'Não vão nos calar', diz atriz trans que interpreta Jesus

Em entrevista ao LeiaJá, Renata Carvalho, do espetáculo 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo, a Rainha do Céu', falou de toda a polêmica em torno da peça, que foi retirada da programação do FIG

por Paulo Uchôa ter, 24/07/2018 - 18:54
Divulgação/Ligia Jardim Renata Carvalho atua há 22 anos Divulgação/Ligia Jardim

Depois que o espetáculo "O Evangelho Segundo Jesus Cristo, a Rainha do Céu" foi retirado da programação da 28ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), que começou na última quinta-feira (19), um movimento voluntário foi construído para que a exibição da obra teatral continuasse. Protagonizada pela atriz transsexual Renata Carvalho, a peça será encenada na próxima sexta-feira (27), mas a produção optou por não divulgar horário e local, evitando uma nova proibição e até mesmo em prol da segurança da equipe e do público.

Nas redes sociais, circularam mensagens de internautas contrários à peça, por não aceitarem que Renata interprete o papel de Jesus Cristo. Por isso, a produção do evento teme represálias, e para evitar transtornos, o público que comprou os ingressos receberá as informações sobre o local e horário momentos antes da encenação. 

Em entrevista ao LeiaJa.com nesta terça-feira (24), Renata, que atua há 22 anos, opinou com exclusividade sobre a polêmica envolvendo o monólogo no Agreste pernambucano. "Eu vejo isso com tristeza. É um ato de censura. A peça vem sendo atacada desde que estreou em agosto de 2016. Tudo isso porque Jesus pode ser a imagem e semelhança de todo mundo, menos de nós, de pessoas trans", disse. No último final de semana, Daniela Mercury defendeu a realização da peça, dizendo que a Constituição Brasileira não deve ser baseada na Bíblia.

Momentos antes de se apresentar no FIG, a cantora baiana entrou em contato com a atriz para saber dos detalhes que fizeram o espetáculo ser cancelado. "Ela quis saber de toda a história. A colocação dela no palco foi muito corajosa. Nós precisamos de artistas que se posicionem. A fala de Daniela foi importantíssima, e isso fortalece cada vez mais o movimento", declarou Renata.

Para Natalia Mallo, diretora da peça, a expectativa para a apresentação em Garanhuns é enorme. "Estamos animadas. A nossa presença nesse trabalho na cidade será muito importante, do ponto de vista simbólico, como uma reafirmação da liberdade e diversidade", disse, pontuando que a decisão de deixar de fora o espetáculo é uma violência de Estado.

Vetada pela Prefeitura de Garanhuns, juntamente com o Governo de Pernambuco, a peça vem enfrentado retaliações desde que foi anunciada como uma das atrações do FIG. Mesmo com toda a pressão instalada através de opiniões conservadoras, Renata Carvalho afirma que está revigorada.

"Estamos indo para Garanhuns com muito respeito e amor. A nossa arma é a arte. A degradação do Brasil não é moral. A degradação do país está na educação, saúde, de como esses políticos administram o dinheiro público. Para colocar uma cortina de fumaça nos assuntos relacionados à política, eles atacam os LGBTs e a arte, entre outros problemas que os brasileiros estão passando", comentou.

Após o espetáculo sofrer tentativas de proibições em São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul, a protagonista reforça que o preconceito não será motivo para a desistência dos sonhos que estão por vir. "Não vão nos calar. Já nos calaram durante décadas. Nossa voz é muito maior. O levante do bem é bem mais gigante do que o do mau. Nós temos muito mais pessoas ao nosso favor do que nos atacando".

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