anos de prisão. Sob o argumento de descumprimento de regras na formação do Conselho de Sentença, o Tribunal de Justiça do estado anulou a sentença e revogou a prisão em agosto do ano passado. O MPE recorreu da decisão.

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O delegado regional de Santa Maria, Sandro Luís Meinerz, que conduziu a investigação do caso, lamenta a demora da justiça.

“Estamos fechando agora no dia 27, dez anos dessa absurda tragédia e, infelizmente, nenhuma resposta final desse processo foi dada para sociedade e, principalmente, para os pais e familiares dessas vítimas que morreram, fora aquelas que ficaram sequeladas”, disse.

A defesa de Luciano Bonilha afirma que a sentença do júri, que foi anulada, era injusta. O advogado Jean Severo espera uma solução no fim deste ano. Já o advogado de Mauro Londero, Bruno Seligman de Menezes espera que a anulação seja mantida e que um novo julgamento tenha uma sentença justa.

Segundo a advogada do vocalista Marcelo Santos, Tatiana Vizzotto Borsa, o músico segue trabalhando em São Vicente do Sul, enquanto aguarda a decisão de tribunais superiores. A defesa de Elissandro Spohr não quis se manifestar.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul disse, em nota, que além dos quatro réus por homicídio, 19 pessoas, entre bombeiros e ex-sócios da boate, foram acusadas por crimes como falsidade ideológica e negligência.

Outras 27 pessoas foram denunciadas por falsidade ideológica, porque assinaram documento dizendo morar a menos de 100 metros da boate, o que foi comprovado como mentira.

Mudanças na legislação

A tragédia escancarou a fragilidade nos critérios de segurança em casas noturnas e exigiu uma resposta dos legisladores. Em 2017, entrou em vigor uma nova lei federal, conhecida como Lei Kiss. O texto estabeleceu normas mais rígidas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios em estabelecimentos de reunião de público em todo território nacional. 

Entre as mudanças na lei, aspirante a oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal e pesquisadora do caso Kiss, Kirla Pignaton, destaca a determinação de que cada estabelecimento tenha a lotação máxima na porta de entrada. Outro ponto foi a inclusão de noções de segurança contra incêndio e pânico nos cursos de engenharia e arquitetura. 

Entretanto, ao sancionar a lei, o então presidente Michel Temer vetou 12 trechos, nos quais estão a criminalização do descumprimento das ações de prevenção e combate a incêndio e a proibição do uso de comandas em casas noturnas.

Segundo Kirla Pignaton, o caso de Santa Maria não é inédito. Outras nove situações similares aconteceram antes em outros países. Para a pesquisadora, a tragédia mostrou a importância de informações sobre a segurança do local. 

"[O consumidor passou a] se atentar que não pode ficar em um estabelecimento [sem segurança]. Ele também pode entrar no site do Corpo de Bombeiros e fazer uma denúncia para que eles vão até o local para façam vistoria para verificar se está tudo conforme o projeto, se o projeto de segurança foi executado", disse a pesquisadora.

No Rio Grande do Sul, ainda em 2013, mesmo ano do incêndio na Kiss, uma lei aumentou o rigor na prevenção contra incêndios. Mas no fim do ano passado, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei enviada pelo Executivo que dispensa a necessidade de alvará para 730 tipos de imóveis.

O incêndio na boate Kiss completa dez anos nesta sexta-feira (27). A tragédia provocou a morte de 242 pessoas, mais de 600 feridos e comove o país até hoje, sem nenhum réu responsabilizado

O drama começou por volta de três horas da manhã do dia 27 de janeiro de 2013, quando o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, acendeu um objeto pirotécnico dentro da boate, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. 

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A espuma do teto foi atingida por fagulhas e começou a queimar. A fumaça tóxica fazia as pessoas desmaiarem em segundos. O local estava superlotado, não tinha equipamentos para combater o fogo, nem saídas de emergência suficientes. Morreram pessoas que não conseguiram sair e outras que tinham saído, mas voltaram para ajudar.

O delegado regional de Santa Maria, Sandro Luiz Mainers, contou que o pânico se instalou quando a fumaça se espalhou e a luz caiu. As pessoas não sabiam como fugir.

