Em meio ao lixo, vive ‘guardiã dos pombos’ do Centro

Mulher alimenta centenas das aves na Praça Maciel Pinheiro e redondezas, expondo-se a grande perigo manuseando-lhes com as próprias mãos; há risco de mais de 72 doenças por contaminação

por Marília Parente ter, 09/01/2018 - 08:00
Marília Parente/LeiaJá Imagens Mulher também alimenta as aves na Igreja do Pátio de Santa Cruz, na Sete de Setembro e perto do Shopping Boa Vista Marília Parente/LeiaJá Imagens

Inaugurada no dia 7 de setembro de 1876, no Centro do Recife, a Praça Maciel Pinheiro, cuja fonte de mármore foi esculpida pelo artista Antônio Moreira Ratto, em Portugal, é uma comemoração nacionalista ao triunfo do Brasil na Guerra do Paraguai. Ironicamente, foi ali que uma mulher de 67 anos se instalou para, em suas palavras, “cuidar dos pombos”. Ela empilha caixas de papelão debaixo do jorro d’água, onde acomoda as aves que considera doentes, e transita livremente pela água suja para chegar ao calçamento onde alimenta e dá de beber a centenas delas. 

“Ela tem problemas mentais, sempre está aqui”, afirma um transeunte. Com discurso desconexo e voz bastante rouca, a mulher alega que é veterinária aposentada, reside em uma casa na Rua da Conceição e vai à Praça Maciel Pinheiro pelo menos quatro vezes por dia. “Se não der comida, os pombos morrem de fome. Tem que zelar pela natureza. Criei eles desde novinhos, cada um bonito. Muita gente mata e estupra. Eles morrem e eu lavo o sangue”, afirma. Além de alimentar centenas de pombos na Praça Maciel Pinheiro a mulher garante fazer o mesmo em outros locais do centro. “Alguns ficam me esperando na Igreja do Pátio de Santa Cruz, na Sete de Setembro e perto do Shopping Boa Vista". 

Mulher aplica pomada em pombos doentes com as próprias mãos. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Despercebida pela maioria das pessoas que circulam pela Maciel Pinheiro, a mulher trata as feridas dos pombos com pomada e água e usa uma sacola na cabeça para evitar molhar o rosto, embora suas roupas estejam costumeiramente ensopadas. “Os pombos são mais limpos que nós. Somos podres”, responde ao ser questionada a respeito das condições de higiene em que convive com os animais. 

De acordo com o mestre em aves da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Jonathas Lins de Souza, o contato intenso da mulher com os pombos a expõe ao risco de contaminação por mais de 72 doenças. “Estas aves podem transmitir enfermidades como criptococose, histoplasmose, ornitose, salmonelose, toxoplasmose, encefalite, dermatites, alergias respiratórias e tuberculose aviária. Vale lembrar que os idosos são ainda mais suscetíveis a contrair estes males”, comenta. 

Exposta à água suja da Praça Maciel Pinheiro, mulher acomoda aves em caixas de papelão debaixo da fonte de mármore. (Marília Parente/LeiaJá Imagens)

O pombo doméstico não é nativo das Américas. A espécie chegou ao país trazida pelos europeus no século XVI, tendo se adaptado bem às grandes cidades. “São aves que procuram lugar propício à alimentação e à reprodução. Como comem quase tudo, um local sujo vai proporcionar muita coisa. Assim, a grande quantidade de pombos no Centro do Recife se deve ao acúmulo de detritos na área”, completa Jonathas.    

Assistência

Por meio de nota, a Secretaria de Saúde do Recife informou que o serviço de assistência para pessoas com transtornos mentais é feito de maneira integrada “através de ações conjuntas e complementares envolvendo os equipamentos do Consultório na Rua, CAPS, Serviço Especializado de Abordagem Social, Centro Pop. Ao realizar a abordagem, e identificar que tipo de cuidado/ necessidades dessa  pessoa, a equipe traça o projeto terapêutico, identificando as estratégias de intervenção que melhor se adeque: equipamentos de saúde (USF/US, policlínica, CAPS, unidades de urgência e emergência), parceiros intersetoriais como a Assistência Social, Educação, Justiça, entre outros”.

De acordo com a Coordenadora do Consultório na Rua, Brena Leite, a mulher abordada pela equipe do LeiaJá na Praça Maciel Pinheiro já é conhecida da equipe técnica e resistiu aos primeiros contatos. Mais uma tentativa de abordagem está agendada para esta semana. “A gente começa uma intervenção levantando as necessidades da pessoa. Não retiramos da rua,  oferecemos assistência no local. Se há desejo de saída, buscamos informações, solucionamos conflitos familiares e até, de forma articulada, buscamos abrigos”, afirma. 

Consultório na Rua 

Caso localize pessoas com transtornos mentais em situação de rua, o cidadão pode notificar o Consultório na Rua, através do telefone 3355-2810. São duas equipes compostas psicólogos, assistentes sociais e redutores de danos, que têm por objetivo lidar com os diferentes problemas e necessidades de saúde da população em situação de rua, dentre os quais também estão as demandas relacionadas ao álcool e outras drogas. 

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