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Familiares se reúnem em frente ao MPPE para protocolar denúncia contra o presídio de Itaquitinga. Foto: Arthur Souza/LeiaJáImagens

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Pernambuco gastou, entre 2016 e 2018, quase R$ 179 milhões com alimentação para manter os 32.781 presos em regime fechado, nas 23 unidades prisionais do estado. Os valores referentes à verba destinada ao fornecimento de alimentos foram obtidos pelo LeiaJá por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Em 2019, até maio, o custo foi de R$ 16.881.184. Apesar da verba para financiar as refeições dos detentos, familiares dos presidiários custodiados em Pernambuco acusam a gestão estadual de maus tratos, principalmente pelas péssimas condições das três refeições servidas diariamente e, muitas vezes, pela insuficiência da comida.

No dia 1º de julho de 2019, um grupo de mulheres com familiares presos em Itaquitinga, unidade prisional localizada na Mata Norte pernambucana inaugurada em junho de 2018, se encontraram no Ministério Público de Pernambuco, no bairro de Santo Antônio, área central do Recife para protocolar denúncias de maus tratos na unidade prisional. Elas foram ao local com uma camisa que estampava o pedido "Não a fome" e redigiram cartas para contar principalmente sobre a condição degradante quando se trata de alimentação em Itaquitinga. 

Marcela* diz que foi reivindicar os direitos do seu esposo. "Não é só o meu marido que sofre, são todos", lamentou. Ela também critica o fato da gestão não preparar uma estrutura para as mulheres aguardarem na frente do presídio. "Se chove, faz sol, não importa. Temos que esperar lá na frente por horas porque eles só abrem as portas quando querem. A escola lá não funciona, não podemos levar nada para eles lerem, nem uma fotografia. Eles não fazem nada o dia inteiro e ainda não podem comer", denunciou.

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Segundo o coordenador da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Olinda e Recife, Lenilson Freitas, a entidade religiosa monitora constantemente doze presídios, masculinos e femininos, no Grande Recife. Semanalmente, a Pastoral realiza visitas e conversa com os detentos. Lenilson aponta que a queixa mais constante é sobre a falta de alimentação com qualidade nas prisões masculinas. 

"Nas femininas até escutamos um pouco dessa reclamação, mas em quantidade menor. O número de mulheres presas é menor. Elas se queixam da comida gordurosa, principalmente as grávidas e as pacientes que precisam de uma alimentação balanceada receitada por um profissional", detalhou Lenilson ao explicar a situação da comida na Colônia Penal Feminina Bom Pastor e na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima. 

O coordenador da Pastoral destaca que os homens, por estarem em uma situação de superlotação grave, denunciam as situações precárias das prisões com muita frequência. Atualmente, são 11.767 lugares nas 23 unidades prisionais, onde estão 32.781 presos em regime fechado. Considerando todos os regimes, são 40.190 detentos. "Escutamos comentários de que além de pouca, a alimentação é ruim. Quando ouvimos essas pessoas, a gente leva essa queixa ao responsável pela cozinha porque cada presídio tem um profissional de nutrição para cuidar e acompanhar esse processo", explicou. 

Itaquitinga e a promessa do modelo nacional de ressocialização

Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Em janeiro de 2019, a unidade I do Centro Integrado de Ressocialização (CIR), em Itaquitinga, foi entregue pelo governo de Pernambuco. A obra foi iniciada em junho de 2010 e estava parada desde 2012. Só foi retomada em 2017 e custou aproximadamente R$ 10 milhões aos cofres da administração estadual. 

A capacidade do local é para abrigar cerca de mil presos no regime fechado. O processo de ocupação da primeira unidade do complexo prisional teve início em junho de 2018 para desafogar as unidades prisionais da Região Metropolitana do Recife.

Na época do lançamento, o secretário de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), Pedro Eurico, classificou a unidade prisional como "modelo a ser seguido". A imprensa visitou o local e foram percorridos diversos setores como saúde, salas de aula, central de videomonitoramento, cozinha, celas e área de convivência coletiva. "A unidade prisional de Itaquitinga é uma das mais modernas do país e deverá ser exemplo de ressocialização para todos os estados da federação”, disse o secretário, na época.

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Ao todo, 22 presos concessionados, do regime semiaberto, são responsáveis pela alimentação dos detentos do CIR, sendo oito trabalhando na padaria e 14 na cozinha. No cardápio divulgado aos jornalistas seriam servidos café da manhã, almoço e jantar com cardápio variado, tendo dias com frango, feijoada, carne bovina e carne moída.