"E isso fez com que algumas pessoas enganadas por duas placas luminosas que estavam sobre os banheiros da boate corressem na direção dos banheiros e não na direção da porta. Então, houve um fluxo e um contrafluxo. Algumas corriam para o banheiro e outras tentavam correr na direção da porta de entrada. Isso fez com que muitas pessoas morressem porque algumas acabaram sendo derrubadas, algumas caíram", relatou.

Além da falta de sinalização, quem tentava sair esbarrava nos guarda corpos que serviam para direcionar as pessoas ao caixa da boate, disse o delegado. "E os guarda corpos foram determinantes até porque nós encontramos corpos caídos sobre esses guarda corpos", afirmou.

Relato

O jornalista Dilan Araújo atuou na cobertura para as rádios da EBC, quando o incêndio aconteceu. Ele disse que os familiares iam a um ginásio da cidade para procurar por informações e fazer o reconhecimento das vítimas.

"E, por isso, de tempos em tempos, a gente ouvia os gritos desconsolados, né? Rompendo aquela atmosfera de silêncio e de tensão, outros familiares tentando consolar aqueles que se encontravam numa emoção. De desespero maior. E tinha também a angústia daqueles que ainda estavam sem notícias", finalizou.

Um dos acontecimentos mais chocantes do ano de 2013 será contado pela Netflix. No próximo dia 25, o serviço de streaming vai lançar em seu catálogo a minissérie ficcional Todo Dia a Mesma Noite, obra inspirada na história do incêndio da Boate Kiss. A tragédia que marcou a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, deixou 242 mortos e 636 feridos.

Nesta sexta-feira (20), a plataforma divulgou um vídeo onde os atores comentam sobre o projeto. "Todo Dia a Mesma Noite é sobre manter viva na nossa memória uma história que nunca deve ser esquecida", declarou o ator Thelmo Fernandes. O conteúdo também reúne depoimentos de atores como Bel Kowarick, Debora Lamm e Paulo Gorgulho.

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Produzida pela Morena Filmes para a Netflix, a minissérie tem direção geral de Julia Rezende, direção de Carol Minêm, roteiro de Gustavo Lipsztein e consultoria criativa de Daniela Arbex. Com produção executiva de Mariza Leão, Tiago Rezende e Gustavo Lipsztein, Todo Dia a Mesma Noite mostrará em cinco episódios as circunstâncias da tragédia, os rumos da investigação e a luta dos familiares das vítimas por justiça. O trabalho audiovisual é baseado no livro homônimo da jornalista e escritora Daniela Arbex.

Confira o vídeo:

O ex-presidente Lula (PT) usou suas redes sociais para criticar os comentários feitos pelo deputado federal bolsonarista reeleito, Bibo Nunes (PL), em uma live. Ao atacar estudantes que participaram de uma manifestação Universidade Federal de Santa Maria contra o contingenciamento de verbas, o parlamentar disse que estudantes de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, merecem ser "queimados vivos". A cidade gaúcha teve 242 pessoas mortas em um incêndio na boate Kiss, em 2013. 

Na sua conta no Twitter, o ex-presidente questionou a atitude do deputado federal e prestou solidariedade aos alunos ofendidos. "Que tipo de pessoa deseja que estudantes sejam queimados vivos? Será que esqueceu da tragédia da boate Kiss? Ou zomba dela? Minha solidariedade aos alunos da UFSM atacados por um deputado bolsonarista. Absurdo que ideias assim sejam propagadas por quem deveria respeitar o povo", publicou em sua página no Twitter.

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O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu nesta quarta-feira (3) anular o julgamento que condenou os réus do caso do incêndio na Boate Kiss, que em 2013 matou 242 pessoas em Santa Maria (RS). A decisão foi tomada pela 1ª Câmara Criminal da Corte, que julgou os recursos da defesa. Quatro réus condenados de 18 a 22 anos pela tragédia vão ser soltos.

Adrielle Silva tinha 22 anos quando morreu no incêndio da Boate Kiss em janeiro de 2013. Seu pai, Flávio José da Silva, que presidiu a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), recebeu com surpresa a anulação do julgamento que condenou os réus do caso que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos. "A gente vem lutando há praticamente dez anos e a gente já perdeu algumas batalhas, mas a guerra é muito grande", afirma.

