Prometida para setembro de 2015, Frei Caneca continua muda

Grupos de trabalho para o modelo de gestão foram realizados em 2014, sucessivas promessas foram feitas pelo poder municipal, mas rádio pública soma 55 anos de espera para entrar no ar

por Roberta Patu sex, 25/09/2015 - 17:00
Lívio Angelim/LeiaJáImagens Lívio Angelim/LeiaJáImagens

*Com Felipe Mendes

Condenado à forca por participar de revoluções e movimentos políticos da estatura da Confederação do Equador. Este era o destino de Frei Caneca. Porém, não foi fácil encontrar alguém que o executasse: nenhum carrasco queria matar o frei.

Com a negativa dos carrascos, sendo oferecidos até vantagens para quem se habilitasse, desistiu-se do enforcamento. Para conseguir fazer cumprir a pena do religioso revolucionário, foi ordenado seu arcabuzamento (arcabuz é um tipo de arma, parente de espingardas e bacamartes). Para tal, um pelotão foi colocado em frente ao frei sem que seus integrantes soubessem quais armas estariam carregadas. Só assim, depois de idas e vindas, foi possível cumprir a missão de matar Frei Caneca, em janeiro de 1825.

Quase 200 anos depois, o nome de Frei caneca mais uma vez está ligado a uma missão que ninguém realiza: a implantação da Rádio Frei Caneca, rádio pública do município do Recife que espera há nada menos que 5 décadas para ser colocada no ar. Idealizada na década de 1960, pelo então vereador Liberato Costa Júnior, a rádio pública virou lei na época (e assim permanece), mas mesmo assim nunca funcionou.

Em entrevista ao LeiaJá, em 2014, Liberato Costa Júnior desabafou. "O projeto demorou muito nas comissões na década de 1960, mas Arraes, que era o prefeito, sancionou a lei. Então vem a via crúcis da rádio, cujo enredo já se conhece bem. o tempo foi passando, entrava prefeito e saía prefeito. Ocorreram modificações na lei", falou à época o decano da Câmara do recife

Grupos de Trabalho

Em fevereiro de 2014, foram implantados grupos de trabalho para elaborar propostas sobre os temas Gestão, Financiamento e Programação da emissora. A promessa, na época, era que a Frei Caneca estaria no ar até o final daquele ano.

Uma das participantes desta etapa foi a estudante de comunicação Eduarda Barbosa. Segundo ela, a última reunião foi realizada no primeiro semestre de 2015, e de lá para cá, os integrantes não tiveram mais nenhum tipo de informação quanto à concretização do projeto.

O jornalista Ivan Moraes Filho, integrante do Centro de Cultura Luiz Freire e participante do Fórum Pernambucano de Comunicação - Fopecom, acompanha o conturbado processo de instalação da rádio há dez anos e também fez parte dos grupos de trabalho. "Ao todo, foram feitas 16 reuniões, a última o ano passado. Desde 2014 que todo o projeto foi discutido e definido, inclusive, todas as documentações estão prontas para a licitação, mas não se coloca pra frente. Resumindo, falta priorização da demanda", avalia.

Falta a liberação de uma verba de aproximadamente R$ 260 mil para a realização da licitação para adquirir a antena e todo o equipamento da Frei Caneca. A sede, que ficaria pronta em setembro, localizada no bairro Recife antigo, ao lado do Paço do Frevo, também não foi concluída.

Ivan reclama da morosidade da gestão e aponta os principais impasses: "A rádio já tem sede, já tem canal, que era o maior problema das outras gestões. Na prática, só falta mesmo a prefeitura liberar os R$ 260 mil. Não vai ficar perfeita, ainda terá um longo caminho de contratações, adequações, editais de programas, mas ao menos entraria no ar". O jornalista também desabafa, reforçando que "O que a gente está querendo é comunicação pública de qualidade, com a possibilidade de o povo produzir e disseminar conteúdos através de radiodifusão".

LeiaJá também a série de promessas de abertura da Rádio Frei Caneca nos últimos anos:

>>Frei Caneca no primeiro semestre de 2014, garante Lessa<<

>>Rádio Frei Caneca deve ser implantada até o São João<<

>>Implantação da Frei Caneca começa com Grupos de Trabalho<<

>>Propostas para a Frei Caneca seguem para audiência pública<<

>>Audiência pública discute proposta da Frei Caneca<<

À frente dos grupos de trabalho e com a incumbência de colocar a Rádio Frei Caneca no ar, o gerente de Música da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR), Patrick Torquato, preferiu, em conversa por telefone, não se posicionar em relação à conclusão do projeto. O gestor afirmou que apenas o presidente da FCCR, Diego Rocha, poderia dar um posicionamento oficial em relação aos prazos.

Nos bastidores da gestão, afirma-se que a verba para a licitação ainda está presa na conta da gestão municipal, impedindo a aquisição dos equipamentos. Além disso, não há nenhuma previsão concreta sobre a data de inauguração da estação de rádio.

Em nota enviada pela assessoria de imprensa da Prefeitura do Recife, a gestão municipal afirma que "foi iniciado o processo de aquisição dos equipamentos de transmissão" da Frei Caneca. Os equipamentos e a antena ficarão no prédio que abriga a Sudene, na Zona Oeste do Recife. No entanto, não há nenhuma referência a datas ou prazos. As perguntas sobre o valor real do investimento para a instalação da Rádio e em que fase precisamente a licitação para aquisição dos equipamentos está não obtiveram resposta.

Também ficou sem resposta o questionamento sobre a versão online da Frei Caneca, que havia sido colocada experimentalmente no ar enquanto a FM não funcionasse, mas pouco tempo depois deixou de funcionar. O site que hospedava a transmissão, no entanto, permanece no ar com diversas informações.

Leia a íntegra da nota enviada pela prefeitura:

"Mesmo diante do cenário econômico, a Fundação de Cultura Cidade do Recife informa que está em  processo para colocar,  de fato, a Rádio Frei Caneca FM no ar. Foi iniciado o processo de aquisição dos equipamentos de transmissão que serão instalados no Prédio da Sudene, e, o mais breve possível, a Rádio estará operando."

Sem verba para a rádio, com verba para publicidade

Se falta verba para colocar no ar a rádio pública que espera há 55 anos para finalmente transmitir seus primeiros programas, a situação é diferente quando o assunto é publicidade. Nos anos de 2014 e 2015, a Prefeitura do Recife gastou R$ 19 milhões com inserções de propaganda na mídia. "R$ 250 mil não paga nem uma atração de Carnaval. Não paga nem dois anúncios de página inteira em jornal impresso local. É metade do preço do VT que a PCR fez pra divulgar o Carnaval", compara Ivan Moraes.

Ainda segundo ele, o valor que já foi gasto com publicidade daria para colocar e manter a Frei Caneca por um bom tempo. Entre os gastos com publicidades veiculadas estão: inserções em TV, Rádio, jornal impresso e mídias online. Confira todos os valores nos links:

Gastos em 2013

Gastos em 2014

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