Em junho de 2019, após um ano de funcionamento, Itaquitinga apresenta uma série de problemas, principalmente com a alimentação servida aos presos. De acordo com os familiares, por determinação da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) não é permitido entrar com comida na unidade prisional. Nem mesmo para o visitante. Todos devem comer do que é servido aos presos.

A fome e realidade distante da propaganda estadual

Familiares se reúnem em frente ao MPPE para protocolar denúncia contra o presídio de Itaquitinga. Foto: Arthur Souza/LeiaJáImagens

Feijão azedo, galinha cozinhada com as penas, macarrão estragado, pedras e outros objetos são comumente encontrados na comida, segundo relatos de familiares. Cansados da situação, alguns presidiários do Pavilhão B e C iniciaram uma greve de fome no último dia 24 e 25 de junho. Entre as alegações dos motivos da greve estavam a melhoria da comida que é servida a eles, o aumento das porções, a entrada de crianças para as visitas, a entrada de fotografias e a criação de uma estrutura para que os visitantes possam aguardar sem o risco de ficarem expostos ao sol quente ou a chuva. 

Maria* está apreensiva porque seu marido emagrece a cada dia. Ela conta que o esposo chora todos domingos de visita pedindo por providências. Ele também participava da greve de fome.

Do lado de fora, os familiares sabiam da greve e trocavam mensagens por aplicativo de conversa ansiosos por novidades. Boatos de que quem não comesse iria para o castigo e sofreria represália dos agentes penitenciários assustaram as famílias. Mesmo apavorada, Maria sabia que era necessário tomar uma atitude, mesmo que tenha sido essa a escolhida pelos presos. "Eles não aguentam mais não ter o que comer, só sabe quem passa fome", disse.

No fim da noite do dia 25 de junho, o presídio anunciado como modelo de ressocialização precisou viabilizar um diálogo com defensores dos Direitos Humanos para que os presos voltassem a comer. O próprio Pedro Eurico foi ao presídio acompanhar a situação de perto. A negociação foi coordenada por Wilma Melo, assistente social, especialista em políticas públicas e presidente do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri).

“Ao meu ver, o que está faltando é o estado investir em uma capacitação e melhor elaboração desses alimentos. Os presos denunciaram a qualidade, quantidade e os péssimos horários. O caso de Itaquitinga é a parte porque não há a circulação de outras mercadorias que não as fornecidas pela unidade prisional. As próprias mulheres precisam comer do que é servido no presídio e isso revolta os maridos. Eles até aguentam comer aquilo, mas não querem assistir as famílias a se alimentarem da mesma comida”, relembrou Wilma Melo, em entrevista ao LeiaJá.

Juliana* denunciou à reportagem que há um esquema de benefícios em Itaquitinga. "O diretor dá regalias a presos com mais dinheiro. Muitos têm o direito a bebida, celular e principalmente comida, chocolate e pratos cheios. Já outros presos passam muita fome. As comidas são podres e o prato é quase vazio. O cuscuz é horrível com ovo seco. Não tem outra comida para os presos. A gente já procurou Pedro Eurico e outras autoridades, mas ninguém resolve nada. A Seres falou que ia liberar uma quarta refeição, mas até então nada. Nem a gente pode levar a nossa própria comida porque eles não deixam, como em outros locais. Tem gente que não pode comer comida de porco por motivos de saúde, mas é obrigado a comer. Por isso, detentos e muitas mulheres passam mal, como já aconteceu", descreveu. Ela ainda apontou que o sistema é opressor e que os agentes ameaçam os familiares caso denunciem. 

Um das causas do protesto foi também um atraso da comida, sendo o almoço servido somente às 15h, em um dia de visita. “O preso estava com fome e a família também. Isso cria um estresse e o desejo de resolver a situação a todo custo”, explicou Wilma Melo.

A defensora dos Direitos Humanos alega ainda que é contrária a decisão da Seres de proibir a entrada de comida de fora em Itaquitinga, pelo menos para as famílias que vão visitar. “Não é nada demais as mulheres levarem um lanche, um refrigerante, um pão para passar o domingo. Acho que não é sendo repressivo que vai se resolver a situação”, comentou.

