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Em função da crise sanitária provocada pela Covid-19, eventos culturais de grande porte, que acabam movimentando a economia dos locais onde são realizados, foram adiados, alguns sem anunciar nova data. A organização do Festival de Cinema de Gramado, um dos principais do país, resolveu manter quase inalterada a programação, somente transferindo o evento de agosto para setembro. Mais cautelosa, a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que recebe, em média, 600 mil visitantes a cada edição, ficou para 2022.

Ao mesmo tempo em que os espaços culturais precisam adotar o fechamento como medida de combate à covid-19 e eventos são adiados pelo mesmo motivo, artistas têm tido dificuldade de encontrar uma fonte de renda. Por essa razão, estão recorrendo às redes sociais para passar o chapéu (como se denomina, no meio artístico, a prática de recolher contribuições voluntárias após uma apresentação). 

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Em um clique, encontram-se diversas postagens de artistas que, individual ou coletivamente, pedem doações ou realizam lives (transmissões online, ao vivo) para arrecadar recursos. O perfil é bastante heterogêneo. São artistas iniciantes e outros mais consolidados, como os do Teatro Oficina Uzyna Uzona, companhia que completa 62 anos de existência, este ano, e foi fundada por José Celso Martinez Corrêa, mais conhecido como Zé Celso, um dos ícones da tropicália.  

Para amparar os trabalhadores do setor, o Senado Federal aprovou, em 4 de junho, o projeto de Lei Aldir Blanc (PL nº 1075), que prevê a concessão de benefício no valor de R$ 600, além de possibilitar a distribuição de quantias para garantir a manutenção de empresas e espaços culturais. Segundo o texto, a quantia que será repassada da União, por meio do Fundo Nacional de Cultura, para estados, Distrito Federal e municípios totaliza R$ 3 bilhões. A proposta, apresentada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro. 

Obstáculos

Como outros colegas de profissão, a artista e brincante Bruna Luiza tem passado por momentos difíceis durante a pandemia já que não há trabalhos a serem feitos. Professora de circo, ela conta que nunca conseguiu manter uma reserva financeira e que costumava complementar a renda com aulas de reforço escolar.

Sem dinheiro guardado, ela e seu companheiro decidiram deixar Brasília para ir morar em uma vila de Alexânia, interior de Goiás, onde o custo de vida é menor. Com duas crianças em casa, uma de 6 anos de idade e outra de 7, o casal está vivendo com o auxílio emergencial concedido pelo governo federal.

"Quando começou a pandemia, nossa renda vinha das aulas de circo e tínhamos vários trabalhos fechados [já acordados]. Todas essas fontes de renda se foram. Atualmente, a gente está vivendo do auxílio emergencial. A gente está se inscrevendo em todos os editais que têm, mas são perspectivas futuras, porque nenhum edital foi para agora”, afirma.

“Meu companheiro tem feito algumas lives e rodado o chapéu, mas não é nada que gere muito dinheiro, é um valor pequeno, com que dá para fazer a feira, o mínimo. Eu ainda estou precisando me adaptar a essa nova realidade para buscar uma forma de trabalho", completa.

Sobre os editais de fomento à cultura, ela critica a lógica de rivalidade que esse modelo de financiamento promove, defendendo que o processo seja revisado, tendo em vista que a crise atingiu parte significativa da classe artística.

"Eles lançam edital, no meio dessa pandemia, em que colocam em competição os artistas, que já estão em um estado de vulnerabilidade muito grande", lamenta.

Bruna comenta que muitos artistas têm disponibilizado aulas e apresentações gratuitas, o que encara como positivo para o público e, ao mesmo tempo, como obstáculo para os artistas que poderiam conseguir remuneração ensinando o que sabem e garantir parte do sustento durante a pandemia.

"Tem muito conteúdo sendo fornecido de graça. O que você quiser saber sobre circo, flexibilidade, força, acrobacia, tem muito material sendo disponibilizado. Vejo que tem dois lados interessantes. Um é que fica acessível para muita gente. Mas também fica difícil de trabalhar, porque tem muita coisa de graça. E tem muita gente apertada [financeiramente]."

Museus

Em meados de maio, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) emitiu informe em que estimava que 13% dos museus de todo o mundo poderiam encerrar, em definitivo, suas atividades, em decorrência das consequências da pandemia de Covid-19. Já naquele período, mais de 85 mil instituições, que representam 90% do total (95 mil), haviam suspendido visitações, a fim de evitar contaminações pelo novo coronavírus, e parte delas buscava se adaptar para manter exposições online. 

