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A pandemia de Covid-19 forçou as pessoas a ficarem em casa e empresas a fecharem as portas por todo o mundo para proteger a saúde da população, uma vez que ainda não se conhecem nenhuma vacina ou tratamento eficaz para a doença. O isolamento social é, de acordo com as autoridades de saúde, o único meio eficiente de reduzir o número de contágios.

Com a redução do faturamento e sem reservas ou auxílio suficiente para se manter durante esse período, muitas empresas têm fechado ou demitido funcionários. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que faz parte da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 30 milhões de postos de trabalho fecharam ainda no primeiro trimestre de 2020, no mundo inteiro, devido ao Sars-Cov-2. No Brasil, a realidade não é diferente.

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Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) prevê que o desemprego chegue a 17,8% em 2020. A auxiliar em saúde bucal Maria joelma Alves Barboza de Souza, de 37 anos, foi demitida no dia 17 de março após três anos trabalhando em um consultório. “Não foi impactante porque era esperado para a situação que estávamos vivendo, dependemos dos lucros do consultório e ele foi fechado. O dono chamou na sala, explicou a situação e aceitei, não há o que fazer, entendi a situação dele em não poder custear os gastos. Estamos todos esperando uma onda de boas notícias; estamos nos encorajando porque a esperança nos fortalece”, diz.

Situação semelhante é enfrentada por Kaline Batista de Lima, de 28 anos, que trabalhava há 3 meses como correspondente bancária em uma pequena empresa recém-aberta. Inicialmente, os trabalhadores foram enviados para home office, porém, duas semanas depois, as demissões foram comunicadas. “Aqui na minha família, menos mal que só eu perdi o emprego, mas mesmo assim a gente está dependendo quase que praticamente do salário da minha irmã e a empresa já ameaçou fazer cortes em salários e no quadro de funcionários. O sentimento de desamparo, impotência, uma incerteza grande demais do que vai acontecer daqui para a frente. O governo muito provavelmente vai cuidar primeiro dos empresários prejudicados, para só então o proletário ter chance de algo”, afirma.

Por que a divulgação parou?

Uma pergunta muito importante e pertinente de ser respondida pelas autoridades nesse momento é a seguinte: Quantas pessoas perderam o emprego por causa do novo coronavírus? No Brasil, até então, não há resposta oficial. Desde janeiro de 2020, o Governo Federal não divulga dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que é um registro permanente de admissões e dispensa de empregados, publicado mensalmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

De acordo com uma nota oficial à imprensa divulgada no dia 30 de março, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia afirma que “a falta de prestação das informações sobre admissões e demissões por parte das empresas” inviabilizou a consolidação dos dados do Caged, e que “na presença de subdeclaração, podem comprometer a qualidade do monitoramento do mercado de trabalho brasileiro”.

Assim, o Ministério da Economia declara que a suspensão da divulgação dos dados foi decidida “no intuito de não comprometer o uso, o rigor metodológico e a qualidade dos dados do Caged” e também que “tem entrado em contato com as empresas para que retifiquem e reenviem os dados e tem expedido comunicados no portal do eSocial a fim de reforçar a importância do preenchimento das informações”.

O único dado oficial disponível sobre desemprego atualmente é fornecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através da medição da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, que não registra apenas trimestres usuais, mas também períodos móveis, como fevereiro, março e abril, ou março, abril e maio. A última taxa divulgada pelo Instituto apontava para um desemprego em ascensão de 11,6% no trimestre encerrado em fevereiro, atingindo 12,3 milhões de trabalhadores.

Há, segundo especialistas, outra razão além das dificuldades enfrentadas pelas empresas devido ao novo coronavírus para que o Caged não esteja sendo divulgado. De acordo com o professor do departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sidartha Soria e Silva, que também é coordenador do Observatório do Mercado de Trabalho da UFPE, uma das razões é a migração de diversas bases de dados do governo para o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), a fim de unificá-las. “Desde 2018, no âmbito do Ministério da Saúde, trabalho, previdência, trabalho e assistência social, estava rolando uma conversa de unificar as bases de dados, estavam promovendo um processo de transição para o eSocial. Começou a gerar problema no fluxo dos dados ao longo do ano passado e como esse processo estava dificultado, os técnicos tiveram que ir resolver esse quebra-cabeça. Com a pandemia, você começa a ter fechamento de escritórios de contabilidade que faziam esse processo de prestação dos registros das empresas que entram no parafuso”, explica o professor.