Após dois dias de greve, os presos cederam ao acordo que Wilma posteriormente apresentou à Secretaria de Ressocialização. A principal demanda é a melhoria dos alimentos servidos.

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Afinal, quem cozinha?

Nos presídios de Pernambuco são os detentos que cozinham. Apesar disso, Lenilson Freitas alega que a culpa não é dos presos a falta da comida ou a má qualidade da refeição. Para ele, o responsável deveria ser o nutricionista da unidade. "Quando escutamos o pessoal responsável por fazer a comida, eles alegam que são muitas refeições para serem feitas e não dá tempo de cozinhar tudo", contou o coordenador da Pastoral Carcerária. 

O procedimento feito pela Pastoral é também encaminhar as denúncias ao diretor da unidade prisional, caso os profissionais de nutrição não tomem providencias, que é o corriqueiro. O coordenador da Pastoral destaca ainda que o alimento chega aos presídios com qualidade e o grande problema está no manejo.

"São pessoas preparadas para cozinhar pelo próprio sistema prisional, os presos concessionados. Um dos pontos importantes é a falta de qualificação deles e a falta de tempo para dar conta do serviço. O café da manhã é servido 4h, 5h da manhã. Mas, essas pessoas precisam acordar 3h, ainda de madrugada para deixar tudo pronto", alertou.

Por isso, nas prisões, os detentos montam fogões improvisados com tijolos e panelas para assar e cozinhar seus próprios alimentos ou uma galinha que é servida crua, por exemplo.

É o que justifica Carla* ao levar alimentos para que o esposo prepare dentro da Penitenciária Professor Barreto Campelo (PPBC). Ela conta que lá o almoço é servido a partir das 10 horas e o jantar por volta das 16h. Após a janta, os presos só podem comer no outro dia. "Eu trago a feira semanal do meu esposo porque ninguém deveria comer essa lavagem. Sei que é pecado falar assim da comida, mas é porque não é humano. O café da manhã com um pão seco e meio copo de café não sustenta ninguém", criticou a mulher. 

Para Lenilson Freitas, é errado a família precisar gastar dinheiro semanalmente para levar comida aos seus familiares, já que eles estão sob responsabilidade do Estado. Ele avalia, no entanto, que a prática cresceu na região porque houve um corte na verba para alimentação nos presídios de Pernambuco. 

Em conversa com a reportagem, o coordenador da Pastoral informou a redução foi de 17% da verba. "A gente tem escutado das pessoas que estão presas, dos agentes penitenciários e de pessoas da diretoria. Ninguém deixa claro os motivos desse corte. Mas as pessoas de dentro nos falam e dificilmente a diretoria vai admitir isso em público. É o momento da gente questionar as razões para a redução e por que a família precisa levar comida para seus familiares presos”, destacou. 

Todo domingo uma feira semanal

Familiares aguardam na fila para entrar no Cotel em dia de visita. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O domingo ainda está escuro e os ponteiros do relógio se aproximam das cinco da manhã. Mulheres descem dos ônibus e das kombis e se juntam a outras que já estavam no local. A fila em frente ao Centro de Observação e Triagem Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, começa a ganhar forma. São milhares de esposas, irmãs e mães se espremendo para manter a sequência da ordem de chegada. 

Com elas, grandes sacolas e mochilas visivelmente pesadas. Nas bolsas de plásticos estão os alimentos trazidos para seus parentes passarem a semana. Carne de charque, feijão, fubá, arroz e bolacha são os principais itens que em algumas horas serão entregues aos detentos. A regra do Cotel é de até oito quilos de mercadoria por detento. Mais do que isso não passa pela vistoria e o visitante é obrigado a deixar do lado de fora ou desistir de entrar na prisão.

A prática de levar comida, lanches e refeições prontas aos presídios de Pernambuco se tornou comum nos dias de visita. O filho de Mariana*, nome fictício, está preso há um ano por homicídio. Ela precisa desembolsar ao menos R$ 400 por mês para comprar os mantimentos e levar todo domingo ao Cotel. “A comida nunca foi boa, a realidade é essa. Mas parece que tem piorado e muito. É crua e ninguém gosta de comer, nem mesmo os presos”, relatou a entrevistada, ao se referir a “boia”, termo utilizado pelos presos para a refeição. Mariana também faz cocada e leva para seu marido revender entre os presos. 

