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Desenganado pelos médicos e sem outras alternativas de tratamento contra o câncer, o aposentado Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, foi submetido a uma terapia celular experimental no mês passado. Menos de 20 dias depois, seus exames comprovavam a remissão do tumor. Agora, mais três pacientes com linfoma avançado do tipo não-Hodgkin são preparados no Centro de Terapia Celular do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (CTC-Fapesp-USP) para serem submetidos ao tratamento.

A terapia, personalizada, é feita a partir das células de defesa do próprio paciente. O método já é usado com sucesso nos Estados Unidos e na Europa e está revolucionando o tratamento deste tipo de câncer no exterior. A técnica usada em Castro e nos novos três pacientes, no entanto, foi totalmente desenvolvida no Brasil e pode, no futuro, ser oferecida gratuitamente pelo SUS. Há ainda, porém, um longo caminho a ser percorrido até ser aprovada oficialmente.

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Um dos responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia, o hematologista Dimas Tadeu Covas, coordenador do CTC, se mostra otimista em relação aos resultados do tratamento. Mas está apreensivo com a possível demora na aprovação do tratamento no Brasil.

"Quando abrimos a porta da esperança, não tem como fechar", disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. "Mas precisamos acelerar os processos. É estratégico para o País olhar para este cenário e tomar uma decisão: vamos transformar em produto, começar um estudo clínico, combinar com as agências reguladoras."

Já existe previsão de outros pacientes serem submetidos à terapia celular experimental usada em Vamberto Luiz de Castro?

Quando abrimos a porta da esperança, não tem como fechar. Já temos uma pequena fila para o uso compassivo da terapia, em caráter experimental. Três pessoas já estão em preparação, na fase da coleta e modificação das células. Meu objetivo, que talvez seja um pouco otimista, é testar a terapia em dez pacientes nos próximos seis meses.

Quais os principais obstáculos?

Bom, primeiro que é uma terapia experimental, não temos um produto aprovado, e nossa capacidade de ampliar a produção é muito pequena. Hoje, conseguimos fazer um caso a cada 30 ou 40 dias. Para ampliar, precisaríamos de apoio, investimento. Estamos tentando parcerias com outros laboratórios que tenham condições de reproduzir a tecnologia, mas não é fácil; trata-se de pessoal muito especializado.

Tanto o Vamberto quanto esses outros três pacientes fazem a terapia em caráter compassivo. O senhor pode explicar o que isso significa e como optaram por esse tipo de estudo?

Isso significa que essas pessoas não têm mais nenhuma alternativa de tratamento. Tudo já foi tentado. Só assim elas podem entrar no estudo. Era a única forma que tínhamos de fazer; já estava tudo pronto. Nesse caso, quando se tem todas as condições de fazer, a necessidade médica é considerada inadiável. Seria até um erro do médico se dispuséssemos da terapia e não fizéssemos o teste.

E em quanto tempo o senhor acha que estariam prontos para fazer o teste clínico?

O estudo clínico apresenta dificuldades, ainda mais nesse assunto de terapias avançadas, que ainda não é totalmente regulamentado no País. O ambiente regulatório para esse tipo de avanço não é favorável. O Brasil não tem o hábito de fazer isso (aprovar terapias novas). O mais comum é trazer coisas já aprovadas por agências do exterior. Vamos fazer a proposta (para o teste clínico), claro, mas não vejo isso acontecendo de forma rápida. Em geral, um teste clínico para uma nova droga leva de um a dois anos para ser aprovado.

Mas o senhor acha que esses processos poderiam ser acelerados?

Acho que é uma questão estratégica para o País olhar para esse cenário e tomar uma decisão: vamos começar um estudo clínico, transformar em produto, combinar com as agências reguladoras, acelerar processos. O governo poderia tomar a frente, criar uma política pública como fez a Inglaterra, que já oferece gratuitamente o tratamento a crianças com leucemia e tem um sistema público muito parecido com o nosso SUS.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Um funcionário público aposentado de Minas Gerais se tornou a primeira pessoa na América Latina a receber uma nova terapia celular que vem revolucionando o tratamento do câncer nos Estados Unidos e na Europa. Menos de 20 dias após ser submetido ao tratamento feito a partir das próprias células, o paciente já apresentava remissão da doença. Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, estava em estado grave, com linfoma avançado que não respondia a nenhum dos tratamentos convencionais. Desenganado pelos médicos, com expectativa de vida de menos de um ano, ele foi submetido em caráter experimental à terapia, no dia 9 de setembro.