No comunicado, a Unesco destacou que apenas 5% dos museus localizados em países da África e países insulares em desenvolvimento estavam conseguindo manter atividades em ambiente virtual. Como essa situação, existem também outras que indicam que o segmento de cultura está sob ameaça, não apenas sob o ponto de vista de circulação do conhecimento e preservação do patrimônio cultural, mas de sustento dos profissionais do ramo.

De acordo com a Unesco, a falta de receita dos museus afeta também os funcionários dessas instituições e os artistas, muito deles autônomos ou trabalhando com "contratos precários".

Criatividade em números

De acordo com o Mapa Tributário da Economia Criativa, elaborado pelo extinto Ministério da Cultura, em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação e a Unesco, a classe criativa correspondia a 1,8% dos trabalhadores formais brasileiros, em 2015. Em 2013, a proporção era de 1,7%. Atualmente, a economia criativa responde por 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. O documento foi divulgado em dezembro de 2018.

Publicado em janeiro de 2019, um relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) aponta que as exportações de bens criativos do Brasil, em que se sobressaem bens de design, como moda, design de interiores e joias, somaram US$ 923,4 milhões em 2014. Naquele ano, somente as novas mídias produzidas no país, que incluem filmes, movimentaram US$ 102 milhões. Artes visuais, por sua vez, geraram US$ 92 milhões e artes e artesanato, US$ 73 milhões.

Cerca de 3 mil quilômetros separam as cidades de Curitiba, no Paraná, e Recife, em Pernambuco. A distância entre o Estado do Sul para um no Nordeste do Brasil não foi suficiente para deter o motorista Eloir França, de 62 anos. A busca por emprego na área foi o seu motivo principal, mas hoje ele atua como “estátua viva” pelas ruas da capital pernambucana.

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Todos os dias, bem cedo, por volta das 7h, Eloir já está vestido de "morte" na ponte Duarte Coelho, divisora das icônicas Avenidas Conde da Boa Vista e Guararapes, nos bairros da Boa Vista e Santo Antônio, respectivamente, área Central do Recife. “Eu vim tentar um emprego com mototáxi, ia alugar uma moto e tentar trabalhar por aqui”, disse, em entrevista ao LeiaJá

A vontade de trabalhar com moto não foi concretizada e a necessidade o fez apelar para a criatividade. “Comprei ali esses tecidos da fantasia, foi R$ 15 reais, e eu mesmo costurei tudo. Mas já fiz outras coisas também, já fui Zorro, já fui Superman, mas eu engordei e as fantasias não cabem mais em mim”, brincou. Eloir completou três meses em Recife e trabalha vestindo as fantasias há três semanas.

Sem endereço fixo, Eloir trabalha para comer e dormir. “Todos os dias eu vejo o que dá para fazer. Ontem, eu dormi na rodoviária. Às vezes, quando vou para a praia, consigo tirar mais dinheiro e alugo uma pensão para passar a noite. Mas, de vez em quando, a gente tem que escolher: ou comer ou dormir”, disse.

A situação do idoso não é fácil. Ele afirma que sofre de uma séria doença. “Como eu tenho remédio de uso contínuo, já comprei e trouxe para cá”, explicou.

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As inúmeras adversidades do dia a dia de quem vive à mercê da sorte poderiam fazer Eloir entristecer, mas o idoso segue firme com seu otimismo. “O movimento ainda é fraco, por dia só ganho uns R$ 25, R$ 30, mas acredito que no final do ano vai melhorar bastante. Tem que melhorar”, apostou. A ideia, segundo França, é chamar as pessoas que esboçam algum tipo de reação quando o veem passar. “Se aquela pessoa deu um sorrisinho quando me viu, mesmo que de longe, eu tento fazer ela vir até mim para tirar a foto”, falou.

Com a plaquinha que pede uma colaboração em troca de uma foto, diversas pessoas observam a situação e param para falar com a "morte". “Por dia, tiro muitas fotos, acho que umas 400. Mas pouca gente me dá dinheiro por isso”, lamenta. Eloir faz parte dos 13,4 milhões de desempregados no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A morte é divertida

A dona de casa Linda Loiola, 54, e o estudante Anderson Henrique, 23, passavam pela Ponte Duarte Coelho quando avistaram a morte de perto. “A morte é muito divertida, eu amo a morte, a gente vai para o paraíso”, brincou Linda. Segundo a dona de casa, a fantasia de Eloir é divertida porque a morte é apenas um estágio da vida. “Eu tirei foto porque achei engraçado, afinal se temos a vida, temos a morte”, disse. 