Os Observatórios do Mercado de Trabalho têm como objetivo realizar monitoramentos, com apoio do Ministério do Trabalho, gerando estudos, análises de dados e pesquisas aplicadas sobre o mercado para as superintendências regionais do trabalho de cada estado, além de atender a outros órgãos - que encomendem estudos  -e à imprensa. Para o professor Sidartha, que coordena o observatório da UFPE, não é possível realizar estudos e análises sem dados oficiais consolidados e existe um terceiro fator que causa o apagão de dados oficiais sobre o desemprego na pandemia de Covid-19: a falta de interesse do governo em sua publicidade. “Não é novidade que eles não têm apreço pela ciência e estudo das questões que pautam a esfera pública. Os observatórios foram sofrendo ao longo dos anos porque começou com o Temer e piorou com Bolsonaro. Para mim, está claro que não é prioridade do governo ter dados disponíveis para população o mais rápido possível, porque você mostraria o número de demissão e isso obviamente para esse governo seria muito ruim. Porque permite que ele possa inventar narrativas em redes sociais se eximindo de governar. Se você não sabe o que está acontecendo, pode dizer qualquer coisa, isso é o maior problema de estar voando às cegas sem informação sobre o que está acontecendo com o emprego”, afirma o coordenador do Observatório da UFPE.

As consequências do apagão de dados oficiais sobre mercado de trabalho são as mais diversas possíveis e vão desde a dificuldade de elaboração de políticas públicas para geração de trabalho e renda até a fuga de investidores estrangeiros do país. “Se o gestor sabe onde os empregos somem mais, pode fazer uma política mais localizada. A gente não tem como fazer nada disso. Se nós não temos como dizer, além de ver a olho nu os comércios fechando e a geração ruim de vagas, como o governo vai pensar em geração de emprego e renda se não sabe como vai o mercado de trabalho? Como vai pensar economia, como vai administrar a economia? É grave no ponto de investimentos. Que investidor estrangeiro vai colocar dinheiro no Brasil sem saber o que está acontecendo aqui? Seria assinar um cheque em branco, eles não vão fazer isso. O governo não consegue planejar políticas de emprego e renda, o investidor privado não consegue planejar política de negócio sem dados”, diz o professor Sidartha.

O professor de economia da UFPE e consultor de empresas Ecio Costa considera importante a divulgação dos dados oficiais de empregabilidade para que se tenha uma real dimensão do cenário de emprego no país durante a pandemia, além de destacar outra consequência danosa causada pela falta da divulgação dessas informações: dificuldades na retomada econômica. “No período de retomada econômica após a pandemia, se você não tem o número de desempregados sendo informado, você também vai ter dificuldades para poder fazer políticas de recolocação das pessoas no mercado de trabalho. Aquela modalidade de carteira de trabalho verde amarelo, modalidade de contrato, quando você tem uma taxa de desemprego muito alta e ela é apresentada à sociedade, uma política como essa provavelmente mais facilmente seria aprovada a nível de congresso se você tivesse uma informação como essa”, afirma o especialista.

A impossibilidade de monitoramento da efetividade das medidas adotadas pelo governo para tentar retomar os empregos também fica prejudicada, na visão do professor, uma vez que a sociedade não tem acesso aos dados de emprego e desemprego. “Como que a gente vai saber se a política está sendo eficaz, se ela está sendo utilizada realmente, quais os resultados para manutenção dos empregos? O governo anunciou que até o momento foram mantidos 4,6 milhões de empregos através dessa política, mas a gente não vê os dados sendo publicados para afirmar isso”, aponta o professor.

Ele também indica uma dificuldade para estruturar e mensurar programas sociais diante do desconhecimento não apenas da empregabilidade, mas consequentemente do nível de renda da população e de sua disposição ao consumo. “À medida que você tem uma queda no emprego, a renda disponível para o consumo também cai, então quando você não mede essa taxa de desemprego, você não sabe como a renda disponível para consumo vai estar funcionando, como vai estar disponível e qual o montante dela. Além disso, os programas sociais ficam difíceis de serem mensurados, porque você não tem a informação oficial sendo apresentada”, afirma Ecio.

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