A alta de Castro está prevista para este fim de semana. "Os gânglios no pescoço do paciente desapareceram, ele parou de tomar morfina para dor, ganhou três quilos, voltou a andar", contou o hematologista Renato Cunha, diretor do Centro de Transplante de Medula do Hemocentro de Ribeirão Preto, um dos responsáveis pela experiência. "Temos todos os sinais de que o organismo respondeu; ou seja, conseguimos provar o conceito e mostrar que funciona muito bem."

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Tão importante quanto a melhora significativa do estado de saúde do paciente é o fato de a terapia ter sido inteiramente desenvolvida no Brasil, no Centro de Terapia Celular (CTC-Fapesp-USP) do Hemocentro, ligado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Com isso, o País se torna um dos poucos do mundo a dispor da tecnologia. A expectativa agora é de que o tratamento seja testado ao longo dos próximos seis meses em pelo menos outros dez pacientes e, no futuro, esteja disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS).

O tratamento usado pela primeira vez em São Paulo é feito com células T (do sistema imunológico) retiradas do próprio paciente e geneticamente modificadas. A função original dessas células é combater doenças. No entanto, muitos cânceres conseguem driblar esse mecanismo de defesa natural do organismo, tornando-se "invisíveis". "É como se as células de defesa ficassem cegas para elas que conseguem, então, se proliferar", explicou Cunha. "Quando fazemos a alteração genética, as células de defesa voltam a 'enxergar' as células cancerígenas e podem destruí-las."

Os especialistas alteraram geneticamente as células T, com a inclusão de uma proteína específica que as torna mais sensíveis a determinados tipos de linfoma. As células alteradas e cultivadas em laboratório foram inseridas de volta no paciente por meio de uma infusão. Com a alteração genética nas células de defesa, elas passam a reconhecer mais facilmente as células cancerígenas e conseguem destruí-las. "As células T modificadas passam a se multiplicar aos milhões no organismo do paciente, fazendo com que o sistema imune passe a identificar as células cancerígenas do linfoma como inimigos a serem atacados e destruídos."

Para Dimas Tadeu Covas, hematologista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e coordenador do CTC, desde o surgimento das terapias de anticorpos monoclonais, há cerca de sete anos, este é o maior avanço no tratamento do câncer. "Não tenho dúvidas de que esse é o futuro do combate ao câncer", afirmou Covas. "As terapias com anticorpos monoclonais hoje são rotina no tratamento de vários tipos de câncer; estou seguro de que vamos seguir o mesmo caminho com a terapia celular."

Experimental, tratamento depende de novos testes para ser ofertado no Brasil

A terapia usada com sucesso em caráter experimental no País já está disponível em alguns países do mundo, como Estados Unidos, Reino Unido, China e Japão. Ela é usada no tratamento de leucemias e linfomas. Nos Estados Unidos, o índice de remissão da doença, mesmo nos casos considerados terminais, é superior a 80% após 18 meses da infusão.

Por enquanto, o trabalho ainda está em fase de pesquisa no Brasil. Nos próximos seis meses, outros dez pacientes devem ser testados. Se o sucesso do primeiro caso se confirmar, a terapia deverá então cumprir os requisitos regulatórios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser oferecida na rede pública.

"Os resultados da terapia celular para o tratamento das formas mais agressivas de câncer são tão espetaculares que seu desenvolvimento rendeu o Nobel de Medicina de 2018", lembra o hematologista Renato Cunha, um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da técnica brasileira. O prêmio do ano passado foi para dois pioneiros das terapias celulares, o americano James Allison e o japonês Tasuku Honjo.

A patente para a preparação das células, porém, pertence a dois laboratórios farmacêuticos. Por isso, tanto nos EUA quanto na Europa, o custo total do tratamento pode chega a US$ 1 milhão (cerca de R$ 4,16 milhões) -, tornando a terapia completamente inviável no País. Por isso, os especialistas brasileiros decidiram desenvolver uma tecnologia nacional para a terapia celular, barateando os custos em até 90%.

"Do ponto de vista da pesquisa médica, é um avanço enorme porque pouquíssimas companhias no mundo detêm essa tecnologia", afirmou Tadeu Covas. "Mais do que isso, desenvolvemos a tecnologia, esse tratamento revolucionário, na área pública e nosso objetivo é oferecer no sistema de saúde." Hoje, os tratamentos disponíveis no mundo são voltados só para linfomas e leucemias. No entanto, já há dezenas de estudos em todo o mundo e também no Brasil para outros alvos, como os chamados tumores sólidos.

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