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O Brasil é o segundo país que mais tempo gasta ‘surfando’ nas redes sociais. Segundo pesquisa feita pela empresa GlobalWebIndex, os brasileiros gastaram, em média, cinco horas em aplicativos como WhatsApp e Facebook no ano de 2020. E esses números tendem a crescer, sobretudo diante do atual contexto pandêmico que tem feito - ou deveria pelo menos - boa parte da população manter-se confinada dentro de casa. 

Dentro desse uso, está o consumo de imagens e fotografias de todos os tipos e origens que são curtidas, salvas e até compartilhadas de forma indiscriminada. A internet pode mesmo parecer uma grande biblioteca pública de fotos, porém, para chegar até ali, esses arquivos ‘jpg’ percorrem um caminho e ele começa no autor dessa obra: o fotógrafo. 

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A pessoa que produz uma fotografia, sendo profissional da área ou não, é entendida como o autor da imagem, logo, o proprietário intelectual daquela produção. No Brasil, as obras fotográficas são protegidas pela Lei Federal n.º 9.610/98, a Lei de Direitos Autorais, que prevê algumas penalidades para aqueles que fizerem uso indevido desses trabalhos. No entanto, a dificuldade de controlar o tráfego de informações na rede mundial e o desconhecimento da legislação, por parte do público e muitas vezes até do próprio fotógrafo, tem causado bastante aborrecimento além de prejuízos financeiros, especialmente aos profissionais da imagem.  

‘Se tá na internet, pode usar’

Atualmente, a maior vitrine para o trabalho de um fotógrafo, se não a principal, é a internet. E é nesse ambiente que parte desses profissionais acaba sendo lesada pelo uso indevido de suas obras. Um caso ocorrido no Recife, recentemente, envolvendo um fotojornalista e uma página de humor do Instagram, aqueceu o debate sobre direitos autorais entre a classe e originou diversas postagens sobre o tema. 

Ao ver uma foto sua virar meme no perfil humorístico, o profissional entrou em contato com os administradores da @ para reclamar seus direitos de autoria. Ignorado em seu apelo, o fotojornalista desabafou em seu perfil pessoal, frisando a importância do respeito à autoria das fotografias encontradas na internet. Sua reação, no entanto, acabou lhe rendendo comentários desrespeitosos e, além de ter um de seus trabalhos usado e alterado sem a devida autorização, ele acabou virando alvo de ‘haters’. Em alguns desses comentários, era possível encontrar vários seguidores dizendo o mesmo: “Se tá na internet, pode usar”.

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A frase quase de efeito é rebatida por um outro profissional da imagem, que há cerca de 14 anos lida constantemente com esse tipo de problema. Roberto Carlos (nome fictício criado para proteger a identidade da fonte), é repórter fotográfico com passagens em diversas agências de notícias e veículos de imprensa. Em entrevista ao LeiaJá, ele coloca que a sensação de se deparar com um trabalho próprio utilizado por terceiros, sem os devidos créditos e sem uma autorização prévia, é de “impotência”. 

No início de 2021, ele passou por mais uma situação do tipo, ao ver uma de suas fotos transformada em desenho por um tatuador, sem sua autorização. A tentativa de acordo entre as partes, para o uso da imagem da maneira correta, virou um entrave e Roberto precisou pedir a ajuda de um advogado. “(O tatuador) é um cara que é famoso, premiado, que fica dando discurso de processo criativo na internet. Quando você soma isso tudo, você vê que precisa fazer alguma coisa porque é um cara que sabe o que tá fazendo, ele vive de arte, não dá pra deixar passar em branco”.

Enquanto tenta resolver o problema, mais um do tipo, Roberto segue buscando uma “fórmula” para resguardar o seu trabalho e evitar prejuízos morais e até mesmo financeiros. Até lá, continua contando com o “bom senso” de quem navega pelas redes sociais. “A gente tem que estar na internet e a gente tem também que saber lidar com as pessoas, porque quando você reclama a pessoa diz: ‘a foto tá na internet, peguei no Google’. O Google não tem um fotógrafo que vai pra rua fazer foto, não existe ‘foto do Google’.  A luta é deixar isso claro pra todo mundo. É preciso botar os créditos (nas fotos); blogueiros, atores, empresas, todo mundo. A internet não é terra de ninguém”. 

Direitos Autorais

No Brasil, as obras audiovisuais e fotográficas são protegidas pela Lei Federal n.º 9.610/98, a Lei de Direitos Autorais, que normatiza que os direitos morais e patrimoniais de imagens ou vídeos pertencem exclusivamente a seu autor, ou seja, a pessoa física criadora da obra. Sendo assim, a utilização, publicação ou reprodução de tais obras sem a devida autorização e sem a discrminiação de seus créditos implica em violação desses direitos, portanto passível de penalidades, seja em ambiente virtual ou até mesmo fora dele. 

A advogada especializada no segmento, Cristina Baum, falou sobre tais penalidades em caso de uso indevido de fotografias. “O Código Civil nos aponta que podemos entrar com uma ação indenizatória -  a gente comprova que a autoria da obra é do fotógrafo, junta documentos do arquivo original da foto mostrando ao juiz que aquela obra pertence ao fotógrafo; e comprovada essa parte, a gente pede uma indenização”, disse em entrevista ao LeiaJá. 

