Tópicos | Érica Ferrer

Dani Calabresa, Bruna Louise, Carol Zoccoli e Tatá Werneck são humoristas que certamente você já viu na internet ou na televisão. Elas vieram a reboque de grandes nomes do humor nacional, como Dercy Gonçalves, Zezé de Macedo e Nair Bello, algumas das pioneiras no desbravamento de um cenário antes dominado exclusivamente pelos  homens e machismo nosso de cada dia.

Assim como essas humoristas de nomes já reconhecidos e carreiras consolidadas, outras tantas estão na luta para fomentar e solidificar um cenário mais equânime para as profissionais da área no país. Sobretudo no Nordeste, onde o movimento do stand up comedy começa ver surgir várias meninas dispostas a encarar esse desafio e, claro, fazer o público rir muito. 

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Até bem pouco tempo, a paraibana Josi Dionísio era uma das poucas mulheres do stand up no Nordeste. Na Paraíba, continua sendo a única. Ela própria demorou a iniciar a carreira por medo de se jogar em um espaço onde, até então, só via homens, ainda que esses a encorajassem a tentar. “Eu ia a muitos shows e sempre que eu ia assistir eram homens. Eu ficava: ‘vocês querem que eu faça, mas eu chego aqui e só tem homem, eu não me encontro aqui”, diz em entrevista ao LeiaJá. 

Josi é a única mulher a fazer stand up na Paraíba. Foto: Divulgação

Porém, a despeito da insegurança e temor de Josi, a vontade de subir ao palco a estimulou a buscar meios de fazê-lo. Pela internet, ela começou a descobrir outras meninas, ao redor do país, que já se aventuravam no meio e ver suas iguais se lançando naqueles espaços a encorajou. Tanto que, em sua estreia, além do nervosismo e do medo, a humorista enfrentou até mesmo a “bunda da Anitta”, que no mesmo dia se apresentava em um festival na cidade. “Foi um pouco injusto. Lá tinha bebida, dança, a Anitta balançando a raba e no nosso show só tinha meus amigos feios e eu, a única mulher. Só tinha os patrocinadores no show e o dono do bar, foi bem difícil, mas eu gostei”.

Gostou tanto que não desceu mais do palco e já se vão dois anos de carreira. Nesse tempo, Josi estreitou os laços com outras humoristas, abriu shows para a catarinense Giovana Fagundes que, segundo ela, “faz questão de ter mulheres” abrindo suas apresentações, e vem encorajando outras meninas a entrarem na profissão. Algo, talvez, tão desafiador quanto começar de fato. “ (Quando) chega uma menina, ela vai fazer a primeira apresentação e naturalmente vai ser ruim, que nem a minha que competi com a Anitta, você tem que persistir e continuar. Mas geralmente, as meninas se assustam e vão embora. Toda vez eu perco uma amiga e eu não gosto de despedidas”, diz a paraibana. 

Com dois anos de carreira, Josi tem feito parte de uma rede de apoio de mulheres comediantes. Foto: Divulgação

Outra humorista que encontrou conforto ‘se vendo’ no palco através de outra mulher foi a pernambucana Michele Félix. Estudante de teatro, ela conta que sempre se identificou com a comédia, mas a falta de representatividade a impedia de se jogar no stand up. Após frequentar alguns shows no Recife, ela assistiu a uma apresentação de Andy Rodrigues que abriu um horizonte de novas possibilidades para ela. “Quando você não vê uma outra mulher em cena, você se sente um pouco acuada: ‘será que é pra mim?’.É tanto homem, né? E de certa forma acaba criando uma barreira para as meninas. Dentro do stand-up do Recife, os meninos aceitam bastante as meninas, mas essa ideia de ser uma área masculina acaba afastando”.

Ao passo que vão estreando suas carreiras, essas meninas acabam criando uma rede de encorajamento e apoio. Josi e Michele, e algumas outras profissionais de todo Brasil, estão juntas em um grupo de WhatsApp no qual trocam figurinhas, dicas e sugestões. E embora esse elo de força pareça ser suficiente para encarar o machismo que ainda as afronta, entre essas dicas estão estratégias para ganhar o público e driblar possíveis inconvenientes. 

Michele Félix está iniciando na carreira e conta com a rede de apoio das colegas. Foto: Arquivo pessoal

A paraibana Josi conta que para as humoristas, o show só começa mesmo depois que elas conseguem provar que são merecedoras da atenção do público, coisa que os profissionais homens não precisam fazer. Para isso, elas lançam mão de piadas “coringas” que vão esquentando o público até que sua atenção esteja totalmente ganha. "Quando entra uma mulher no palco  tem cara que dá as costas”, conta.  

