A grande mesa de Putin: precaução ou sinal de isolamento?

O Kremlin explicou que esta precaução sanitária é adotada para qualquer convidado estrangeiro que recuse um teste de covid-19 efetuado por um médico russo

ter, 15/02/2022 - 14:40
Divulgação O presidente da França Emmanuel Macron (dir.) em reunião com seu colega russo, Vladimir Putin (esq.) Divulgação

Oval e retangular, uma mesa muito longa se interpõe entre Vladimir Putin e seus interlocutores, uma precaução sanitária que reforça a impressão de um presidente da Rússia alheio ao mundo, em plena crise ucraniana, e que alimenta as brincadeiras na internet.

Durante uma reunião nesta terça-feira (15) no Kremlin, Putin e o chanceler da Alemanha Olaf Scholz apareceram sentados cada um em um extremo de uma mesa branca, de vários metros de comprimento, e já familiar para os observadores da Rússia.

A cena reproduz o ocorrido na semana passada com o presidente francês Emmanuel Macron. O Kremlin explicou que esta precaução sanitária é adotada para qualquer convidado estrangeiro que recuse um teste de covid-19 efetuado por um médico russo.

Essas cenas, incomuns nas reuniões de alto nível, ilustram a magnitude das precauções tomadas pelo chefe de Estado russo, de 69 anos, para evitar a infecção pelo coronavírus. Mas também são percebidas por alguns como o sintoma de um dirigente cada vez mais distante e isolado, cujas intenções sobre a crise ucraniana são indecifráveis.

Na segunda-feira, Putin também impôs essa mesma distância a seu ministro de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, e ao ministro da Defesa, Sergei Shoigu, um de seus amigos com os quais costumava passar férias. Ambos se viram obrigados a se sentar a vários metros do presidente, durante reunião dedicada à Ucrânia.

'Solidão'

Ao ver estas fotos, "é evidente que [Putin] está cada vez mais sozinho" estima o cientista político independente Konstantin Kalatchev. "Esta solidão é óbvia: ele não se importa com o que os demais pensam sobre ele", acrescenta.

Perguntado a respeito, o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov disse nesta terça-feira que as medidas eram "provisórias" e relacionadas com o "pico da onda" da variante ômicron, que é bastante contagiosa e muitas vezes assintomática. "Não há nada terrível ou extraordinário. Nestes tempos, é necessário tomar medidas um pouco especiais", relativizou Peskov.

De fato, o presidente russo está imerso há vários meses em uma bolha sanitária, que parece mais hermética que as que protegem outros dirigentes do mundo. E tudo isso ocorre depois que Putin não impôs nenhum lockdown na Rússia desde meados do primeiro semestre de 2020, com o objetivo de preservar a economia e apesar dos mais de 700.000 mortos pela pandemia no país, segundo a agência de estatísticas Rosstat.

Por outro lado, as delegações estrangeiras e os jornalistas que querem comparecer ao Kremlin devem se submeter a três testes PCR nos quatro dias precedentes.

E os dirigentes estrangeiros que visitam a Rússia e querem proximidade física com Putin devem aceitar que um médico do Kremlin enfie um cotonete em seu nariz. Caso contrário, devem se contentar com uma cadeira no extremo de uma longa mesa.

Memes

Tudo isso gerou uma avalanche de comentários humorísticos nas redes sociais, compensando as tensões em torno da Ucrânia, uma crise que desperta o espectro da guerra na Europa.

O presidente russo cultiva a imagem de homem forte, mas os "memes" da internet que antes o mostravam montado em um urso, deram lugar àqueles que sugerem a uma loja de móveis famosa a criação de um modelo de mesa longa batizado de "Putin", ou os que mostram a mesa do Kremlin como uma gangorra de um parque infantil ou uma pista de patinação.

Com essas fotos, Vladimir Putin "corre o risco de parecer ridículo" opina o especialista Konstantin Kalatchev. Até mesmo o líder húngaro Viktor Orban, aliado europeu de Putin, brincou durante uma visita ao Kremlin no início de fevereiro, "dizendo que jamais teria visto uma mesa tão grande", relata o cientista político.

Além disso, o próprio Kalatchev faz piada ao afirmar que as fotos "deveriam tranquilizar todo o mundo, pois é improvável que uma pessoa que cuida tanto de sua saúde seja responsável por desencadear a terceira guerra mundial".

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