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Já se esperava uma redução das penas - que variavam entre 18 e 22 anos de prisão -, diz Flávio Silva, mas não a anulação. Segundo ele, familiares das vítimas do incêndio vão se reorganizar e preveem entrar com recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, se necessário, no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão.

Com a decisão dessa quarta-feira do Tribunal de Justiça gaúcho, os sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o roadie do grupo musical, Luciano Bonilha, devem ser soltos e passar por novo julgamento. Eles haviam sido condenados no fim do ano passado.

Relembre a tragédia

Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, de acordo com as investigações, o músico Marcelo de Jesus dos Santos, integrante da banda Gurizada Fandangueira, acendeu um "sputnik" - sinalizador para uso em ambiente externo que solta faíscas brilhantes. As fagulhas atingiram o teto da boate, feito de espuma, para o isolamento acústico, acendendo o fogo, que se espalhou rapidamente.

A queima da espuma também liberou gases tóxicos, como o cianeto, que é letal. Essa fumaça tóxica matou, por sufocamento, a maior parte das vítimas na tragédia.

Parte das pessoas foi impedida por seguranças de sair da boate durante a confusão, por ordem de um dos donos, que temia que as mesmas não pagassem as contas. O local não tinha saídas de emergências adequadas e os extintores de incêndio eram insuficientes e estavam vencidos.

Nove anos depois do incêndio que matou 242 jovens e deixou mais de 600 feridos na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, familiares das vítimas consideram que a justiça começou a ser feita. No último mês de dezembro, quatro pessoas acusadas pelo Ministério Público (MP) pelos 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio por dolo eventual, foram condenadas em júri popular a penas de 18 a 22 anos, a serem cumpridas em regime fechado, inicialmente.

“O que a gente entende é que nesse processo em que os réus responderam pelos homicídios, isso aí ficou, sem dúvida nenhuma, justiçado. Consideramos que foi feita justiça, mas sabemos que isso vai ser decidido nos tribunais superiores mais à frente, porque eles devem recorrer. A gente entende que a justiça teve seu início, a condenação deles é sinal de justiça”, destacou o presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Flávio Silva. 

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Os sócios da Boate Kiss, Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, foram condenados a penas de 22 anos e 6 meses, e 19 anos e seis meses, respectivamente; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, que acendeu o artefato pirotécnico que causou o incêndio, foi condenado a 18 anos; e o produtor do grupo musical, Luciano Augusto Bonilha Leão, que comprou os fogos, a 18 anos também.

“Houve vitória da sociedade, nós não ganhamos nada, a sociedade conquistou sim o início da punição desse tipo de crime. [A condenação deles] prova que esse tipo de crime começa a ser punido no Brasil. Mas a gente entende que só à base de muita luta, muito esforço, que a justiça acontece”, ressaltou Flávio, pai de Andrielle Righi da Silva, que morreu no incêndio quando tinha 22 anos. 

Os quatro condenados já começaram a cumprir pena. Na Justiça Militar, dois bombeiros foram condenados a penas de reclusão, mas as punições não começaram a serem cumpridas em razão de recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Quatro bombeiros também já haviam sido condenados anteriormente pela Justiça Comum a penas sem reclusão, em razão de irregularidades no processo de concessão de alvará da boate. “A gente não entende isso como condenação, porque as responsabilidades deles são graves, pelos crimes que cometeram. Eles foram condenados a pagar multa”, disse Flávio. De acordo com ele, os familiares já recorreram ao STJ e aguardam novo julgamento.

Tragédia

O incêndio teve início na madrugada de domingo, 27 de janeiro de 2013, durante apresentação da banda Gurizada Fandangueira. O evento havia sido organizado por estudantes dos cursos de agronomia, medicina veterinária, zootecnia, técnico em agronegócio, técnico em alimentos e pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

O fogo teve início no teto da boate, após um dos integrantes da banda acender um artefato pirotécnico no palco. A espuma, utilizada para abafar o som do ambiente, era inapropriada para uso interno. Ao queimar, produziu substâncias tóxicas que causaram a maioria das mortes. O recinto funcionava com documentação irregular e estava superlotado.

