Após a PEC 241, que congela os gastos públicos por até 20 anos, ser aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o governo federal planeja aprovar entre os parlamentares uma ampla reforma na Previdência Social, em 2017. Entre as principais mudanças no panorâma previdenciário, a gestão de Michel Temer vai propor idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres, tanto no setor público quanto na iniciativa privada. Apesar de o Brasil registrar um crescimento nas demandas por saúde, educação, previdência e políticas públicas de assitência, o Planalto caminha na contramão e pode ferir os direitos dos trabalhadores.
Sob jutificativa das mudanças previdenciárias, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, à frente de um grupo governamental que discute com representantes dos trabalhadores e dos empresários propostas para a reforma, afirma que a projeção para as contas da previdência em 2016 é de "um rombo de R$ 146 bilhões". Em 2017, poderá chegar a R$ 200 bilhões. Na última sexta-feira (14), Padilha divulgou um vídeo no Facebook do ministério, no qual explica que se não houver a reforma, não há "garantia" para a população receber a aposentadoria no futuro. O objetivo da gestão de Michel Temer é enviar o projeto ao Congresso Nacional até o fim de 2016, para votação em 2017.
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Apesar do discurso difundido por Temer de que há um rombo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), um levantamento da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), através do estudo “Análise da Seguridade Social”, aponta que não há déficit e, sim, superávit. A professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, Denise Gentil, concluiu em sua pesquisa que o superávit da Seguridade Social (abrange o conjunto da Saúde, da Assistência Social e da previdência) é muito maior. No ano de 2006, o excedente de recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões.
Benefícios para quem?
Para o advogado Alexandre Vasconcelos, presidente da Comissão de Seguridade da OAB de Pernambuco, o grande vilão do Brasil é a arredacação das empresas que não pagam tributos e sonegam os impostos na ilegalidade. "O governo federal quer tirar dinheiro da Seguridade Social para custear o congresso nacional, o setor público e a corrupção", afirmou. Dados do Sonegômetro, equipamento do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), apontam que em 2014 foram sonegados mais de R$ 318 bilhões no Brasil. Para o advogado, existe uma "farsa contábil" que corrobora com o projeto da uma reforma na Previdência Social. "Caso o Congresso Nacional aprove essa mudança, será a mais perversa do mundo, sabemos que o trabalhador braçal não chega aos 65 anos de idade", pontuou.
Ainda segundo Alexandre Vasconcelos, atuante na área do direito previdenciário, uma reforma deveria ser realizada dentro do Congresso Nacional, que "retira o dinheiro da previdência para custear gastos da dívida pública". De acordo com um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com a UIP (União Interparlamentar), o Brasil tem o 2º Congresso mais caro do mundo. Segundo o levantamento, do ano de 2013, cada um dos 594 parlamentares brasileiros - 513 deputados e 81 senadores - custa para os cofres públicos US$ 7,4 milhões por ano. Em outro estudo do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita, em 2014 foram R$ 500 bilhões de sonegação; em 2015, somente no primeiro semestre, a sonegação foi de R$ 258 bi.
Aposentado desde os 55 anos como procurador do Estado de São Paulo e ganhando R$ 30 mil por mês, Temer também planeja desvincular do salário mínimo o benefício assistencial que a previdência paga a idosos e deficientes de baixa renda. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma política pública que garante o pagamento mensal de um salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência, portadores derenda familiar inferior a 25% do salário mínimo, atualmente R$ 880. Segundo o presidente estadual da Central Única de Trabalhadores (CUT-PE), Carlos Veras, a Previdência Social não deve ser tratada como fonte de arrecadação e despesa e sim como política pública para os trabalhadores.
Em crise, cenário privado cresce, mas é incerto
"A reforma prejudica diretamente a população, é como aposentar o povo dentro de um caixão", afirma. Para Veras, a aposentadoria é uma prioridade social e tem que ser tratada como tal. "É um direito que ajuda a dar qualidade de vida a famílias, principalmente as que moram na área rural, onde existem poucas poucas indústrias e empresas privadas. No Brasil, começamos a trabalhar muito cedo, muitos aos 14 anos, e aumentando a idade mínima da aposentadoria, muitas trabalhadores não conseguirão usufruir da própria contribuição durante uma vida inteira no mercado de trabalho". Em sua primeira semana de governo, em maio de 2016, o presidente Temer extinguiu o Ministério da Previdência Social, órgão responsável pela elaboração de políticas, gestão e fiscalização da aposentadoria no Brasil.
Diferente da Previdência Social, benefício pago pelo INSS aos trabalhadores, a previdência privada ou complementar, é uma reserva de fonte de renda feita de forma individual por empresas especializadas no assunto e não possui ligação com o sistema de aposentadoria do governo federal. Em um cenário de crise econômica e incertezas quando o assunto é a garantia dos aposentados no futuro, o mercado privado cresce, principalmente entre os trabalhadores de classe média alta. Segundo dados da Caixa Econômica Federal, no primeiro semestre de 2016, os investimentos em previdência privada subiram 35% na Região Metropolitana de Campinas (SP).
Para o diretor da Moreira & Alves Corretora de Seguros, Clemon Alves, especialista em previdência privada, a favor de uma reforma proposta pela gestão de Temer, a procura por inicitativas privadas funciona como uma complementação ao benefício do INSS. "Temos que entender os reais impactos da crise e o que a população tem de alternativa hoje. Vemos um rombo no INSS, muita informalidade e desemprego de uma parcela da população que deveria contribuir para a aposentadoria no futuro, mas não o faz", defende.
Para o especialista, muitas vezes trabalhadores se aposentam ainda muito jovens e talentos são perdidos no mercado de trabalho. Para contratar um plano de previdência privada, é preciso de no mínimo um investimento de R$ 100 mensais. "É diferente de investir em uma poupança no banco porque temos o rendimento superior", falou. Além disso, para Clemon, cria-se uma hábito cultural de pagamento mensal que o brasileiro não tem.
Para Veras, à frente da CUT em Pernambuco, a previdência privada é mais um objetivo do governo federal de privatizar políticas públcias de seguridade social. Ele explica que o Estado quer reduzir o seu papel na saúde e em outras áreas de atuação privatizando os direitos dos brasileiros. "É um processo de manipulação de massa que conta com a ajuda dos meios de comunicação", lamentou. Para o advogado Alexandre Vasconcelos, também não há rentabilidade no setor privado da previdência. "É melhor você colocar o seu dinheiro numa aplicação direta do tesouro e se livrar de muitas taxas de carregamento", explicou.