Após entrevista ao LeiaJá, camponês é preso em Jaqueira

Ernande Vicente da Silva figura entre os dez trabalhadores jurados em morte no Engenho Fervedouro, na Mata Sul de Pernambuco

sab, 22/08/2020 - 17:56
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Ernande vive das colheitas de um sítio localizado em Fervedouro Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O agricultor Ernande Vicente da Silva foi preso na última sexta (21), no Engenho Fervedouro, na cidade de Jaqueira, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. A ação ocorre depois que o trabalhador participou da denúncia publicada pelo LeiaJá de que existe uma lista de morte com os nomes de dez agricultores residentes no engenho, incluindo o dele, que seria de autoria da Agropecuária Mata Sul S/A, rendeira das terras, com a qual a comunidade de posseiros segue em situação de conflito fundiário. Na sexta, também foi feita uma representação pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em parceria com outras entidades, contra o delegado titular de Jaqueira, Flávio Marcel Sorolla.

Ernande está preso na delegacia de Ribeirão, cidade vizinha. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Civil. Até o fechamento da matéria, não havia qualquer boletim de ocorrência apontando o motivo da prisão de Ernande.

Representação

Na representação contra o delegado, as organizações pedem providências relativas "às transgressões funcionais e ilícitos penais e administrativos cometidos na condução do Inquérito Policial n 02013.0085.00016/2020-1.3, representação eventualmente extensiva aos demais Delegados de Polícia e aos outros integrantes das Polícias Civis e Militar, na hipótese de as apurações indicarem terem planejado e participado, com dolo, das ilegalidades cometidas e articuladas pelo representado”, diz o texto.

No documento, é dito ainda que Sorolla teria atentado "contra os direitos constitucionais e legais dos agricultores (as); descumprido os "deveres legais dos policiais civis" e favorecido "a empresa Agropecuária Mata Sul- AMS, se omitindo de apurar as agressões e violências praticadas contra os agricultores".

Atentados

Em seu registro na Receita Federal, a Agropecuária Mata Sul S/A, declara como seus representantes Regina Celia Giovannini Lima Torres e José Syllio Diniz Araújo, ambos identificados como diretores. De acordo com a comunidade, contudo, quem costuma circular pelas terras se dizendo responsável pela empresa é Guilherme Maranhão, membro de uma família tradicional da região e irmão do prefeito de Ribeirão, Marcello Maranhão (PSB). Ernande foi um dos nove agricultores que registraram, em boletim de ocorrência, no dia 24 de abril, uma tentativa de atropelamento que teria sido praticada por Guilherme. “Eu estava com mais 15 agricultores, na beira da pista, quando ele avançou com seu carro para cima de nós. A gente pulou, tirou o corpo, e ele voltou de marcha ré e tentou de novo”, contou o trabalhador.

Prisões de camponeses vem se tornando comuns em Fervedouro. Também entrevistado pelo LeiaJá por estar jurado de morte, o camponês José Severino Elias da Silva, chegou a ser preso, sob acusação de tráfico de drogas e porte ilegal de armas. A comunidade diz que nunca teve histórico de tráfico. “Na delegacia, perguntei o porquê de estar sendo preso. Me disseram que eu vendia drogas e negociava armas no meu bar. Nunca tive bar, droga ou arma. Um pai de família preso na frente da esposa e dos netos, algemado, uma vergonha para mim”, lamentou Branco.

Por volta das 18h do dia 16 de junho, Edeilson Alexandre Fernandes da Silva, outro dos moradores de Fervedouro a constar na lista, foi atingido por sete tiros enquanto trafegava de moto em uma das pistas próximas ao engenho e só sobreviveu porque conseguiu pilotar até a comunidade, onde foi socorrido. Ele segue internado em estado grave, em um hospital da região. “Neste dito dia, estava circulando aqui no Engenho uma SW4 [carro de luxo, fabricado pela montadora Toyota] preta, de propriedade do senhor Guilherme, eu vi e pulei um muro. Ele passou por mim balançando a cabeça, como quem diz, ‘tu é o próximo’. Quando foi de tarde, Edeilson foi baleado. Pura coincidência?”, questionou Ernande.

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