Já Anderson, por sua vez, acredita que o trabalho do homem é justo. “Tem que ser assim, se não for, como ele vai tirar o sustento? Além do mais, a pessoa vestida de morte tem sua graça, não é?”, brincou o jovem, que também alegou não ter medo algum da morte.

Foi inaugurado na manhã desta quinta (30), o primeiro Armazém do Campo do Nordeste. O Recife foi a cidade escolhida para abrigar o estabelecimento idealizado e administrado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O espaço, localizado na Rua do Imperador, no Centro, abriga um mercado com 120 produtos oriundos de áreas de assentamento ou agricultura camponesa, os pequenos produtores. Além disso, um café/bar e uma livraria da editora expressão popular.

Entre os produtos, grãos, farináceos, mel, carne, ovos e tudo de hortifruti. "A questão de alimento orgânico é pouco mais complicado, porque depende de uma patente, que obriga o produtor a obedecer normas técnicas, mas também há produtos com esse selo aqui (arroz, feijão, café e mel). Mas a maioria é agroecológico, que não usa veneno (agrotóxicos), sementes transgênicas e envolve uma discussão sobre economia solidária e mercado justo. E outros em transição para a agroecologia", explicou Ramos Figueiredo, o "Raminho", coordenador do Armazém do Campo do Recife.

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Os preços praticados no Armazém são um pouco acima dos achados em supermercados comuns, mas segundo Raminho o lucro não ultrapassa 30% do valor de produção. "Tudo que se vende aqui já foi comprado dos produtores, cujo insumo para produção encarece os produtos. Mas trabalhamos com a margem de lucro entre 15% e 30%. (O arrecadado) serve para manter o estabelecimento em funcionamento e custeia a permanência das sete pessoas que vieram morar no Recife para fazer o Armazém do Campo funcionar, todos ligados à base do MST. Os sete são do interior, foram acampados ou tem parentes acampados ou assentados. Todos são militantes do movimento", afirmou.

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Ramos Figueiredo estima em 20 mil reais o custo de funcionamento do Armazém do Campo no Recife, já contando com o aluguel do imóvel. Esse é o valor mínimo que o espaço precisa render para se manter funcionando. Para entender melhor como será o comportamento dos possíveis clientes do negócio, o estabelecimento funcionará em horário especial no primeiro mês. "Vai funcionar 30 dias seguidos. Queremos sentir como será a recepção e precisamos saber quais os horários e dias que serão mais frequentados para formular nosso horário fixo que atenda melhor aos que irão comprar e frequentar o Armazém", disse.

Esta é a quinta loja do Armazém do Campo aberta pelo MST no Brasil. Há 20 anos, a primeira foi aberta em Porto Alegre (RS). Em 2016, foram abertas a de São Paulo e Belo Horizonte. Em 2018, o Rio de Janeiro ganhou sua unidade e neste ano a loja chega ao Nordeste. Além dos Armazéns, as cooperativas de produtores do MST já vendem seus produtos em Pernambuco, por exemplo, para merenda escolar. Segundo o movimento, 60% dos insumos de Caruaru já são fornecidos pelo movimento. No Recife, 30%. Além disso, os Institutos Federais (IFs) no Estado também compram dos trabalhadores assentados.

Alimento da alma - Com o lema "Alimentar-se é um ato político", os Armazéns do Campo não funcionam apenas como espaço de venda de gêneros alimentícios. Há também um espaço para atrações culturais e discussões políticas. Em todas as lojas, há um café/bar e uma livraria com os títulos da editora Expressão Popular, que tem o MST como principal investidor. A música terá seu espaço no ambiente entre as quintas e sábados.

Nesta quinta (30), por exemplo, estão programadas apresentações de Fred Zeroquatro, da banda Mundo Livre S/A, do Som da Rural, de Roger de Renoir e outros artistas. "Temos esse espaço onde as pessoas podem tomar um café produzido nos assentamento, 100% puro e livre de veneno, além de uma cerveja, puro malte, já que não trabalhamos com nada de transgênicos", finalizou Raminho.

Serviço:

Armazém do Campo Recife

Rua do Imperador Pedro II, 387, Santo Antônio, Centro do Recife

Funciona de segunda à quarta, das 9h ás 20h; nas quintas e sextas das 10h à 1h, com atividades culturais; sábados, das 9h até o último cliente; domingos das 11h às 18h.

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