Pesquisa: 67% dos alunos não se organizam no estudo remoto

Levantamento da Abed mostra a insatisfação dos estudantes com o método online durante a pandemia

por Alex Dinarte ter, 10/11/2020 - 17:13
Pexels / Retha Ferguson Pexels / Retha Ferguson

A pandemia de coronavírus, que já dura oito meses, fez com que alunos de diversos cursos presenciais passassem a cumprir atividades estudantis dentro de casa. O antes receoso modelo de aprendizado remoto em um ambiente virtual virou obrigação para quem não quer ver a formação acadêmica se perder em meio a um ano de crise sanitária.

Embora seja um recurso utilizado para o acesso ao conteúdo das aulas, os números mostram que, para boa parte dos formandos, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) não significa concentração ou absorção das lições. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed) consultou 5.580 estudantes e constatou que 67% deles reclamam da dificuldade em manter uma rotina de estudos, como faziam nas aulas presenciais. O mesmo levantamento mostra que 72,6% avaliam o método como pior em relação ao tradicional.

É o caso de Vitoria Veloso, 20 anos. A estudante de Psicologia afirma que os problemas são diversos na hora de absorver o conteúdo apresentado pelos professores nas plataformas virtuais. Segundo ela, o desvio de atenção em casa é maior, e as redes sociais são inimigas do aprendizado. "Não consigo me concentrar, não consigo ter foco e nem disciplina, pois aproveitando que estudo em casa, uso o tempo para ver outras coisas ou para mexer nas redes sociais e fica mais fácil perder a atenção", declara.

Estudante de Psicologia, Vitoria Veloso não se adaptou ao modelo de ensino remoto | Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com Vitoria, além da falta de contato com os amigos, a impossibilidade de ter o "olho no olho" com o professor é um fator que ela considera como fundamental para o baixo aproveitamento dela no ensino remoto. Para a estudante, se dependesse apenas do modelo a distância, ela não conseguiria absorver conhecimento. "Acho difícil entender e compreender, ainda mais no meu curso, em que algumas modalidades são exclusivas do ensino presencial", diz. "Só não tranquei a matrícula porque faltam apenas dois anos para me formar", finaliza a futura psicóloga.

Visão positiva

Já a cuidadora de idosos Hérica Fernanda Ferreira, 29 anos, só vê maiores empecilhos no ensino remoto quando as atividades se somam aos cuidados da casa, dos dois filhos e do trabalho. "A dificuldade maior é organizar o tempo. O dia passa rápido demais e uma coisa ou outra sempre fica para trás. Assim, os trabalhos se acumulam e complica a entrega nas datas certas", comenta. Ela afirma que não haveria problema em adquirir qualificação por meio do computador. "Não vejo como algo ruim, muito pelo contrário, mas temos que ter uma certa disciplina, como se estivéssemos na aula presencial. Eu faria sim, me esforçaria para fazer acontecer", acrescenta Hérica.

Hérica Fernanda Ferreira tem que dividir os afazeres no lar e conciliar com os estudos do curso Técnico em Enfermagem | Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com a estudante do curso Técnico em Enfermagem, que vai concluir os estudos em 2021, mesmo sem a interação pessoal com colegas e professores, é possível ter atenção e absorver o conteúdo disponível no AVA. "As dificuldades não são muitas, os professores são prestativos. Claro que sinto saudades do convívio presencial, de poder conversar e interagir com as pessoas, isso faz muita falta", cita Hérica, que lamenta a impossibilidade de seguir com o projeto de estágio, que foi adiado até o próximo semestre.

Palavra do especialista

De acordo com o professor da escola de idiomas Beetools e especialista em educação, José Motta Filho, a pandemia deu um duro golpe no sistema educacional. Segundo ele, além da relação interpessoal que favorece o aprendizado, muitos professores e alunos não dispõem de uma estrutura que possa contribuir para o sucesso da educação. Para Filho, a desmotivação causada pelas dificuldades pode ter interferido na avaliação do modelo. "Vários alunos não se engajaram nos momentos síncronos e assíncronos preparados pelos professores, o que acarretou um desânimo e uma sensação de que o binômio ensino/aprendizagem estava prejudicado", aponta. "Com os alunos distantes, muitos nem ligam suas câmeras e microfones e, com as diversas distrações possíveis ao seu redor, em suas casas, a falta de interesse nas aulas mostram-se frequentes", complementa.

De acordo com Filho, a necessidade de preparar alunos e professores para os novos modelos de aprendizagem é um fator preponderante na melhora do rendimento dos atores da educação. "É o investimento massivo na formação de professores para as metodologias ativas de aprendizagem e tecnologias educacionais como ferramentas, e não como fim em si mesmas", enfatiza. Para o especialista, é necessário um planejamento que facilite a infraestrutura de ensino online. "Precisamos de espaços diferenciados, com boas pitadas de aprendizagem por projetos, adicionando inovação e empreendedorismo, para que possamos levar a educação, efetivamente, para outro patamar", recomenda.

Ainda segundo o professor, é urgente sair dos modelos que se tornam obsoletos e passam a ser desinteressantes para alunos e profissionais. "Independente do formato EAD, presencial ou blended, a educação de maneira geral sofre certa obsolescência educacional. Práticas e conteúdos nada aderentes às demandas de uma sociedade criativa, ainda resistem nas diversas salas de aula do presente", conclui Filho.

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