Apps de mensagens, armadilha para os casamentos na China

WeChat e outras plataformas revolucionaram os relacionamentos pessoais na China, mas também são frequentemente acusados de causarem o término de vários casamentos

qui, 18/06/2020 - 10:01
Héctor Retamal O detetive particular Dai Pengjun, que investiga supostas infidelidades, mostra equipamento de trabalho em 12 de junho de 2020 em Xangai Héctor Retamal

Quando o homem com quem se casou há dez anos começou a voltar para casa tarde, muito depois da meia-noite, "Echo" achou difícil de entender. Até que revistou o telefone celular de seu marido, um empresário de Xangai.

Sua conta WeChat, o principal aplicativo de mensagens da China, com mais de um bilhão de usuários, estava cheia de mensagens sedutoras.

WeChat e outras plataformas revolucionaram os relacionamentos pessoais na China, mas também são frequentemente acusados de causarem o término de vários casamentos, facilitando relacionamentos extraconjugais.

Em um país onde o casamento é a norma, o número de divórcios disparou na última década. Essa evolução, devido a vários fatores, levou o governo a escrever uma lei, em maio, para forçar os casais a "refletirem" por um mês antes de se separarem.

"Conhecer pessoas ficou mais fácil. Pode haver tentações", comenta Echo, que prefere manter em segredo sua identidade. Atualmente, ela está sendo assistida junto com o marido por um conselheiro matrimonial.

O sexo extraconjugal não é novidade na China, onde a indústria do sexo está crescendo. Segundo um estudo de 2015 de um renomado pesquisador chinês, 34,8% dos homens já tiveram casos extraconjugais. Cinco anos antes, apenas 11,8% deles declararam ter feito isso.

O debate sobre a infidelidade se tornou viral em abril, quando Zhou Yangqing, uma famosa modelo, revelou que seu namorado, o cantor taiwanês Show Lo, havia usado o WeChat e outras plataformas para seduzir outras mulheres.

A tecnologia se soma às dificuldades econômicas, que também pesam sobre os casais, considera Zhu Shenyong, um conselheiro matrimonial em Xangai.

Dificuldades que vão desde pressões financeiras e profissionais crescentes até viagens de negócios cada vez mais frequentes, passando pela interferência dos sogros e pelo fato de as mulheres chinesas estarem cada vez menos dispostas a suportar um casamento que não funciona.

- Encontros fáceis -

"A sociedade chinesa se desenvolve muito rápido, extremamente rápido", diz Zhu Shenyong. "Rapidamente nos tornamos uma sociedade relativamente rica, mas felicidade material significa trabalhar mais e gastar menos tempo construindo e preservando o casamento", completa.

Muitos desafogam flertando on-line, de acordo com Zhu. Ele cita um recurso do WeChat, "Pessoas perto de mim", frequentemente usado para encontros fáceis.

Esta função do aplicativo, em princípio inofensiva, desfez mais de um casal.

Zhu lembra de um caso com o qual lidou não faz muito tempo, o de um homem e uma mulher que se conheceram por intermédio do trabalho.

"O homem disse: você é divorciada e, veja, também quero me divorciar. Depois de conversarem sobre trabalho e assinarem um contrato, saíram para beber e acabaram dormindo juntos", contou.

O WeChat "torna incrivelmente fácil conhecer pessoas", acrescentou.

O número de casamentos aumentou quase 14% entre 1998 e 2018 e ultrapassou 10 milhões anualmente, segundo dados oficiais. Mas a taxa de divórcios quadruplicou no mesmo período, com 4,5 milhões formalizados a cada ano.

Os aplicativos de mensagens costumam ser o fio condutor das infidelidades conjugais, diz Dai Pengjun, detetive particular de Xangai especializado em investigar cônjuges suspeitos.

Seus negócios prosperaram nos últimos anos e, hoje, ele conta com sete funcionários que lidam com uma dúzia de casos por mês em todo país, 40% dos quais envolvem esposas. A equipe de detetives é responsável por monitorar e fotografar os "alvos".

"Eu refleti muito para entender por que há mais e mais casos", explica Dai. "É devido à falta de moral? Acho que não. A questão está intimamente relacionada às condições materiais da vida das pessoas e ao progresso tecnológico".

Em alguns casos, Dai descobriu que alguns dos homens que ele vigiava tinham até dois casos extraconjugais de longa duração, o que em algumas situações levou até ao nascimento de filhos.

A falta de educação é outro problema, enfatiza Zhu. "Nossa educação sexual começa na escola primária, mas não há educação para o amor e o casamento".

Nos meios de comunicação, a pandemia de Covid-19 provocou um boom de divórcios após o confinamento.

No caso de Echo, porém, a experiência deu ao parceiro tempo para refletir. Agora, está otimista e confessa: "Às vezes, até me sinto grata por outras mulheres".

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