A regra do Cotel é de até oito quilos de mercadoria por detento. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Carolina* também aguarda para entrar no Cotel, onde seu marido está há três meses. Ela alega que as mulheres precisam levar a feira semanal porque mesmo sendo obrigação da diretoria fornecer alimentação aos presos, a realidade é dura e bem distante disso. “Acho que eles são seres humanos e já estão pagando pelo que fizeram. O diretor daqui trata esses homens pior do que bicho quando dão para eles lavagem para comer. E muitas vezes o pão de café da manhã é servido pela metade com um copo de café. Eles passam fome e isso não vai ressocializar ninguém, pelo contrário”, lamentou. 

O LeiaJá também conversou com familiares dos presos que estão no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), na Ilha de Itamaracá, Litoral Norte de Pernambuco. A situação é semelhante ao que encontramos no Cotel. Maus tratos e comida em poucas quantidades. A situação por lá é ainda pior porque os presos sofrem com problemas psicológicos e muitas vezes têm sua fala desacreditada pela direção da unidade prisional. 

Dois lados da mesma moeda

Nas visitas semanais, a Pastoral também constatou que são dois tipos de comida servida nas prisões. Um para os presos e outro para os trabalhadores, os policiais, agentes e a diretoria. Ele alega que o acompanhamento é feito pelos mesmos nutricionistas e o preparo é feito com os mesmo produtos. 

“O que muda é a equipe de trabalho dos ranchos, as cozinhas. Eles dizem que a diferença é evidente porque são menos pessoas para comer e o tempo é diferente. Mas a cozinha de lá é industrial, com panelas enormes. Não há justificativa para essa disparidade entre os dois pratos servidos”, reclama Lenilson Freitas.

 Ele detalha ainda que no Centro de Reeducação da Polícia Militar (Creed), em Abreu e Lima, prisão destinada aos policiais, não há reclamação da comida. “Eles têm celas organizadas, comida boa de qualidade. A gente sabe que é diferente, mas também são presos custodiados pelo Estado. A lei é para todos e não entendo os motivos dos presos comuns passarem por essa situação. Atualmente são 86 PMs presos e a capacidade é para 120.

Ao lado esquerdo uma fotografia da cozinha do Barreto Campelo. As duas imagens do lado direito são de celas do Cotel. Fotos: TCE/PE

Em 2017, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco divulgou um documento de avaliação do sistema prisional da região. A documentação indica os problemas encontrados nos presídios visitados. A alimentação, no entanto, não é citada como fator problemático. 

"A auditoria constatou problemas, tais como: a) não implementação da separação de presos nas unidades prisionais; b) superlotação das unidades prisionais; c) precariedade/inadequação da infraestrutura das unidades prisionais visitadas; d) quantidade insuficiente de agentes penitenciários; e) deficiência na assistência jurídica prestada nas unidades prisionais; f) guaritas desativadas por falta de policiais militares; g) baixo alcance de atividades laborterápicas nas unidades prisionais; h) baixo alcance de cursos profissionalizantes nas unidades; e i) baixo alcance da oferta de emprego e de cursos profissionalizantes para o público-alvo do Patronato", trecho retirado do documento do TCE.

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"Não há como ressocializar uma pessoa se ela não tem o básico, que é uma comida manipulada adequadamente", aponta Wilma Melo

Em relação à legislação federal, a Lei de Execução Penal – LEP (Lei Federaln° 7.210/84) estabelece em seu artigo 3º que “ao condenado e ao internado serãoassegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Outros dispositivos a serem ressaltados são os artigos 10 a 27 que relacionam o dever do Estado de prestar ao preso às assistências material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

No artigo 28 da referida lei é abordado o trabalho do condenado como “dever sociale condição da dignidade humana” e tendo dupla finalidade, educativa e produtiva. Mais adiante, nos artigos 40 e 41 são elencados os deveres do reeducando e, no artigo 41, os seus direitos, como alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena.

De acordo com Wilma Melo, o investimento no sistema prisional é pouco e a política de encarceramento é ferrenha. “Mesmo que sejam contratados nutricionistas, a gente percebe que os cardápios não são equilibrados. Muitas vezes é servido cuscuz com salsicha, pão com salsicha, feijão com salsicha. Será que isso é uma comida adequada? Será que não está faltando uma qualificação para estes detentos ou um acompanhamentos mais de perto para entender a qualidade do que é servido?”, questiona a pesquisadora. 