Além disso, essas profissionais costumam tomar cuidados quanto ao figurino e até a maquiagem, detalhes capazes de influenciar no resultado final da apresentação. “Se tiver maquiagem mais forte o resultado do show é um, se tiver mais fraca é outro.. Eu estou até usando roupas mais neutras, é uma estratégia. Também tem meninas (no público) que se sentem enciumadas nitidamente. Tenho foto que o cara tá rindo e a mulher tá chateada do lado: ‘Por que meu homem tá rindo com essa menina que tá falando de depilação?’. As outras meninas (humoristas) também comentam isso”.

O apoio que se dão, no entanto, tem ajudado a atravessar essas dificuldades e procurar seu lugar ao sol no mundo do stand up. A pernambucana Michele, com apenas duas apresentações oficiais no currículo, por enquanto, garante não levar seu gênero em conta na hora de executar o seu trabalho. “Eu não me limito por ser mulher, mas o que falo no meu texto é muito sobre minha vivência. Eu recebo dicas das meninas  pra afinar o texto pra me sentir segura. Você vai se achando aos poucos, eu tô me achando ainda no palco”. 

Como as colegas, Michele tem o sonho de viver exclusivamente da comédia. Foto: Arquivo pessoal

Mulherada no palco

Neste sábado (25), Josi Dionísio e Michele Félix subirão ao palco do Guarani Café, no Recife, ao lado de outras seis humoristas, para o festival Novas (A)Normais. O espetáculo, realizado pela DuMangue Produções, é uma iniciativa que visa incentivar o público a consumir o stand up das meninas, bem como abrir espaço para que elas possam mostrar seu trabalho.

A produtora do evento, Élida Rafisa, diz que o show é “um marco” na cena do Nordeste e frisa a importância de iniciativas como essa: “Existe ainda uma minorização do papel da mulher dentro do stand-up. A gente vem de uma sociedade integralmente machista, em conversa com os meninos (sócios da produtora), a gente propôs começar a abraçar essas ideias de minorias mesmo, primeiro com as mulheres. Há muitos anos na cena do Recife vem se tentando integrar as mulheres, só faltava oportunidade, o espaço para elas terem público. Elas precisam de show, então a gente criou esse pra estrear. Paralelamente temos colocado sempre meninas em outras apresentações, sempre de duas em duas”.

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Em Novas (A)Normais, a paraibana Josi Dionísio será a mestre de cerimônias da noite, conduzindo o público e apresentando suas colegas. Integram o elenco, além dela e Michele, as pernambucanas Anayra Bandeira, Andy Rodrigues, Babi Maybell, Érica Ferrer, Ninha Rodrigues, e a convidada Mari Camargo, vinda do Rio Grande do Sul. 

A ideia, após a estreia, é levar o espetáculo para outros estados nordestinos para fortalecer o movimento. “O Nordeste em si não tem uma cultura de ir pra show de stand-up. A prioridade hoje é a gente solidificar a cena aqui. A gente quer que a pessoa vá comprar a comédia, o stand-up e não só o artista. Consequentemente, dar visibilidade a elas (humoristas), transformando o pessoal em vitrine para começar a ir pra lá (Sudeste) como convidadas. Acho tão bonito quando o pessoal vem de São Paulo pra cá como convidado, por que não o contrário? É valorizar o que é nosso”, diz Élida.  

Deixa ela trabalhar

Enquanto se preparam para mais um show, essas meninas do stand-up sonham com um futuro mais próspero para a categoria. Em comum, além da vontade de fazer o público rir muito, elas têm o desejo de viver exclusivamente de sua arte, em um cenário de maior valorização ao seu fazer artístico. “Tá 20 reais o quilo do peito de frango, gente, eu tenho que trabalhar”, brinca Josi, que atualmente complementa sua renda como animadora de festas infantis. “De tarde eu to de Peppa Pig, de noite já to de Josi, contando piada sobre DIU, não tem nada a ver é bem aleatório. Pra mim a maior felicidade seria viver de comédia totalmente e que meus amigos vivessem (dela) também, porque aí sim eu seria muito feliz”.

A pernambucana Michele, que vem dividindo a comédia com a vida acadêmica - ela finaliza o curso de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Pernambuco este ano -,  vai pelo mesmo caminho, desejando um futuro de muito trabalho não só para si mesma, mas também para outras comediantes. “Quando você trabalha com humor você sempre tem que ter um emprego a mais, pelo menos no Recife. Espero poder ter a possibilidade de trabalhar só com humor. Não sei se é muito utópico da minha parte, mas espero isso. E isso só acontece quando você muda a cena, quando ela se abre mas, quando mais meninas entram nela. No futuro, eu espero que a cena esteja mais aberta para ir pra outros lugares e para virem mais pessoas, mais mulheres”. 

Serviço

Novas (A)Normais - com Josi Dionísio, Anayra Bandeira, Andy Rodrigues, Babi Maybell, Érica Ferrer, Ninha Rodrigues, Mari Camargo e Michele Félix

Sábado (25) - 20h

Guarani Café Bar (Rua Dom Bôsco, 498 - Boa Vista)

Ingressos à venda no Sympla

 


 

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