De acordo com sobreviventes, uma fumaça preta tomou conta do local em questão de segundos, e impediu as pessoas de encontrar rota de fuga. A maior parte dos corpos foi achada em um dos banheiros da boate, confundido com a saída do local.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, ratificou decisão que mandou prender os quatro condenados pelas mortes de 242 pessoas no incêndio na Boate Kiss e sustou os efeitos da concessão de um eventual habeas corpus, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), aos réus. A decisão barra uma possível soltura de Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

O despacho foi dado nesta quinta-feira, 16, após um pedido do Ministério Público do RS. A Promotoria voltou a acionar a Corte máxima após a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado iniciar o julgamento de habeas corpus impetrado em favor dos réus. Segundo o MP, já havia dois votos favoráveis à concessão da ordem.

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Nessa linha, a Promotoria apontou "risco iminente de soltura dos réus" e pediu que a eventual concessão do habeas corpus não obstasse a execução das penas entre 18 anos e 22 anos e 6 meses de reclusão impostas aos réus em julgamento finalizado no último dia 10, garantindo cumprimento de decisão anterior proferida por Fux.

O despacho em questão derrubou habeas corpus concedidos em favor dos quatro réus condenados pela tragédia da Boate Kiss, determinando o cumprimento imediato das penas imputadas a Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Em seu despacho, Fux indicou que sua decisão pode ser alterada ou revogada somente no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal, "pelas vias recursais próprias". "Nesse sentido, nenhuma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ainda que em sede de julgamento de mérito do habeas corpus, teria o condão de sustar, direta ou indiretamente, os efeitos da decisão suspensiva prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível inversão de instâncias", escreveu.

O juiz Orlando Faccini Neto, responsável por presidir o júri sobre o incêndio da Boate Kiss, chegou a decretar a prisão dos quatro réus. Um habeas corpus concedido pela 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, porém, suspendeu a medida. Agora, o colegiado de desembargadores gaúchos deverá analisar o caso.

O habeas corpus foi dado inicialmente a Elissandro Spohr, o Kiko, que era sócio da boate que pegou fogo em janeiro de 2013. Depois, ele foi concedido aos demais réus do julgamento - Mauro Londero Hoffmann, outro sócio do estabelecimento e único que não estava no local na noite do incêndio, Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e Luciano Bonilha Leão, roadie do grupo musical. As defesas dos réus negam responsabilidade pelos mortos e feridos.

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Cabe recurso a instâncias superiores. A pena pode vir a ser anulada, de acordo com a previsão legal, se os magistrados entenderem que a posição dos jurados foi de encontro a provas do processo. Há ainda discussão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cumprimento imediato de condenações definidas pelo Tribunal do Júri.

"A condenação por dolo eventual é inédita no Brasil para esse tipo de crime e, a partir de agora, temos um marco para que todos saibam que as boates para nossos jovens e os lugares para reunião de público têm de ser seguros para que as pessoas se divirtam e voltem para suas casas com vida", destacou o promotor David Medina da Silva, um dos que atuaram no júri.

O homicídio culposo é aquele praticado sem intenção. Já o doloso, diz o Código Penal, é aquele em que se reconhece que o autor quis ou assumiu o risco de causar a morte.

Para o professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Fabiano Clementel, "isso traz uma nova jurisprudência a respeito de situações semelhantes como esta, em que um sócio de uma boate, por exemplo, acaba sendo imputado pela prática de homicídio por dolo eventual".

Ainda segundo o criminalista, a falta de responsabilização do poder público - como as autoridades responsáveis pelas fiscalizações da casa noturna - também é uma marca desse julgamento. Segundo ele, "a mensagem que se pode passar para a sociedade, e isso a defesa tentou fazer, é que o poder público acaba se empoderando sobre a iniciativa privada e se imiscuindo de suas responsabilidades".

O incêndio da Boate Kiss é a segunda maior tragédia do tipo na história do Brasil, depois do fogo em 17 de dezembro de 1961 no Circo Americano, em Niterói, região metropolitana do Rio. Nesse acidente, morreram 503 pessoas, na maioria crianças.

Quase nove anos depois e somando 10 dias de julgamento, o caso do incêndio que matou 242 pessoas na Boate Kiss finalmente teve seu desfecho: a Justiça do Rio Grande do Sul condenou os quatro acusados no caso, sendo dois empresários e dois integrantes da banda que se apresentava no dia da tragédia. O caso ocorreu em 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria, sendo a maior tragédia da história gaúcha. Ao todo, foram ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante. O júri, composto por seis homens e uma mulher.

