Lenine e a música que vai além do puro entretenimento

Em entrevista ao LeiaJá, o cantor pernambucano falou sobre como busca navegar nos tempos modernos da indústria musical sem perder sua essência

por Ana Tereza Moraes seg, 11/12/2017 - 15:30

A indústria musical esta sempre passando por momentos de reinvenções. Atualmente, com os serviços de streaming se configurando como a principal plataforma de lucro e consumo desse universo da música, surge uma pressão por números de vendas e reproduções cada vez maiores. Na contramão desse processo, Lenine demonstra capacidade de resistir a esse novo modelo e, ainda sim, se manter atual e relevante. Enquanto o tempo acelera e pede pressa, ele se recusa, faz hora e vai na valsa, como canta nos versos de ‘Paciência’.

Com 58 anos de idade e mais de 30 de carreira, o cantor pernambucano admite estar justamente em um momento de questionamentos sobre seu trabalho, mas afirma estar encontrando seu próprio jeito de navegar nos tempos modernos da música. “Estou há mais de 30 anos fazendo isso, e então preciso descobrir maneiras que sejam estimulantes para continuar. Inclusive, o título do meu novo projeto é ‘Em trânsito’, pois é tudo transitório, e continuamos sempre no transitivo”, comenta, explicando um pouco do seu atual processo de criação:

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Em uma das canções do seu trabalho mais recente, ‘Carbono’, a letra já entoava o sentimento do músico: “É, eu ando em busca dessa tal simplicidade / É, não deve ser tão complicado assim / É, se eu acredito, é minha verdade / É simples assim”. Condizente com o que canta na música ‘Simples Assim’, Lenine observa: “A maneira artesã que eu sempre fiz meu trabalho continua válida. Quando eu faço um show e a pessoa vem me assistir, sinto que ela quer levar um pouco desse artesanato para junto dela, independente do formato físico de consumo”.

Além das apresentações em território nacional, o músico também costuma marcar presença em shows no exterior. Na última semana, se apresentou ao lado do maestro Martin Fondse, na Holanda, depois de uma passagem pela Bélgica. Diante de um público com pouco ou nenhum entendimento do que está sendo dito por ele no palco, Lenine aposta justamente no ‘artesanato’ por trás das suas performances, e busca se conectar com a plateia através dos sons.

“As palavras significam, mas os sons dão outros significados, e mesmo sem a compreensão literal da língua, as pessoas, através da minha música, sabem do que eu estou falando, o tipo de indignação que eu tenho”, relata. “Ela [a música] é como se fosse um esperanto. É uma linguagem universal que todo mundo entende. Então não precisa de palavras, não precisa de tradução. Ali é só música”, conclui.

As diferentes 'espécies' da música brasileira

Diante do atual cenário político-social do país, algumas pessoas manifestam sentir falta de músicas brasileiras mais reflexivas e críticas. Por outro lado, há uma nova geração de cantores que se esforça para trabalhar com canções nesse viés, mesmo que fora do cenário mainstream.

Questionado se há ou não uma carência no Brasil de letras mais aprofundadas, o cantor pernambucano faz uma análise do cenário nacional: “A música brasileira é um bicho com muitas cabeças, muitas pernas, quase uma anomalia. É um animal que a gente não sabe definir o que é. São muitas coisas, muitas expressões, e eu não ouso tentar defini-las. Apenas sigo fazendo parte de um grupo que compõe e faz músicas achando que isso pode ser alguma coisa além do entreter”.

Lenine ressalta ainda que sempre houve forte presença dos dois lados da moeda: a música como produto e como reflexão, e as classifica como “espécies diferentes”. “Em todo momento existiram canções que iam além do entreter e te levavam a aprofundar a psique, assim como sempre tiveram aquelas mais efêmeras, voláteis, e que daqui a um tempo as pessoas nem lembram, pois não foram uma alavanca pra você ou uma ferramenta para você se questionar e descobrir-se”, pontuou.

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