Da escola à universidade: análises sobre o futuro docente

Na última reportagem da série 'Profissão professor', especialistas em educação revelam suas projeções sobre as carreiras dos professores. Análises cobram melhorias das formações universitárias e dos próprios docentes, bem como exigem atuação da sociedade em prol dos educadores

por Nathan Santos sex, 29/06/2018 - 14:45
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Especialistas em educação traçam o perfil do professor do futuro Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
LeiaJáImagens Série 'Profissão professor: desafios dos educadores brasileiros' mostra os problemas, virtudes e desafios dos professores brasileiros. Nesta última reportagem, especialistas revelam opiniões sobre o futuro da profissão. LeiaJáImagens

Recente pesquisa sobre a carreira de professor, divulgada no dia 24 de junho, endossa as conclusões de os outros estudos que apontam para a baixa procura pela profissão. Segundo o relatório ‘Políticas Eficientes para Professores’, da Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 2,4% dos jovens brasileiros almejam ser docentes. Preocupante, o resultado também pode ser considerado um alerta para o universo educacional, principalmente pelo que projetam alguns especialistas, a exemplo dos que acreditam que pode haver colapso de professores em determinadas áreas.

Partindo do pressuposto de que o professor é a figura central do processo de formação educacional e profissional, e que há risco de falta de investimentos na educação nacional, consequentemente a carreira docente tenderá a ser afetada. Em resumo, se não existe o dinheiro necessário para oferecer educação de qualidade à população, é natural que também não haja verba para melhorar a questão salarial da categoria educadora.

Segundo o diretor da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Garcia, a carreira docente, em termos de investimentos financeiros, deve continuar sendo afetada por baixos salários e condições estruturais de trabalho inadequadas. Na sua visão, a médio e longo prazo, há uma clara possibilidade de os professores continuarem enfrentando problemas salariais.

“A tendência é a coisa é piorar ou ficar como está. A gente não vê perspectiva de melhora, até porque todas iniciativas que foram feitas nesse sentido não surtiram o efeito desejado. Você tem a lei do piso do magistério e ela também obriga um cumprimento de uma carga horária mínima de atividades não didáticas remuneradas. Alguns estados e muitos municípios não cumprem essa legislação. Você tem o descumprimento da legislação que em tese protegeria não apenas o professor, mas protegeria a população, porque quando você tem um professor mal remunerado e obriga o docente a uma tripla jornada, está punindo a população com uma educação de baixa qualidade”, opina o diretor.

“O governo congelou os investimentos nos serviços públicos por 20 anos. Você vê muita propaganda na televisão sobre a base curricular nacional, mas você não vê a valorização do magistério através da melhoria salarial e das condições de trabalho. Não percebe essa preocupação nos nossos governadores. Se fala em mudar o currículo, mas não se fala em melhorar salário”, acrescenta o diretor da Faculdade de Educação da USP.

Ao finalizar sua análise sobre o campo financeiro, Marcos Garcia traz outra projeção, desta vez bem mais positiva para a carreira docente. De acordo com o especialista, a nível de conhecimentos escolar, acadêmico e social, os professores estão no caminho certo. “O que nós temos e que pode pesar a favor é nós termos um acúmulo de conhecimentos produzidos sobre a docência, escola e sobre as pessoas que estão na escola. Hoje, nós, a sociedade brasileira, universidade e a escola, sabemos mais do que nós sabíamos há 30 anos”, acredita Garcia.

Nesse sentido, ele alerta, principalmente para as próximas gerações de professores, que as caraterísticas dos estudantes estão mudando rapidamente. O diretor destaca que o aluno também produz conhecimento que deve ser respeitado pelos docentes. Não há mais espaço para o professor dono de todo o saber. “O aluno que está chegando na universidade é uma pessoa diferente das últimas gerações. São mais críticos, mais engajados, sensíveis às diferenças, conscientes do seu lugar na sociedade. A universidade precisa aprender a lidar com essas pessoas, os cursos que formam professores também”, frisa.