Para ela, as denúncias são poucas porque se comprometer com o sistema é difícil, tanto para os presidiários, quanto para a família. O medo de represália é constante. “Além de escutar dos presos, eu mesma já presenciei comida estragada sendo servida. Certa vez foi um feijoada podre. É uma série de problemas dentro do sistema penitenciários que envolve também alimentação. Não há como ressocializar uma pessoa se ela não tem o básico, que é uma comida manipulada adequadamente”, complementa. 

O desvio dos alimentos e os donos das cantinas privadas

A alimentação está entre as reclamações mais constante e uma das principais causas de rebeliões dentro de um sistema penitenciário de Pernambuco. Wilma considera tanto a má qualidade do que é servido, quanto a falta de comida uma violação dos direitos mais básicos, garantido na Constituição do Brasil. 

Art. 6° - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Constituição Federal, 1988, p. 20)

Mas, nas cadeias, o fornecimento de alimentos é tratado não como um direito humano, mas como um favor. É o que pensa Maurílio*, preso há dez anos. Ele conhece bem a realidade das prisões pernambucanas. Tinha uma vida estável até cometer o primeiro crime. Dentro da prisão, cometeu outros. Passou por diversos presídios e a constatação é simples. Para ele, é um sistema falido e uma fábrica do crime. 



Maurílio destaca que muitos presos não denunciam a situação e os maus tratos do cárcere porque se beneficiam dele. Ele cita as cantinas dentro da grande parte das unidades prisionais de Pernambuco. 

De acordo com Wilma Melo, a Lei de Execução Penal prevê a existência de uma cantina para materiais alimentícios não fornecidos pelo estado. Mas, a comida básica, a gestão tem obrigação de fornecer e por isso não faz sentido essa alimentação ser vendida dentro das prisões

As cantinas são muitas vezes assumidas por presos mais influentes, por agentes do sistema prisional e até por membros diretoria, que manipulam os preços por uma tabela que não obedece a qualquer lógica de mercado. 

Maurílio denuncia que há o desvio dos alimentos que chegam aos presídios para as cantinas, que são 'privadas'. "Se você for em todas as unidades prisionais, vai encontrar dentro do rancho, onde são guardadas as comidas, os materiais. Se for ao lado na cantina, será o mesmo do que é servido no refeitório. São os mesmo produtos desviados de formam irregular para serem vendidos com um preparo muito melhor", afirma. 

Ele contou ainda que no Cotel, por exemplo, os donos da cantina são os presos e rendem cerca de R$ 15 mil semanal. "Eles vendem almoço, café e janta. Esse dinheiro é repartido também com pessoas da diretoria. É por isso que há o interesse na má qualidade do que é servido no refeitório porque para eles é interessante que a gente que tá preso, compre, é rentável", dispara. Maurílio contou que um almoço na cantina custa em torno de R$ 15.

"Além desse desvio para a cantina particular, os próprios agentes penitenciários roubam os alimentos que chegam da Ceasa e revendem. A prática é muito conhecida dentro das prisões. Mas ninguém fala porque muitos têm medo e outros fazem disso um comércio", apontou. 

Lenilson Freitas declara que a injustiça é sentida na pele. Ele aponta que deveriam fiscalizar o sistema prisional o promotor de Justiça, o juiz da execução penal, o MPPE, a Defensoria Pública, o patronato e outros órgãos. Mas para ele, nada funciona. “ Eles deveriam fiscalizar, mas quando vão visitar os presos, comem no restaurante dos funcionários e por isso não sabem a realidade dessa comunidade.”

Ele não concorda com o dito “bandido bom é bandido morto”. “As pessoas acham que os presos têm que morrer de fome, mas essa é a mentalidade de uma sociedade injusta e vingativa. O estado precisa cuidar dessas pessoas, eles são humanos. Quem mantém os presos lá somos nós e nossos impostos. Temos que exigir da gestão o cumprimento do papel social dele. Se a comida chega ao presídios, tem que ter qualidade. Cadê a Comissão de Direitos Humanos, não questionam isso na Alepe?”, critica. 

Para Wilma Melo, é preciso mais efetividade para solucionar essas questões. “O Estado encarcera, coloca esses corpos presos e não oferece estrutura alguma. Quem sofre as consequências disso é a sociedade. Porque os valores humanos dão lugar aos da resistência ao aprendizado por parte dos presos, e nesse sentido, isso gera violência”, alertou.