"As pessoas têm a sensação de que como aquilo tá na internet aquilo é de domínio público. E na verdade, não é". Cristina Baum, advogada especialista em Direitos Autorais. Foto: Cortesia 

A jurista explicou ainda que a determinação do valor indenizatório leva em conta diversos fatores, como o valor de uma diária do profissional ou o valor de suas horas de trabalho. “A jurisprudência também nos aponta vários valores dependendo de como foi utilizada a foto, se a pessoa teve algum lucro em cima da obra, por exemplo, existem várias maneiras de fazer esse cálculo”. Segundo ela, a lei resguarda o compartilhamento de imagens para fins educacionais.

Sobre os memes, criados geralmente com teor humorístico e que acabam viralizando, a advogada afirma que o “correto é não alterar uma obra em hipótese alguma”, porém, no que diz respeito a essa categoria, o tema é ainda bastante “controvertido”. “A lei até protege os autores das obras fotográficas em relação a memes, porém tem que ser comprovado que houve o uso indevido da imagem e que a pessoa vem obtendo lucro em cima daquele meme. A legislação de direitos autorais autoriza as pessoas e artistas a criarem obras derivadas, que seriam esses memes, entretanto, elas precisam de autorização de quem é detentor da obra originária. Essas obras derivadas podem ser comercializadas depois da devida autorização porque elas também se tornam uma obra original”

Para os profissionais de imagem, Cristina aconselha o uso de marcas d’água, que registram na própria imagem sua autoria, e o envio de uma notificação extrajudicial em caso de utilização indevida. A nota deve esclarecer que “aquele uso não está autorizado e que a pessoa vem ferindo os direitos patrimoniais e morais do autor, pelo trabalho que envolve muitos custos, muito esforço intelectual, horas de dedicação e estudo”. “Colocar que a foto tem direitos autorais é muito importante porque as pessoas têm a sensação de que como aquilo tá na internet, aquilo é de domínio público. E na verdade não é. O fato de estar na internet é porque a pessoa está expondo o seu trabalho, expondo a sua arte”, afirma a advogada.

‘Crédito não é favor’ 

Compartilhar imagens na internet não precisa virar caso de Justiça. Com alguns cuidados, atenção e bom senso, é possível para fotógrafos e internautas conviverem de forma pacífica, fazendo o melhor uso possível das redes sociais. Társio Alves, fotojornalista e professor de fotografia em instituições como o Senac e Escola Pernambucana de Fotografia, costuma abordar sempre o tema em sala de aula, para que os futuros profissionais já saiam para o mercado sabendo como proceder. “As fotos que estão na internet, todas têm propriedade intelectual, inclusive é uma propriedade inalienável. Quando você pega uma imagem dessa você tem que citar a fonte e com certeza o crédito do autor, é o mínimo necessário”, explica.

O professor também indica o preenchimento dos metadados nas imagens, informações que vão agregadas ao arquivo e que indicam desde o equipamento com o qual a foto foi feita até a data e horário da captura, além do nome de seu autor. Esses dados podem ser acessados com um simples clique no botão direito do mouse. Sobre a marca d’água, um outro mecanismo bastante utilizado, Társio afirma que a estratégia pode não garantir tanta segurança assim. “As pessoas podem facilmente apagar essa marca d'água ou criar um recorte simples na imagem. Não dá segurança, além disso, essa marca muitas vezes vai poluir a imagem de alguma forma. Ao meu ver, não vale a pena, o que vale é a gente estar resguardado sob a Lei de Direito Autoral”.

"Deixar claro: colocar o crédito não é troca, é obrigação". Társio Alves, fotojornalista e professor de fotografia. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Ele reforça ainda a importância da classe manter-se unida no sentido de fazer valer a Lei 9.610/98, uma legislação que, com pouco mais de 20 anos, ainda é considerada relativamente nova. "Muitos fotógrafos acabam abrindo mão desses direitos, o que eu considero um erro. Acho que a classe como um todo precisa estar unida, informado de forma salutar às pessoas e seus clientes, que as fotos devem ser publicadas com o crédito do fotógrafo. Se nós somos profissionais da área de fotografia e nós mesmos não valorizamos esse direito, então quem é que vai valorizar? É fazer com que esse direito seja cumprido para diminuir os problemas que acontecem”. 

Do outro lado do ‘jpg’, da parte de quem clica e compartilha, também é preciso ter alguns cuidados. Tanto para respeitar o trabalho alheio quanto para se proteger de eventuais processos judiciais, sobretudo quando esse uso implica em retorno financeiro. “Quando você usa a imagem de alguém e ganha dinheiro com essa imagem, você está se apropriando de um bem que não é seu e gera prejuízo ao fotógrafo”, ressalta Alves.

Társio orienta também que antes de compartilhar é interessante entrar em contato com o profissional de imagem pedindo uma autorização. Além disso, creditar a fotografia é fundamental, citando também o local de origem da obra. “A citação seria a mesma de quem usa um texto. Pegando aí a regra da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), se você citar um texto, tem que citar a fonte e o autor. Entendendo que qualquer imagem tem uma propriedade intelectual, existe uma autoria, pedir essa licença é um ato muito importante. E deixar claro, colocar o crédito não é troca, é obrigação”. 


 

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