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Usando um carro de som, a empresa Águia Nunes, escritório de recuperação de crédito localizado em Góias, anuncia vagas para cobrador de dívidas exclusivas para ex-detentos. A maneira inusitada chamou atenção dos moradores da região e nas redes sociais.

Em um vídeo, é possível ver o veículo circulando pela cidade de Itaberaí anunciando as oportunidades. “A empresa Águia Nunes está contratando ex-presidiários para trabalhar como cobrador de dívidas. Os interessados deverão enviar currículo pelo e-mail ou por WhatsApp”, diz a chamada de emprego.

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Em entrevista ao site Metrópoles, o dono da empresa, Rodrigo Ferreira Nunes, explicou que a iniativa funciona para garantir oportunidades de empregos para ex-detentos da região. O processo de contratação iniciou na última quinta-feira (18).

“Já temos dois ex-presidiários no nosso quadro de funcionários. Essas pessoas precisam trabalhar e, em alguns casos, recomeçar a vida por meio do emprego (...) a gente precisa contratar essas pessoas senão elas voltarão para o crime até morrer”, explicou Rodrigo ao veículo.

O número de ex-detentos que ingressaram no mercado de trabalhou registrou aumento de 36%. De acordo com dados da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) de Pernambuco, de janeiro a dezembro de 2019, o quantitativo passou de 852 para 1.161.

A SJDH enfatiza que a inserção no mercado, além de promover ressocialização, pode diminuir a reincidência criminal. Os reeducandos cumprem pena no regime aberto e livramento condicional.

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Aos 48 anos de idade, José Fábio, um semestre após deixar o presídio, voltou ao mercado de trabalho. Hoje, ele integra a equipe da concessionária do Grande Recife Consórcio de Transporte, a Cornorte, atuando no setor de logística. “A essa altura da minha vida, é difícil conseguir trabalho, ainda mais por ser reeducando. Essa nova chance representa minha reconstrução pessoal e familiar”, comenta José.

“Os contratos de trabalho estipulam carga horária de seis a oito horas e oferecem remuneração de um salário mínimo (R$ 1.039). Entre as atividades, estão: limpeza e manutenção de vias urbanas, ajudante de produção, jardinagem, agente administrativo e serviços gerais. Além da responsabilidade social, a iniciativa pode ser um bom negócio. Em média, as empresas privadas e os órgãos governamentais conveniados pouparam quase R$ 10 milhões em 2019. Economia gerada porque os contratos são regidos pela Lei de Execuções Penais, desobrigando os empregadores de encargos trabalhistas como 13° salário, férias e Fgts”, detalha a Secretaria.

Ainda conforme a SJDH, 35 empresas públicas e privadas recebem ex-detentos em seus quadros de funcionários. Cabe ao Patronato Penitenciário, entidade vinculada à Secretaria, acompanhar os trabalhadores oriundos do sistema carcerário; além de trabalharem, os beneficiados podem participar de cursos de capacitação, bem como recebem assistência psicossocial e jurídica.

“A maioria dessas pessoas atua para melhorar serviços públicos, cuidando da cidade. Assim, não voltam a cometer novos crimes, quebrando um ciclo de violência”, enfatiza o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, conforme informações da assessoria de imprensa da pasta.

Com informações da assessoria de imprensa

O número de empresas em Pernambuco que integraram ex-presidiários aos seus quadros de funcionários aumentou em 52%. De acordo com dados da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) do Estado, o quantitativo saiu de 23 para 35 em 2019.

São beneficiados, ao todo, 1.107 apenados que cumprem pena em regime aberto. Para a SJDH, empregar pessoas oriundas do sistema carcerário pode render economia às empresas, tendo em vista que, em média, companhias privadas e órgãos públicos nesse contexto pouparam quase R$ 10 milhões.

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“Economia gerada porque os contratos são regidos pela Lei de Execuções Penais, desobrigando os empregadores de encargos trabalhistas como 13° salário, férias e Fgts. Os novos convênios trazem empresas dos mais variados segmentos: corte e costura, logística, alimentos e órgãos estaduais e municipais. Quanto à economia, os dados foram extraídos com base na remuneração de um salário mínimo (R$ 998) e no número de egressos trabalhando, 1.107. Considerando os 12 meses do ano, a poupança foi de exatamente R$ 9.998.999”, explica a Secretaria por meio da sua assessoria de comunicação.

Aos 48 anos, José Fábio deixou a prisão há seis meses. Atualmente, ele cumpre pena no regime aberto e conseguiu ser inserido ao mercado de trabalho. “A essa altura da minha vida, é difícil conseguir trabalho, ainda mais por ser reeducando. Essa nova chance representa minha reconstrução pessoal e familiar”, comentou José, conforme a assessoria.

Segundo a SJDH, o Patronato Penitenciário, um dos órgãos da pasta, faz o acompanhamento dos reenducandos oferecendo assistências jurídica e psicossocial, bem como é realizado o fomento de novas empresas que podem se tornar empregadoras. Fazer os ex-detentos se afastarem do mundo do crime é um dos intuitos da iniciativa. “Nosso principal objetivo é garantir que os reeducandos consigam mudar de vida. Quanto mais instituições sensíveis, teremos mais postos de trabalho e consequentemente, menos violência. Dificilmente essas pessoas irão voltar para o crime”, diz o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico.

