Feministas propõem debate sobre figura e legado de Picasso

Ativistas descrevem o pintor como um "minotauro" e um "gênio violento" que destruiu a vida de suas companheiras

qua, 06/04/2022 - 09:29
- (Arquivo) O pintor espanhol Pablo Picasso em Vallauris (sul da França), em abril de 1949 -

O movimento #Metoo na França se volta, agora, para o artista espanhol Pablo Picasso, problematizado pelas ativistas feministas, que descrevem o pintor como um "minotauro" e um "gênio violento" que destruiu a vida de suas companheiras.

Esta é a tese de um podcast premiado, criando no ano passado por Julie Beauzac, formada em arte, que já teve mais de 250.000 downloads.

E também é a versão da jornalista Sophie Chauveau, que repetiu no podcast a visão apresentada no livro "Picasso, le Minotaure" ("Picasso, o minotauro", em tradução livre), de 2017.

O livro denuncia "o controle irresistível e devastador do gênio sobre todos aqueles que o amavam", explicou Chauveau à AFP.

Um gênio e, ao mesmo tempo, um homem "violento e destrutivo".

"Obviamente que o #MeToo afetou o artista, e este podcast prova isso", disse à AFP a nova diretora do Museu Picasso de Paris, Cécile Debray.

"O ataque é mais violento, porque Picasso é a figura mais famosa e popular da arte moderna. Um ídolo que deve ser derrubado", acrescentou, defendendo que "o tema deve ser abordado com muitas nuances e prudência".

Já o Museu Picasso de Barcelona entrou no caminho de revisão da figura do artista. A instituição acaba de concluir a oficina "Reduzir a libido do minotauro: confrontamos a masculinidade picassiana" e também prepara um simpósio internacional sobre o tema para o mês de maio.

"Esta reflexão sobre Picasso, e o olhar feminista, ou feminino, sobre sua obra são um debate eminentemente atual, que não deve ser evitado e que não deve virar uma caricatura", disse o diretor da instituição, Emmanuel Guion, à AFP.

Ao mesmo tempo, "é importante procurar pessoas competentes" para guiar esta discussão, completa.

Picasso teve oito relacionamentos mais ou menos longos e estáveis. Duas dessas companheiras, Marie-Thérèse Walter e Jacqueline Roque, cometeram suicídio, anos após a morte do pintor.

As mulheres estimularam as transições artísticas de Picasso, encorajando-o a buscar novos rumos, os quais marcaram, por sua vez, a história da arte contemporânea, segundo especialistas.

Picasso conquistou mulheres jovens, mas as acusações de abuso são "afirmações sem referências históricas, aproximadas e anacrônicas", afirma Debray.

"Picasso praticamente não deu entrevistas e, certamente, nenhuma sobre sua vida pessoal", lembra Olivier Picasso, neto do artista, à AFP.

"É por meio das obras que podemos traçar o roteiro afetivo, com obras mais violentas, outras mais ternas", explica.

Em 1907, por exemplo, Picasso pintou um retrato da colecionadora e escritora Gertrude Stein, que incentivou Picasso quando ele tinha 19 anos e era desconhecido em Paris. Stein era lésbica, e seu retrato foi um autêntico parto artístico para Picasso.

A tese do professor americano Robert Lubar, da Universidade de Nova York, que participou de cursos do Museu Picasso de Barcelona, é que o artista não conseguia pintar uma personagem muito forte para ele, a antítese da mulher como objeto de contemplação artística, ou de posse sexual.

Esta luta "revela o confronto ansioso do artista (...) com a questão da diferença sexual", explicou Lubar em um ensaio de 1995, considerado um dos pontos iniciais da atual revisão histórica de Picasso.

Para outros especialistas, porém, como o artista e biógrafo Gilles Plazy, o retrato foi apenas uma luta interna, exclusivamente artística, de Picasso. Nessa abordagem, ele não conseguia pintar o rosto de Stein, porque sentia que precisava mudar de rumo.

Foi depois deste quadro que Picasso produziu uma de suas obras mais famosas: "As senhoritas de Avignon" (1907), um retrato de um grupo de prostitutas que explodiu no cenário de arte e deu espaço ao cubismo.

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