Chapéu de Palha: o programa que marcou governo Arraes

O programa perpetua até hoje uma admiração dos trabalhadores rurais com o político. Já a versão atual do Chapéu de Palha rende críticas a Paulo Câmara

por Giselly Santos qui, 15/12/2016 - 08:03

As três passagens do ex-governador Miguel Arraes pela administração estadual deixaram marcas em Pernambuco que duram até hoje. Uma delas é o programa Chapéu de Palha, resultado de articulações firmadas entre o político e trabalhadores rurais, criado na década de 80 para garantir alternativas de renda durante a entressafra da cana-de-açúcar.

Na época, a indústria canavieira protagonizava uma porcentagem significativa da economia no estado empregando pernambucanos, na maioria das vezes com baixa instrução educacional, o que dificultava a conquista de outras forças de trabalho durante o período de seis meses que as usinas não moíam.  

“Arraes foi um dos primeiros a reconhecer que o estado deveria criar um programa para este seguimento. A iniciativa, na época, foi recebida com euforia pelos trabalhadores que passavam por situações precárias. Criou uma animação na Zona da Mata e nas outras cidades que abrigavam as usinas”, lembra o presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (Fetape), Doriel Barros.

“Ele já tinha feito antes o acordo do campo, reunindo os patrões, usineiros e trabalhadores, e ao criar o programa ganhou um respeito maior ainda dos trabalhadores que passaram a se referir a ele como pai”, acrescentou. O Acordo do Campo fez parte da primeira gestão de Arraes como governador, de 1962 a 1964, quando foi deposto. Na ocasião, ele firmou um pacto que garantiria, entre outros benefícios, o pagamento do salário mínimo aos canavieiros.

Com a criação do Chapéu de Palha, Miguel Arraes concedia uma bolsa de meio salário mínimo para os trabalhadores em troca de outros serviços prestados ao estado, como capinação de estradas, e da participação dos chamados “ciclos de educação e cultura”.

Na linha de frente de implantação do programa, a então coordenadora do Grupo de Apoio aos Municípios (GAM), Antonieta Rocha, disse que na época “a linha dele era mais voltada para combater o analfabetismo que era em torno de 80%”.

“Depois dos ciclos de educação e cultura, baseados no método Paulo Freire, a gente conseguiu reduzir para em torno de 20% a 25%. Foi um grande avanço porque as pessoas assinavam sua ajuda financeira. Não só os ciclos de educação e cultura, mas também utilizamos as terras inutilizadas do governo do estado para o plantio, com a cultura de subsistência e do ciclo curto que vai de 3 a 6 meses. Plantavam e vendiam nas feiras durante a entressafra”, detalhou.

Chapéu de Palha não foi ‘de mão beijada’

Aos 66 anos, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife (RMR), Antônio da Nóbrega, foi um dos beneficiados pelo Chapéu de Palha durante os governos de Arraes. Tendo que ir ao campo de trabalho aos 12 anos para complementar a renda dos pais, ele não teve acesso à escola e precisou cortar cana para sobreviver.

“Era um Chapéu de Palha digno que atendia a todos os trabalhadores. Tirávamos trabalhadores daqui para limpar BR, para estudar, para limpar a linha do trem, para Dois Irmãos. Ninguém ficava parado não. Os ônibus chegavam aqui às 7 horas e antes de meio-dia voltava com os trabalhadores. Foi um período muito bom, mas ele não deu de mão beijada não”, conta Nóbrega.

Segundo o presidente do sindicato, foi preciso diversas reivindicações lideradas pela Fetape que no final foram atendidas pelo ex-governador. “Fomos para a rua, com 5 mil trabalhadores, e íamos para a porta do Palácio [do Campo das Princesas]. Ele sempre recebia a gente e procurava saber o que estávamos querendo. A gente dizia, estamos com fome governador, queremos o nosso direito, que o senhor nos ajude. Conseguimos”, detalhou.

Indagado sobre quem Miguel Arraes representava para ele e a classe trabalhadora rural, Nóbrega endossou um discurso emocionado. “Um pai. Um pai. Foi o único governador que recebeu os trabalhadores. Até hoje chamamos ele de ‘papai Araiá’, chega me arrepio”, disse, apontando para o braço. “O velho, o nosso governador Miguel Arraes, fez muita coisa. Sentimos muita falta de um governador como ele, não apenas para o Chapéu de Palha, mas nós, trabalhadores da cana, ele sempre estava ali, do lado, ajudava até nas negociações dos dissídios. Seu neto [Eduardo Campos] tentou imitar ele, mas passou longe”, acrescentou, criticando.

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O programa e os questionamentos atuais da classe

De Arraes ao governador Paulo Câmara (PSB), o Chapéu de Palha deixou de existir de 2000 a 2006, quando Jarbas Vasconcelos administrava o estado. Em 2007, quando Eduardo Campos passou a governar Pernambuco o programa virou política estadual, em forma de lei. Porém, de acordo com o presidente da Fetape, algumas mudanças deixaram a o formato da iniciativa a desejar. 

“Na época que foi criado por Arraes, tinha um formato de valores – com meio salário mínimo, atualmente ele paga um valor de R$ 246,00 por assalariado e é bem inferior ao programa original e está vinculado ao Bolsa Família, ou seja, beneficiário do programa federal só recebem o complemento. Os valores ficam muito pequenos. A Fetape tem cobrado isso, desde a época do governador Eduardo Campos”, salientou Doriel.

Sob a ótica dele, falta a Paulo Câmara “o mesmo sentimento que teve Miguel Arraes com os assalariados”. “Na época a sensibilidade dele foi muito grande. Hoje temos 70 mil assalariados do corte da cana, número bastante inferior. O Chapéu de Palha hoje, por si só, não daria condições mínimas aos assalariados. Hoje não conseguimos, por exemplo, ser recebidos para conversar sobre estas questões com o governador, apesar de já termos vários pedidos. Sendo Arraes, agiria diferente. Ele próprio teria vindo a Fetape, como já aconteceu”, ponderou.

Com as indagações da Federação, o Portal LeiaJá entrou em contato com a gestão estadual. Por nota, a Secretaria de Planejamento e Gestão, responsável pelo programa, disse que hoje o Chapéu de Palha “está mais amplo do que o original”, pois não foca mais apenas nos trabalhadores da cana-de-açúcar e atende aos “trabalhadores da fruticultura irrigada (desde 2009) e os pescadores artesanais e marisqueiros (desde 2012)”.

Quanto a falta de diálogo com a Fetape, a gestão nega. “O Governo Paulo Câmara reafirma seu compromisso com as políticas de proteção social e a abertura ao diálogo com quaisquer entidades que representem essas classes trabalhadoras, incluindo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape). Todos os anos, antes de iniciar os cadastramentos, o Governo do Estado, através da Seplag, reúne-se com representantes dessas entidades para alinhamento de todas as informações sobre o programa”, diz o texto, citando dois encontros entre a direção da Fetape e os secretários estaduais em 2015 e 2016.

 

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