De acordo com o diretor administrativo da Carapitanga, companhia produtora de camarão, Gustavo do Vale, a empresa projeta aumentar o número de contratações em 2020. “Estamos em um momento de expansão da nossa empresa e com isso, contratamos 15 reeducandas. Muitas dessas mulheres não são criminosas, cometeram delitos por influência de seus companheiros. O trabalho já tem dado tão certo que estamos com planos de aumentar as contratações em 2020”, garante o diretor.

Raquel Souza tinha acabado de sair da adolescência quando, há sete anos, policiais entraram na casa de seu namorado, um traficante de drogas, e prenderam o homem, a jovem e uma amiga. Mesmo sem ter se envolvido diretamente com o comércio de drogas, ela foi condenada por tráfico e passou mais de quatro anos presa em regime fechado.

 Raquel Souza, 27 que trabalha na confecção de bolsas da fábrica Tem Quem Queira.

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Raquel Souza trabalha na confecção de bolsas da fábrica Tem Quem Queira.Tânia Rêgo/Agencia Brasil

Depois de mais dois anos e meio em regime semiaberto e monitorada por tornozeleira eletrônica, a jovem de 27 anos conseguiu liberdade condicional. Fora do sistema prisional, ela conseguiu ter a carteira de trabalho assinada como costureira da empresa Tem Quem Queira, que confecciona bolsas e carteiras a partir de material reciclável.

“Além de gostar do que eu faço aqui, é daqui que eu tiro meu sustento”, conta a Raquel, mãe de três crianças, enquanto faz uma bolsinha amarela na máquina de costuras, no ateliê da empresa, no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Raquel já trabalha na empresa há cerca de três anos, mas só conseguiu assinar sua carteira há um ano, quando deixou de vez o sistema penitenciário. “Foi importante sair com um trabalho. Eu tinha que trabalhar. Tenho meus filhos, moro de aluguel”, disse. “Se eu não tivesse emprego, o que eu ia fazer? Eu não teria um destino certo ou um trabalho para dizer 'vou recomeçar minha vida por aqui'. A necessidade não espera. Às vezes, num desespero, você acaba se envolvendo em coisas que você não quer. Mas o desespero é grande.”

Elisiário Oliveira também é ex-detento e cumpre pena em regime semiaberto por tráfico de drogas. Ele trabalha na mesma empresa que Raquel e se considera um homem de sorte, por ter conseguido um emprego e poder sustentar seu filho de 3 anos. “Meu filho nasceu no dia em que fui preso”, lamenta o costureiro.

“A gente é humano, mas as pessoas acham que, porque a gente ficou preso, a gente vai voltar para a vida do crime, que vamos voltar a fazer tudo o que fizemos antes. Poucas pessoas dão oportunidade para a gente. Muita gente sai da cadeia e retorna. Eu vi vários amigos indo e voltando, porque procuram emprego e recebem um não. É muito difícil ver um filho chorando, sem ter leite, sem ter um danone para dar. O Brasil tinha que dar um pouco mais de oportunidade para os presos”, disse Oliveira.

 Elisiario Oliveira Souza, 33. Que trabalha na confecção de bolsas da fábrica Tem Quem Queira.

Elisiario Oliveira Souza diz ser uma pessoa com sorte por ter conseguido um trabalhoTânia Rêgo/Agencia Brasil


Dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ) contabilizam 600 mil detentos no sistema penitenciário brasileiro. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,7 milhão) e da Rússia (676 mil). 

A Agência Brasil procurou o CNJ para obter dados sobre detentos que conseguem empregos depois de deixar a prisão. A assessoria de imprensa do órgão, entretanto, informou que não existe um levantamento nacional com esses dados.

Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Vanessa Barros, que também integra o Observatório Nacional do Sistema Prisional, do Ministério da Justiça, a reinserção dos egressos do sistema penitenciário no mercado de trabalho é prejudicada pelo preconceito.

“Existe ainda um desconhecimento enorme sobre o egresso e um preconceito. O estigma de ser egresso coloca essas pessoas num lugar de extrema vulnerabilidade. Supõe-se que, pelo fato de terem cumprido pena, eles vão continuar eternamente criminosos”, disse a pesquisadora.

Para ela, é preciso haver mais programas governamentais que preparem os detentos para o mercado de trabalho antes que eles concluam suas penas.

Vanessa Barros também critica a visão de parte da sociedade de que o encarceramento é a melhor solução para lidar com criminosos. Segundo ela, as prisões não recuperam os presos.

“Ele vai voltar, mas vai voltar de uma forma diferente, porque ali dentro, o que ele passou o degradou. Degradou seu corpo, seu espírito, sua sensibilidade. Ele está degradado e ainda encontra um mundo que o rejeita. A sociedade tem que entender que essa pessoa que estava ali presa, durante um tempo não se ouvirá falar nela porque ela está ali despejada [no presídio], mas um dia ela vai sair.”

A Usina de Reciclagem de Fortaleza (Unifort), que trabalha com a reciclagem de entulho da construção civil no Ceará, é uma das empresas que empregam ex-detentos. “Eu acho que a gente tem que dar uma oportunidade devido à situação do país hoje. Se a gente não abrir as portas para poder colocar essas pessoas para trabalhar, fica difícil”, afirma o presidente da Unifort, Marcos Kaiser.

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