'Domínio do Taleban foi planejado', diz Whitlock
Para Whitlock, o poder bélico do Taleban e o despreparo das forças afegãs eram conhecidos dos EUA e da Otan
A tomada de Cabul pelo Taleban ontem de uma forma muito rápida não chegou a ser grande surpresa para as autoridades americanas, segundo o jornalista Craig Whitlock. Autor do recém-lançado The Afghanistan Papers: A Secret History of the War (Os documentos do Afeganistão: uma história secreta da guerra, em tradução livre), Whitlock deu entrevista ao Estadão na última sexta-feira (13). Para ele, o poder bélico do Taleban e o despreparo das forças afegãs eram conhecidos dos EUA e da Otan.
Como os rebeldes conseguiram organizar essa ofensiva tão rápido e vencer as forças afegãs que receberam recursos e treinamento dos EUA?
Duas respostas rápidas para isso. O Taleban é mais forte e mais inteligente do que nós pensávamos e se preparou para este momento. E as forças de defesa do Afeganistão são muito piores do que se sabia. Os EUA sabiam que o Taleban teria vantagens, mas nem por um momento imaginaram que o Exército e a polícia entregariam as armas e se renderiam tão rápido, quase sem oferecer resistência. O governo americano e seus aliados gastaram bilhões de dólares criando um Exército de mentira. No papel, deve haver 350 mil homens entre militares e polícia, mas na realidade há, talvez, metade disso. Ao mesmo tempo, é evidente que o Taleban planejou este momento. O acordo para retirada das tropas americanas foi feito na administração Trump e o grupo sabia que este dia estava chegando. Quando os americanos finalmente começaram a retirada, por volta de julho, eles aproveitaram o momento. O domínio do Taleban parece ter acontecido muito rápido, mas eles se planejaram para isso. É exatamente o desfecho que queriam. Não foi da noite para o dia.
No livro, o sr. sustenta que os presidentes americanos do período e seus oficiais militares distorceram a verdade sobre a guerra para o público geral. O que o levou a essa afirmação?
Infelizmente há uma distância muito grande entre o que os líderes americanos disseram em público ao longo dos anos e a verdade. Nós obtivemos uma série de documentos públicos contendo depoimentos de uma série de autoridades, nos quais elas admitiam que o que era dito em público era muito diferente do que era discutido internamente. Ao mesmo tempo em que os generais iam a público dizer que estavam vencendo a guerra, em mesas diplomáticas ou encontros reservados, eles diziam exatamente o oposto. Presidentes disseram estar colaborando com o treinamento e o equipamento das forças de segurança afegãs, que elas estavam evoluindo, mas o que o livro mostra é que os militares americanos responsáveis pelo treinamento sabiam que os recrutas afegãos eram horríveis: não sabiam ler, não sabiam contar, desertavam o tempo todo, não tinham motivação, não recebiam bem e seus comandantes os agrediam brutalmente. E isso aconteceu nos governos Bush, Obama e Trump.
No começo, a guerra teve um apoio popular muito grande, após o 11 de Setembro. Qual foi o momento da virada?
Eu acho que isso aconteceu gradualmente, a partir do governo Obama. Em 2014, houve uma cerimônia da Otan em Cabul, na qual Obama e seus generais declararam o fim da guerra. Apesar dos discursos, o que houve foi uma espécie de ilusionismo. Enquanto diziam que a guerra acabou, mantinham as tropas no país. Neste ponto, percebemos que as pessoas cansaram de tudo.
Podemos dizer que a presença dos EUA e seus aliados no Afeganistão por um período tão longo fragilizou as instituições?
Eu acho que uma das conclusões apresentadas no meu livro é que (a intervenção prolongada) não tinha como dar certo. Se sabia há 10 ou 15 anos que essa estratégia não iria funcionar. Que o governo afegão é excessivamente corrupto e as forças de defesa são incompetentes. Em resumo, que não tinha como durar no longo prazo.
O sr. cobre o tema no The Washington Post. O que os repórteres lá têm relatado?
É um cenário pessimista. O Taleban tem trabalhado sua imagem pública, mas a realidade ainda é de um movimento muito brutal e fundamentalista. Eles têm uma visão muito ultrapassada sobre religião e sociedade.
Grupo expulsou russos do país
1. O que é o Taleban?
O Taleban chegou ao poder no Afeganistão na década de 1990, formado por guerrilheiros que expulsaram os soviéticos na década anterior com o apoio da CIA. O Taleban tem uma agenda local, com a ambição de transformar o Afeganistão em um Emirado Islâmico. Apesar de ter apoiado a Al-Qaeda no passado, os taleban não tem ligação com o Estado Islâmico, que possui uma agenda global.
2. Como ele é financiado?
Parte do dinheiro vem do comércio de ópio e do tráfico de drogas ou de outros crimes, como o contrabando. O grupo tributa e extorque fazendeiros, além de outros negócios. Os militantes também se envolvem em sequestros para obter resgate.
3. Quem é o líder?
Mawlawi Hibatullah Akhunadzad foi nomeado Comandante Supremo do Taleban em 25 de maio de 2016, depois que Mullah Akhtar Mansour foi morto em um ataque de drones dos EUA.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.