Cultura alega que não ter Carnaval no Recife é excludente

Categoria foi ouvida em audiência na Câmara nesta quinta-feira

por Vitória Silva qui, 02/12/2021 - 17:00

O eixo artístico-cultural foi o primeiro a ser ouvido pela Comissão Especial da Câmara do Recife, que deve cuidar das diretrizes para a realização — ou não — do Carnaval e do São João na capital pernambucana em 2022. Além de, prioritariamente, cuidar da questão sanitária, os parlamentares criaram um momento de escuta para dar satisfações à categoria cultural sobre o que poderão esperar do ano que vem. O período de festividades corresponde à renda de muitos músicos, instrumentistas, artesãos, dançarinos e autônomos no geral, durante o primeiro semestre do ano. A reunião pública ocorreu no Plenarinho da Casa de José Mariano, a partir das 10h15 desta quinta-feira (2).

À ocasião, foi unânime entre os convocados o apoio à realização do carnaval e do São João. O setor pede que o Poder Público garanta uma resposta o mais rápido possível, uma vez que os preparativos para o carnaval já foram ou já deveriam ter sido iniciados, em alguns casos, e restam agora menos de três meses para o período tradicional de celebração nas ruas.

Os produtores e artistas, por outro lado, criticaram a disparidade no protocolo atual, que já permite eventos fechados com até 7.500 pessoas, mas cogita proibir completamente as festas de rua, que podem ser dinâmicas e atrair milhões, como no caso do Galo da Madrugada, ou pequenos grupos, como no caso de blocos de bairro. Para a categoria, afastar o carnaval de rua da população é excluir possibilidades de lazer e vivência da cultura popular da população mais pobre.

“É preciso que nós tenhamos condições sanitárias para isso [fazer o carnaval]. As festas privadas vão descaracterizar nosso carnaval. Pensem bem, pois sabe o que vai acontecer? Se fechar e fizer 'festinha' pra rico, o pobre vai invadir. Vai cair no colo de quem isso? Vai ser uma revolta popular muito grande. Estou muito triste com o que está acontecendo. Fomos tirados pra Cristo, o setor não aguenta mais”, compartilhou a cantora e instrumentista Bia Villa-Chan.

“Nós, que fazemos a cultura, somos mais humildes do que ricos. Quando a gente tem amor à cultura, a gente sai da nossa pra pegar patrocínio. Quando não consegue, fica preocupado, tira do bolso, numa situação ruim. Somos nós que representamos a história de Pernambuco, não é o governo, não. Somos nós que lutamos para levar o carnaval à periferia, que precisa de uma festa. Eu boto do meu dinheiro. Era para o governo estar com a gente. O imposto que a gente paga é interessante, a renda que a gente gera é de milhões. Com ou sem patrocínio, eu vou dar um jeito de botar o meu bloco na rua. Peço que vocês [vereadores] olhem por essa gente aqui”, complementou Saulo de Prazeres, suplente do Conselho de Cultura de Jaboatão dos Guararapes e fundador do bloco ‘As Virgens de Prazeres’. 

Apesar de não fazer parte dos contemplados pelas políticas debatidas na sessão, compareceu em solidariedade à categoria. 

Passaporte sanitário

Outro ponto debatido com prioridade pela comissão e convidados foi a vacinação e o passaporte sanitário. Para a maioria, a não exigência de vacinação para entrar no Brasil é um impasse na promoção das festas populares, e uma solução alternativa seria aplicar a medida a nível municipal ou estadual, preferencialmente. A tese foi defendida pelos vereadores Ivan Moraes (Psol) e Tadeu Calheiros (Podemos). 

“Quando chegar alguém de fora, só deve entrar com a vacina ou com o PCR. Tem que ter o carnaval. Se não tiver, eu digo a vocês, enquanto representante de uma classe, nós sinceramente vamos fechar as portas. Não temos mais condições de viver de auxílio, esse mini auxílio; inclusive nós, produtores, nem tivemos acesso ao auxílio, foi só para os artistas. O carnaval deve acontecer com toda a segurança, e como o secretário de saúde disse, que é preciso ter mais de 90% dos vacinados, e acredito que até fevereiro dá para ter”, continuou ‘Terezinha,’ representante dos forrozeiros e do Acorde. 

Para o cantor Gui Menezes, o Poder Público carece de entendimento das vertentes artísticas e falta reconhecimento da capacidade de planejamento do setor. Artistas e produtores poderiam, na opinião do vocalista, integrar o debate de forma mais colaborativa. O convocado também mencionou que o investimento em eventos públicos é alto, mas quase sempre a qualidade é baixa e isso impacta no lazer da população, além de poder ser o maior impasse sanitário na realização dos próximos eventos. 

Além disso, Menezes criticou a “política do assistencialismo”, inferindo que a gestão investe mais em políticas paliativas do que definitivas. “A gente não pode ficar à mercê do assistencialismo. Trabalho com 25 músicos, e cerca de 22 precisaram vender instrumentos [para conseguir dinheiro]. Precisamos parar com o assistencialismo e ir para o papel, para o que deve ser feito. Precisamos também de um plano de mídia, para orientar a população. Tudo que o prefeito fala hoje é baseado na fala de outras prefeituras; quero um plano de mídia, para ajudar a repensar o carnaval do Recife”, alegou. 

O Recife abriu, em julho deste ano, as inscrições para o auxílio municipal emergencial (AME) do São João, voltado para artistas, grupos musicais, quadrilhas e profissionais técnicos envolvidos em eventos do período junino que foram afetados pelo cancelamento dos festejos devido à pandemia da Covid-19. O benefício tem valor mínimo de R$ 1,5 mil e máximo de R$ 10 mil, com possibilidade de haver um adicional de 20% do valor quando declarada a existência de equipe técnica. 

O governo do estado também abriu inscrições no auxílio emergencial para artistas e grupos culturais afetados pelo cancelamento do São João. O benefício teve valores entre R$ 3 mil e R$ 15 mil. O auxílio é voltado para as atrações que foram contratadas pelo governo do estado nos ciclos juninos de 2018 e 2019. O público-alvo inclui quadrilhas juninas, cirandas, grupos de coco, xaxado, bacamarteiros, bois, trios de forró pé-de-serra, bandas de forró e artistas solo. 

São João 2022 

Um dos únicos representantes da categoria junina entre os falantes, o diretor da Federação das Quadrilhas, Bruno Soares, explicou aos convocados e vereadores que os mesmos trabalhadores que se empenham no São João, também participam de outros ciclos, como o carnavalesco e o natalino. Além disso, os ensaios das quadrilhas começam no mês de setembro e os grupos têm se organizado de forma independente, mesmo sem a garantia de que terão a oportunidade de trabalhar em 2022.

“Dentro do ciclo junino é interessante reconhecer o principal brinquedo popular do estado: as quadrilhas juninas; que fazem suas atividades e ensaios em espaços democráticos e que possuem impacto social. Elas precisam ser reconhecidas e foram fortemente impactadas pela pandemia. As quadrilhas começam a ensaiar em setembro, não em junho. É preciso pensar nessas pessoas. Essas pessoas são uma cadeia de artistas que vivem dessa cultura; são serralheiros, maquiadores, costureiras. As quadrilhas estão começando os seus ensaios e tentando lançar estratégias para lançar o processo artístico, e pra isso precisamos de uma comissão permanente. Essas pessoas também fazem danças e fanfarras, fazem o ciclo natalino; são grupos irmãos”, completou. 

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