Opinião: o iPhone que a Apple foi obrigada a lançar

A Apple está indo de um culto a personalidade que sabia vender inspiração para algo não “bem assim”, e essa transição pode estar interferindo no processo

macworldpor Nowdigital qui, 20/09/2012 - 14:28

Se você está esperando por um ataque ao iPhone 5, vá a outro lugar. Essa também não é uma nota para os fanboys apenas com elogios ao novo aparelho. Tudo que vou oferecer, receio, é uma dose de realidade.

Tenho um desktop e um notebook com Windows, um smartphone Android e um iPad, as três combinações de sistema/aparelho que, em minha humilde opinião – apenas neste momento – representam o melhor custo-benefício para suas respectivas categorias. Já fui fanático pelo Commodore, aparelhos da Amiga e pelos próprios Macs. Não tenho muita lealdade às marcas – a publicidade não funciona comigo, e frases de efeito só me irritam. Se compro algo, pode ter certeza de que analisei o produto minuciosamente de acordo com as minhas necessidades.

Até agora, o iPhone não conseguiu me convencer, em grande parte por causa de um conflito de prioridades que me coloca fora do mercado escolhido pela Apple. Quero um aparelho que seja capaz, eficiente e, se possível, simples. O modelo da Apple favorece algo simples, capaz e, se possível, eficiente. Parece sutil, mas a diferença entre essas prioridades é dramática. Na verdade, o sucesso da Apple fez com que encontrar o que busco ficasse ainda mais difícil. Com Google e Microsoft tentando replicar o modelo da Apple, todo o paradigma “simples em primeiro lugar” está começando a se tornar um problema de verdade. 

A grade de ícones que a Apple adotou da Palm era ótima para um aparelho com 12 aplicativos em 1996, mas é apenas algo muito irritante para 120 aplicativos em 2012. O modelo do desenvolvedor de micro-aplicativos impulsionou um mercado com mais de 700 mil aplicativos, sendo que apenas 100 apps que valem ser diferenciados. Tenho pelo menos duas dúzias de aplicativos de fotos juntando o meu smartphone Android e o iPad para fazerem todos pequenas coisas que um único bom aplicativo deveria fazer. E tentar lembrar qual faz o que eu quero/preciso acaba virando uma questão de abrir todos até visualizar a interface e então lembrar. A guerra dos botões físicos garante que nunca vou conseguir abrir um app de câmera a tempo de capturar uma imagem rápida. 

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A Apple levou o mercado a um ponto em que tudo é tão simples que se esconde de você à primeira vista. Em meio a uma bagunça de aplicativos deslocados, esquecemos o que temos instalado e o que cada aplicativo faz, e boa sorte em encontrar um quando precisar dele. O foco tem sido em grandes quantidades de simplicidade há tanto tempo que temos tudo, mas esquecemos sobre elegância e eficiência.

Dito isso, o iPhone 5 é e não é uma grande notícia. Com cada novo iPhone, você pode esperar ao menos um grande avanço tecnológico: multitouch capacitivo, acelerômetro de seis eixos com compasso, câmera de alta qualidade, Siri, etc. Algo gloriosamente incrível para os geeks. Mas não pude deixar de notar que o iPhone 5 não tem uma pretensão pela fama. Não traz nada demais em suas especificações. E na parte do sistema não faz muito mais do que correr atrás do Android.

Não me entenda mal aqui. Tenho certeza que é um ótimo aparelho e que terá vendas recordes. É apenas desinteressante. Na verdade, é tão desinteressante que chega a ser interessante. A Apple está indo de um culto a personalidade que sabia vender inspiração para algo não “bem assim”, e essa transição pode estar interferindo no processo.

O modelo de negócio (moderno) da Apple tem dependido de estabelecer novos mercados isolados e não sobreviver em mercados já cheios. O que temos no iPhone 5 é uma postura defensiva – a Apple simplesmente tinha de lançar um smartphone agora. O Google tem colocado seu Android em ordem, impressionando usuários cansados do iPhoen com coisas maiores, mais novas e mais rápidas. E também há o fantasma do Windows Phone 8.

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Primeiro Nokia com WP8, Lumia 920 tem carregamento sem fio

Você pode rir, mas não deixe a Microsoft fora da disputa ainda. Claro, a Microsoft fez algo estúpido ao forçar a interface de tiles (tijolos) do Windows 8 a uma base de usuários de desktop que simplesmente não quer isso. Mas no esquema maior das coisas, a empresa sabe que os dias de domínio do mouse e teclado físicos estão chegando ao fim. Diria que o WP8 é uma boa aposta, mas talvez teria sido melhor adotar uma abordagem com mais matizes.

Sendo alguém fanaticamente pragmático, sou fascinado por quem é influenciado por coisas puramente intangíveis. Tendo sido um usuário Mac por muitos anos, reconheço tanto a câmara de eco assim como a defensiva geralmente mostrada para quem está de fora. Não há absolutamente nada de errado com isso, desde que a empresa consiga continuar inspirando uma cultura desse tipo. Então, após uma grande espera, a Apple lança um iPhone pouco notável durante uma calmaria entre vários lançamentos Android, e um mês antes de a Microsoft começar a pedir para os consumidores “pensarem diferente”. 

Fazer os clientes existentes voltarem a um contrato de dois anos (padrão de operadoras nos EUA), de onde eles dificilmente olharão para outros aparelhos da concorrência, é uma estratégia esperta. Mas é apenas uma estratégia, notavelmente sem inspiração ou ethos, as coisas que fazem a Apple ser o que é. Claro, a inércia vai vender o iPhone 5, mas a última vez que a Apple precisou depender disso foi nos anos 1990, quando esteve mal das pernas.

Gosto de ter de fazer escolhas difíceis entre produtos rivais. Sempre achei os produtos da Apple interessantes e válidos de serem olhados com atenção. Apenas não estou vendo um atrativo no iPhone 5, e pensando em como ele demorou para chegar, é possível questionar se a Apple está ficando sem ideias ou sem paixão. Se a Apple ficou reduzida a apenas lançar algo, isso não é algo bom para o nível de confiança da empresa. Os próximos ciclos de lançamentos serão bem interessantes.

Pelo lado positivo, talvez uma Apple menos inspiradora vai salvar meu desktop da tentativa atrapalhada da Microsoft de ser “simples”.

*Jeff Ello leciona na Universidade de Purdue, especializada em tecnologia e ciência nos EUA

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