Ex-motociclista reaprende a andar após sofrer amputações

Após acidente em que perdeu um braço e uma perna e sobreviveu a três paradas cardíacas no hospital, Hugo Barboza Santana, 26, ganhou concurso e recebeu uma prótese

por Eduarda Esteves qui, 18/04/2019 - 10:58

Após os oito meses mais difíceis e cansativos de seus 26 anos, o pernambucano Hugo Barboza Santana deu o que seria seu último pulo, literalmente. Foram muitos dias apoiando todo o peso de seu corpo em uma única perna, saltando de um canto para o outro, sem se importar com a distância. Hugo desafiou seu próprio senso de equilíbrio e embarcou sozinho no Aeroporto Internacional do Recife com destino a Belo Horizonte.

Ele foi o escolhido para receber uma prótese de perna após participar de uma seleção feita pela modelo Paola Antonini. Hugo preferiu não incomodar ninguém e decidiu que faria a viagem sozinho. Também nunca gostou de cadeira de roda ou muletas. Para ele, os saltos para se locomover o colocavam mais perto da independência física.

No dia 29 de julho de 2018, um domingo, o sol estava quente. Hugo combinou com os amigos de ir passar o dia na praia de Maria Farinha, litoral norte de Pernambuco. Após o dia de lazer, já era fim de tarde e ele retornou para casa em sua motocicleta e não se lembra do que aconteceu depois.

A família relembra que ele e mais uma jovem na garupa passavam pela Avenida Doutor José Gueiros Leite, bairro do Janga, em Paulista, com destino a cidade de Olinda, onde mora com os familiares. Um veículo que trafegava na direção contrária tentou fazer uma ultrapassagem e acabou colidindo com a moto de Hugo.

Sete dias após o trágico acidente, Hugo acordou e se deu conta do que tinha acontecido. Ele perdeu muito sangue, sofreu graves lesões, fraturas expostas e sobreviveu a três paradas cardíacas. No processo para salvar a vida dele, os médicos precisaram amputar o braço e a perna esquerda.

“Eu não me lembro de nada do que aconteceu. Me disseram que passei sete dias entubado. Quando acordei, eu vi as amputações. Eu só me via em um buraco negro, não tinha chão, nem rastro. Era como se eu não soubesse um jeito de sair de lá. Essa fase do hospital foi a mais difícil porque eu corri muito risco de morte devido a gravidade das amputações”, conta Hugo. Ao todo foram 52 dias internado entre a vida e a morte. O apoio dos familiares e amigos foi essencial, avalia o jovem.

De acordo com dados do Comitê Estadual de Prevenção aos Acidentes de Moto, referentes à urgência do Hospital da Restauração, 1 em cada 9 acidentados com moto tem pé amputado ou fica paraplégico no Recife. Estatísticas também revelam que a cada 2 horas, sete pessoas sofrem um acidente de moto em Pernambuco.

Ao todo foram 52 dias internado entre a vida e a morte. O apoio dos familiares e amigos foi essencial, avalia o jovem. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Após ter alta do hospital, o primeiro desejo dele era conseguir uma prótese para a perna. Ele explica que antes do acidente, o assunto sobre deficiência física era muito aleatório em sua vida. Ele não tinha convívio com pessoas amputadas e nem conhecimento de como tentar melhorar a qualidade de vida. “Não fazia ideia de como uma prótese era cara, mas eu precisava de uma e fizemos a vaquinha online”, relembra.

A ideia da campanha era arrecadar o dinheiro para ajudar no pagamento da prótese, mas após alguns meses, a família de Hugo não conseguiu a quantia necessária para a compra. “Eu não desisti, continuei pulando pelos cantos. Fazia passeios, ia para festas e eventos. Coloquei na cabeça que ou eu me entregaria para a morte ou ia lutar para continuar vivendo a minha vida”, destaca.

Em outubro, ele encontrou na Internet a campanha da modelo Paola Antonini em parceria com a empresa Ossur, especializada em produção e venda de componentes para próteses. Paola também precisou amputar a perna após ser atingida por um veículo descontrolado, em 2014. A ideia da iniciativa seria doar uma prótese para uma das histórias.