Após a deliberação do júri, o juiz Orlando Faccini Neto leu o veredito. "A sentença é longa, é pública, mas não vou ler inteira", disse. Os condenados foram:

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- Elissandro Spohr, sócio da boate, levou a maior pena: 22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual;

- Mauro Hoffmann, sócio da boate: 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual;

- Marcelo de Jesus, vocalista da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual;

- Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual.

Inicialmente, o cumprimento da pena era previsto em regime fechado. No entanto, Faccini recebeu a comunicação de que o Tribunal de Justiça concedeu um habeas corpus preventivo em favor de um dos réus, o que fez suspender a execução da pena dos quatro. Portanto, até o momento, nenhum deles foi preso.

"No caso como o presente, é preciso referir que se está diante da morte de 242 pessoas, circunstância que, na órbita do dolo eventual, já encerra imensa gravidade", disse o juiz Orlando Faccini Neto.

Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann eram sócios da casa noturna na época da tragédia. Marcelo de Jesus dos Santos era vocalista da Banda Gurizada Fandangueira e Luciano Bonilha Leão, o auxiliar do grupo musical que se apresentava na boate na noite do incêndio. 

Os quatro réus respondiam por homicídio simples, consumado 242 vezes (total de vítimas) e tentado outras 636 (número de sobreviventes). O incêndio na Boate Kiss começou durante o show da banda Gurizada Fandangueira, quando Santos disparou um artefato pirotécnico, causador do incêndio. O teto da casa de eventos era revestido em espuma, para auxiliar na acústica, o que intensificou as chamas. A tragédia em Santa Maria fica atrás somente do incêndio no Gran Circo, em Niterói, que deixou 503 mortos no ano de 1961.

Segundo a perícia e relatos de sobreviventes, não havia ventilação adequada ou extintores de incêndio apropriados no local.

Juridicamente, o caso é considerado o maior e o mais longo da Justiça do Rio Grande do Sul, tendo rendido 19 mil páginas. O Ministério Público pedia a condenação de todos os acusados por homicídio doloso (quando o acusado tem a intenção ou assume o risco de morte). A sustentação foi feita pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, e pelo assistente de acusação Pedro Barcellos, representando as vítimas. Já os advogados dos acusados pediram absolvição ou pelo menos alterar a pena de dolo para culpa.

 

O julgamento de quatro réus pelo crime de homicídio no incêndio da Boate Kiss em Santa Maria (RS), em janeiro de 2013, entrou hoje (5) no quinto dia. Neste domingo estão previstos os depoimentos de Thiago Mutti, testemunha de defesa de um dos réus, e de uma das vítimas, Delvani Brondani Rosso .

No sábado, Cristiane dos Santos Clavé, que estava no estabelecimento e perdeu 15 amigos naquela noite, prestou depoimento. 

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Ela disse que estava de frente para o palco e viu dois fogos de artifício presos no chão durante o show da Banda Gurizada Fandangueira. Ao ver fumaça sentiu uma falta de ar muito forte e saiu do local para respirar melhor, desviando de várias pessoas que começaram a correr e a se empurrar. “A fumaça se espalhou rápido e chegou primeiro que eu lá na frente. Estava muito quente, era como o vapor de uma panela”, destacou. Por estar próxima à porta de saída, conseguiu deixar a boate.

“Parecia uma cena de horror”, disse sobre o cenário já de fora da boate. “Passava por cima dos corpos”, lembrou. Sobre o amigo Leandro, (de apelido Chupa), que morreu no dia e foi encontrado próximo ao banheiro, ela afirmou que “tenho certeza que ele achou que ali era a saída”.

Ao ser perguntada pelo juiz sobre o sentimento ao prestar depoimento e reviver os fatos, Cristiane disse que fazia isso em memória dos amigos falecidos. 

Conforme Christiane, a boate não tinha sinalização e não foi anunciado o incêndio. Ela ouviu ainda pessoas sendo barradas na saída da Kiss. “Eu tenho certeza de que muita gente morreu sem saber o que estava acontecendo”.

São réus no processo  Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, proprietários do estabelecimento, o vocalista da banda Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor musical Luciano Bonilha Leão. 

