Médicos são acusados de falso diagnóstico de glaucoma
Clínica localizada em Guanambi, na Bahia, também fraudava exames, indicava medicamentos sem necessidade e fazia consultas sem a estrutura adequada
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação penal contra três médicos e o secretário de Saúde de Guanambi, na Bahia, por estelionato e falsificação de dados no Projeto Glaucoma, financiado pelo Ministério da Saúde, com recursos do SUS (Sistema Único de Saúde). Na denúncia, recebida pela Justiça Federal na primeira semana de novembro, os médicos são acusados, ainda, de lesão corporal culposa e entrega de substância nociva à saúde, ambos cometidos contra pacientes.
Segundo apurado pelo MPF, entre 2013 e 2017 a clínica que é alvo da ação – com sede em Salvador e filiais em outros municípios baianos – esteve cadastrado no Projeto Glaucoma e chegou a receber R$9,4 milhões do SUS para atendimentos em Guanambi e em outros 30 municípios próximos.
Porém, conforme demonstrado na denúncia, os médicos responsáveis colocaram em risco a saúde de pacientes, descumprindo diversos requisitos da Política Nacional de Atenção Oftalmológica e inserindo dados falsos no sistema do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Essa atuação criminosa só foi possível com a postura omissa e conivente adotada pelo secretário municipal, responsável por credenciar, regular, controlar e avaliar a empresa; e responsável também por reportar ao Ministério da Saúde ilegalidades encontradas, podendo inclusive suspender ou rescindir o contrato, mas nada disso foi feito.
Falso diagnóstico de glaucoma
A ilegalidade provocava, ainda, a produção de falsos diagnósticos de glaucoma em muitos pacientes e, consequentemente, a distribuição desnecessária de colírios. Nas investigações, das 55 pessoas ouvidas pelo MPF que foram atendidas pela filial da clínica em Guanambi, oito (14,5%) tiveram falso diagnóstico de glaucoma. De acordo com a apuração do MPF, os colírios para tratamento de glaucoma possuem contraindicações graves e podem causar danos à saúde de quem deles faz uso, especialmente quando não são necessários, o que configura, segundo a denúncia, ofensa à saúde.
Atendimentos em estrutura inadequada
Apesar de estar previsto no regulamento do Projeto Glaucoma e no contrato firmado com a clínica denunciada que os atendimentos deveriam ser realizados em unidades especializadas em Oftalmologia, eles eram feitos em regime de mutirões, em galpões, escolas e igrejas. Além disso, a quantidade de atendimentos era incompatível com a capacidade da clínica. Disponibilizando apenas um médico para atender em dois dias da semana, a clínica poderia realizar 317 consultas por mês, mas realizava um número cinco vezes maior, uma média de 1.731 consultas.
Imposição de colírios de alto custo
O protocolo do Ministério da Saúde estabelece, como regra, nos casos de glaucoma, o uso de colírio de 1ª linha (de baixo custo), passando para o de 2ª (de custo médio) e em seguida para o de 3ª (de custo alto) somente após constatação de que o anterior não surtiu efeito. Contudo, os médicos denunciados orientavam os prestadores de serviço da clínica a prescrever sempre o colírio de valor mais alto, sem considerar as necessidades do paciente. Para o MPF, o objetivo era aumentar ilicitamente os rendimentos da empresa, pois o colírio de 3ª linha possibilitava a maior margem de lucro (aproximadamente 70%) na compra junto aos fornecedores.
Fraude em exames
Segundo o Projeto Glaucoma, o valor da “consulta oftalmológica com realização dos exames de tonometria, fundoscopia e campimetria” era de R$57,74, e o da “consulta oftalmológica e os exames de fundoscopia e tonometria”, era de R$17,74. A clínica realizava o atendimento simples e cobrava pelo outro, ganhando ilicitamente R$40,00 por consulta. Considerando que em um dia de mutirão eram realizadas em média 250 consultas, a empresa conseguia em um só dia o faturamento indevido de R$10mil, isso sem contar o valor das prescrições indevidas dos colírios de 3ª linha.
Pedidos – O MPF requer a condenação de todos pelos crimes de estelionato e de inserção de dados falsos em sistema de informações (artigos 171 e 313-A do Código Penal). Requer, ainda, a condenação dos três médicos pelos crimes de lesão corporal e de entrega a consumo de substância nociva à saúde (artigos 129 e 278 do Código Penal).
Com informações da assessoria do MPF