O anúncio foi feito na véspera de Natal de 2018. O dia 24 de dezembro foi inesquecível para Hugo Barboza. “Me inscrevi, gravei alguns vídeos e contei um pouco do meu processo de recuperação. Elaboramos tudo e enviamos para a Paola no intuito de concorrer com as outras pessoas do brasil. Eu passei o dia muito nervoso, esperançoso. Não só eu, como meus amigos e familiares. Muita fé e confiança. Eu acordei agoniado porque já estava esperando o resultado. Estava no telefone e de repente recebi uma notificação do Instagram. Quando olhei a notícia que eu tinha sido o vencedor do concurso, nem acreditei”, detalha.

Uma semana após viajar para a cidade de Belo Horizonte para buscar a prótese e passar pelo processo inicial da adaptação, Hugo retornou ao Recife e o LeiaJá acompanhou o primeiro passeio sozinho pelas ruas de seu bairro, em Olinda. Antes ganhar a prótese, Hugo precisava ir pulando para o treino, na academia. Agora, os passos são mais lentos por causa do novo membro em seu corpo, mas ele é tranquilo ao afirmar que cada corpo se adapta de uma forma diferente e esse processo pode levar alguns meses.

Na primeira imagem, Hugo com amigo em corrida no Recife. Na outra, ele em uma festa antes de ganhar a prótese. Fotos: Arquivo Pessoal

Ele é morador do quarto andar e o prédio onde mora não tem elevador. Hugo faz questão de descer as escadas sozinho e tenta se equilibrar até ganhar mais confiança. “Eu sempre fui muito inquieto, era uma pessoa muito ativa. Gostava de estar em contato com a natureza, participando de eventos e praticando esportes. Hoje tudo para mim agora é novidade, desde o primeiro processo de encaixar a prótese até os primeiros passos. Me sinto um vitorioso, acordo querendo buscar a minha liberdade”, comenta, orgulhoso de em menos de um ano superar tantas dificuldades.

Antes do acidente, Hugo trabalhava como autônomo, na área da venda de roupas e acessórios. Atualmente, ele não consegue realizar as entregas porque fazia isso com a sua moto, mas ainda trabalha no mesmo ramo com a ajuda de amigos. “Meu foco agora é total na minha saúde, quem sabe no futuro eu pense em estudar, trabalhar com outra coisa”, avalia.

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A academia funciona como válvula de escape e local onde o jovem pode fortalecer ainda mais os músculos, além de trabalhar o equilíbrio. O tratamento de Hugo tem sido feito com o amigo que ele considera um irmão,  educador físico Erick dos Anjos, 24. Ainda quando não tinha a prótese, Hugo conseguia se adaptar ao treino apenas pulando. Em seu primeiro dia na academia, ele opta por ir ao seu limite. Sempre em busca de sua melhor versão.

O personal observa a garra do amigo e explica que o seu trabalho visa a longevidade funcional e objetivo é a qualidade de vida. “Aqui a gente busca devolver a independência que Hugo tanto quer”, comenta. Para ele, encontrar o amigo no hospital foi um choque. “Nunca imaginei que uma pessoa tão próxima e amada fosse me fazer sentir isso, foi um baque. Só comecei a pensar como profissional quando ele começou a dar respostas que não ia desistir dessa vida. Me deixou feliz passar por essa experiência profissional com uma pessoa que amo”, resumiu Erick.

Erick auxilia Hugo no primeiro treino na academia após a prótese. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Hugo já participou de corridas e ainda não dá certeza se quer investir no esporte para construir uma nova carreira. O momento de agora é de aprender a andar novamente. “Aqui a gente faz a adaptação de exercícios, ele vem treinar todos os dias querendo melhorar. Hugo é um cara que nunca está satisfeito com o que pode fazer, inquieto. Acredito que com a prótese tudo será normal de novo. Eu até subestimei ele internamente, pensando que ele não iria conseguir. Ele me mostrou o oposto. Tento colocar na cabeça dele que ele perdeu um acessório. Um deles foi reposto agora e a vida vai seguir”, finaliza Erick, ansioso para estrear a prótese do amigo em uma festa no fim de semana.

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