Marcos Garcia também faz uma reflexão sobre a relação dos professores com as tecnologias, mais precisamente o universo da internet. Apesar de entender que já existe uma forte presença de educadores nas redes sociais ou em sites que propiciam o compartilhamento de conteúdos, o diretor acredita que o futuro docente exigirá um senso mais crítico no contato com a web.

“O professor precisa acessar esses recursos e ser formado para isso. Só que ele também precisa ser crítico sobre tudo o que está à disposição. Ele deve usar a internet como pesquisa, fonte de informação, e precisa ajudar as crianças a fazerem uma leitura de tudo que está na internet. Ter lousa digital e não ajudar as crianças a lerem criticamente, aí não dá certo”, aponta o especialista. “Não penso que um professor vai perder emprego porque não sabe usar internet ou redes sociais. Agora, se ele acessa internet para buscar informações nas bases de dados, isso será ótimo”, acrescenta.

Um futuro que também exige da sociedade

Complementando suas projeções sobre a carreira docente, Marcos Garcia toca no aspecto da valorização profissional. A ausência dela, sobretudo, é sempre apontada como um dos fatores que inibem o interesse dos jovens pela profissão. Um estudo do Movimento Todos Pela Educação, por exemplo, aponta que metade dos professores não indicam a profissão como carreira a ser seguida.

O diretor da Faculdade de Educação da USP concorda que o poder público, nos âmbitos federal, estadual e municipal, é responsável direto pelos problemas que castigam os educadores. Porém, além dos governantes, a própria sociedade também deve contribuir.

“O problema está justamente em tornar o magistério e a licenciatura uma profissão atraente. Nós já temos dificuldade de encontrar professores em determinadas áreas, porque muitas pessoas sabem que trabalhar com isso é difícil e existem outras profissões com variedade de melhores possibilidades que pesam. Você exige e demora muito tempo para formar professores, e quando estão empregados não têm o mesmo salário que outras profissões de nível superior”, diz Garcia.

“Se o Estado e a sociedade brasileira não valorizarem o professor, não adianta esperar que os cursos façam isso. Se os professores falarem que a profissão é ruim, isso vai espantar. Quando se admira e mostra que são pessoas respeitadas e valorizadas, bem tratadas pela comunidade, ajudamos a despertar nos estudantes a vontade de se tornar professor. Precisamos de gente bem formada e atualizada, que nas salas de aula falem bem da profissão. No lugar de pensar no que as faculdades e professores devem fazer, eu coloco primeiro a responsabilidade na sociedade e no Estado”, conclui o diretor da Faculdade de Educação da USP.

Ensino personalizado e uma visão mais otimista quanto à valorização

Diferente do que projetam outros especialistas em educação, a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Claudia Costin - foto à esquerda/Reprodução/FGV -, não acredita que o Brasil sofrerá um colapso de professores. Por outro lado, ela compactua da ideia de que os problemas enfrentados pela categoria refletem entre os jovens que não pensam em seguir o universo docente. Para a diretora, as dificuldades que afetam os trabalhadores fazem parte do processo de “desprofissionalização” da classe.

De acordo com a representante da FGV, “houve nos últimos anos uma grande desprofissionalização do professor, quando as redes municipais e estaduais contratam para cargas horárias muito pequenas”. “Nenhuma profissão contrata para carga de dez horas, por exemplo, isso desvaloriza o trabalho. Então, é muito importante que exista uma tendência em que se passe a contratar professor por 40 horas, incluindo o tempo de estudo e trabalho colaborativo entre os professores. Assim, eles poderão conduzir aulas em apenas uma escola”, acrescenta.