Entenda

A tragédia, que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas, começou no palco, onde se apresentava a Banda Gurizada Fandangueira, e logo se alastrou, provocando muita fumaça tóxica. Um dos integrantes disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que pegou fogo.

A tragédia, que matou principalmente jovens, marcou a cidade de Santa Maria e abalou todo o país, pelo grande número de mortos e pelas imagens fortes. A boate tinha apenas uma porta de saída desobstruída. Bombeiros e populares tentavam, de todo jeito, abrir passagens quebrando os muros da casa, mas a demora no socorro acabou sendo trágica para os frequentadores. Após a tragédia, normas para prevenção de incêndio em estabelecimentos similares foram alteradas para garantir maior segurança em todo o Brasil.

A maior parte acabou morrendo pela inalação de fumaça tóxica, do isolamento acústico do teto, formado por uma espuma inflamável, incompatível com as normas de segurança modernas.

Desde o incêndio, as famílias dos jovens mortos formaram uma associação e, todos os anos, no dia 27 de janeiro, relembram a tragédia, a maior do estado do Rio Grande do Sul e uma das maiores do Brasil.

A família de Vanessa Gonzaga Noronha viveu horas de angústia naquela manhã de janeiro de 2013 para ter notícias de seu irmão, Odomar Gonzaga Noronha. Ela, sua irmã e seu pai pegaram o ônibus até os hospitais de Santa Maria para ver se o encontravam, já que na noite anterior ele era uma das centenas de pessoas que estavam na boate Kiss quando houve o incêndio que marcou a história do País.

Por volta das 15h daquela tarde, depois de passar pelos hospitais sem encontrar o nome de Odomar nas longas listas de feridos, seguiram rumo ao último local para obter informações sobre as vítimas, o Centro Desportivo Municipal (CDM) da cidade. "Todo mundo que não tinha mais esperança de encontrar seus parentes, descia aquela rua. Eram muitas pessoas em silêncio descendo em direção ao CDM. Era uma descida silenciosa", relembra Vanessa.

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Odomar, então com 27 anos, foi uma das 242 pessoas que morreram na tragédia. Outras 636 ficaram feridas. Desde a última quarta-feira (1°), familiares e sobreviventes acompanham o momento aguardado desde então - o julgamento dos quatro réus que respondem pelo incêndio. "Queremos um pouco de paz, foram oito anos de luta e de perda", desabafa a irmã.

Para Vanessa, foram anos de impotência à espera de uma resposta. "Precisamos disso para acalentar nossos corações, para não deixar que isso torne a acontecer. Podemos ter esperado todo esse tempo, foi doloroso, mas chegamos até aqui", diz.

Para o psiquiatra Vitor Crestani Calegaro, coordenador do ambulatório de Psiquiatria do Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes, em Santa Maria, o julgamento tem um simbolismo muito importante. "Nesse momento as pessoas estão lidando com a expectativa. Quando tivermos o dado concreto, possibilita que a pessoa lide com o fato. Aí podemos entender isso, do ponto de vista individual e coletivo, e entender como serão as próximas páginas deste livro", resume.

Segundo o psiquiatra, que atende aos sobreviventes do incêndio há oito anos, o julgamento tem, também, um aspecto de encerramento de um ciclo. "Essa história da Kiss está sendo escrita no livro autobiográfico de cada pessoa envolvida. Vai ficar na memória individual tanto quanto na memória coletiva. É um acontecimento que vai ficar na história do País", pontua.

Uma cidade em luto

Vanessa havia acabado de ser aprovada para cursar Jornalismo na universidade, mas depois daquele 27 de janeiro preferiu tirar um tempo das notícias: durante nove meses, não assistia TV, não ouvia rádio e nem visitava o centro da cidade, onde ficava a boate. A cidade, em si, também se transformou, segundo Vanessa. "É bem difícil conversar com alguém em Santa Maria que não saiba de uma pessoa que tenha falecido lá", conta. "Tudo mudou. A forma como a gente vê os nossos modos de lazer, a universidade, nada ficou como era antes".

O cotidiano de Santa Maria, que era alegre e repleto de jovens universitários, deu espaço a um clima de luto coletivo. "Depois poucas pessoas saíam à noite, poucas iam se divertir, as pessoas tinham um aspecto triste. Não era só a gente, parecia que toda a população de Santa Maria tinha perdido um familiar", relembra a jornalista.

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