A especialista em políticas pública aponta ainda que não se deve olhar a prisão só como um local para punir os corpos. “É algo jurídico, ele vai cumprir uma pena, há uma legislação para ser seguida. Isso não quer dizer que essa pena ultrapasse o limite e passe a provocar o sofrimento intenso ou maus tratos. 

A lógica é simples, na visão dela. Quanto mais penalizar sem o tratamento de ressocialização, mais a violência aumenta. “Essa ideia de punitivismo e encarceramento em massa não é só local, é algo maior, é nacional. O Brasil precisa mudar isso urgente”, analisou.

O que diz o poder público

Pedro Eurico, secretario de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco ao lado de Nickson Monteiro, diretor do Presídio de Itaquitinga. Foto: Chixo Peixoto/LeiaJáImagens

A reportagem procurou o Ministério Público de Pernambuco para questionar se o órgão tem conhecimento da situação carcerária em Pernambuco, no que tange à alimentação. Por meio de nota, o órgão informou que tramita na 8ª Promotoria de Justiça de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos um inquérito civil, o qual versa sobre a qualidade dos alimentos fornecidos às reeducandas da Colônia Penal Feminina do Recife (Bom Pastor).

O MPPE também explicou que há um Procedimento Administrativo instaurado "com o objetivo de acompanhar e fiscalizar, de forma continuada a política prisional no Complexo Penitenciário do Curado, em específico, as medidas implementadas pela Secretaria de Ressocialização para proteger a vida, a dignidade e a integridade pessoal das pessoas presas", diz um trecho da nota. 

Ainda de acordo com o órgão estadual, todas as instituições que fazem parte do Pacto Pela Vida, inclusive o MPPE, acompanharam diretamente a questão da alimentação no Presídio de Itaquitinga. "A unidade, hoje, serve como modelo a ser adotado pelas demais, que deverão se adequar ao padrão adotado naquele município", em outro trecho da resposta. 

A Secretaria Executiva de Ressocialização explicou que o fornecimento de alimentação no Sistema Prisional é feito através de um Contrato de Gestão com a Ceasa, desde 2015, por meio da implantação do Programa de Alimentação Prisional do Estado de Pernambuco.

"O recebimento dos gêneros nas unidades é realizado por 17 nutricionistas e 23 estoquistas do Centro de Abastecimento e acompanhado por um funcionário da Seres, que faz a verificação quantitativa e qualitativa. Diariamente são servidas três refeições: café da manhã, almoço e jantar. Entre os itens estão: cuscuz com leite de coco, mungunzá, inhame, macaxeira, batata-doce, pão, frango, carne bovina, carne moída, feijoada e sopas. Com relação às denúncias sobre a alimentação nos presídios, não recebemos nada oficialmente, não há registros na Ouvidoria da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) e nem da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres)", diz a nota oficial enviada pelo órgão. 

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados

O Ministério do Trabalho resgatou quatro trabalhadores indígenas de uma fazenda em Criciúma, em Santa Catarina, onde eles eram mantidos em condições análogas à escravidão. Contratados para a colheita de frutas, os trabalhadores não recebiam o salário combinado, estavam em situação trabalhista irregular e eram mantidos em condições degradantes. 

De acordo com o ministério, os trabalhadores foram atraídos para a fazenda pela proposta de receber diárias de R$ 80, mas receberam apenas alimentação de baixa qualidade e em quantidade insuficiente. As instalações sanitárias do local eram inadequadas e foram encontradas fezes de rato próximo ao local de preparação da comida. 

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Os empregados não tinham as Carteiras de Trabalho assinadas pelo empregador e não foram submetidos aos exames médicos exigidos pela lei. O empregador também não forneceu os documentos relativos ao contrato de trabalho.

Os trabalhadores foram retirados do local e receberam guias de encaminhamento para receber o seguro desemprego especial para trabalhadores resgatados, que é de um salário mínimo durante três meses. O empregador foi notificado para regularizar a situação com o pagamento dos valores devidos pelos serviços prestados e pela rescisão dos contratos. Ele também foi multado e poderá responder criminalmente e pode pegar uma pena de dois a oito anos de prisão.

“Continuaremos empenhados em garantir a dignidade, a segurança e o salário justo para o trabalhador”, afirmou o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. “Persistiremos em nossos esforços de combate a essa prática nefasta, que é um atentado contra a dignidade humana”, complementou.

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