Claudia Costin também aponta para um futuro em que o professor da educação infantil ao ensino médio terá turno integral de trabalho. “Com a transição demográfica, o fato de as mulheres estarem tendo menos filhos, isso vai permitir que o Brasil possa colocar as escolas em turno único. Incluindo tempo de almoço, criação de clubes entre os alunos para arte e esportes, o professor vai acabar dando aula em um único lugar. Isso vai trazer valorização, porque os salários e as condições de trabalho deverão ser mais otimistas. Acho que o ensino integral tem que avançar mais no fundamental 1, para assegurar uma alfabetização mais bem feita”, projeta. 

A integrante da FGV também enxerga outra tendência: trabalho coletivo entre docentes, principalmente no âmbito escolar. “Toda vez que se fala em futuro, é preciso entender que uma das competências mais importantes que vão ser demandadas pelas empresas, é a colaboração. Educação é trabalho em equipe, e infelizmente, nas escolas, ainda colaboramos muito pouco. Em educação, a gente acaba tendo reunião de vez em quando, mas discussões de casos só são feitas no fim do ano quando o estudante está perto de reprovar. Tem que haver uma discussão sistemática. O trabalho colaborativo entre mestres é uma forte tendência”, explica a especialista.

O ensino personalizado, em que cada estudante terá um tipo de acompanhamento conforme suas habilidades ou dificuldades, também está na pauta do professor do futuro, acredita a diretora do CEIPE. “Profissionalização do processo de ensino e aprendizagem. Todo mundo diz que cada criança aprende em um ritmo. Então, hoje, com as plataformas adaptativas, já é possível em países desenvolvidos e será, creio que em cinco anos no Brasil, você ter plataformas e um processo de personalização. A criança vai fazendo os exercícios e uma tecnologia via computador identifica o que ela ainda não aprendeu ou o quanto o que ela está à frente dos outros”, detalha Claudia. No entanto, a especialista faz um alerta quanto à forma como o professor será inserido nesse processo.

“Só funciona a personalização se o professor for apoiado. E a tecnologia pode apoiar nesse sentido. Mas isso remete também à formação do professor, porque hoje a formação que ele recebe em aula na faculdade é extremamente tradicional. Esse processo de ensino é muito centrado nos pilares da educação: sociologia, filosofia e história, quase nada pensando na prática. Ser professor é uma profissão muito complexa e ele precisa entrar em sala de aula, inicialmente observando e depois assumindo pedaços de aula sob supervisão do professor titular. Isso não acontece no Brasil. Isso não é adequado e gera uma grande insegurança para o professor que está começando sua carreira”, esclarece Claudia Costin.

A representante da FGV afirma que deverão acontecer mudanças na formação dos estudantes, obrigando os docentes a criarem ações conforme necessidades específicas dos alunos. “Outra tendência é a flexibilização do currículo escolar. O professor precisa estar preparado para as necessidades de diferentes alunos e aos interesses dos estudantes, criando, inclusive, escolas especializadas em determinados temas. Por exemplo, criando textos sobre esportes em questões de português para alunos que foram identificados com boa desenvoltura e afinidade com modalidades esportivas”, acredita.

Essa tendência tem relação clara com a reforma do ensino médio, que prevê, a partir do segundo ano, que o estudante escolha quais disciplinas pretende acompanhar. “Com essa reforma, vai haver impacto, porque o professor vai sair cada vez mais desse processo de educação de massa, que foi importante quando a gente entrou na revolução industrial, e agora vamos entrar em um processo em que o professor consegue assegurar a aprendizagem com os alunos trabalhando em equipes por grupos de interesse. Você vai ter alunos por interesses deles, enfatizando mais algumas disciplinas do que outras. Na essência, estamos em um caminho correto”, opina Claudia Costin. 

Por fim, a especialista da FGV indica como pontos cruciais para o futuro da carreira docente a necessidade de formação e profissionalização continuada dos educadores, além da importância de o professor fazer o aluno entender que suas atitudes são responsáveis por suas próprias metas pessoais. “O professor é um profissional, ele tem que voltar a ser preparado e tratado, e se perceber como profissional, desde o começo da formação que ele recebe na universidade. Tem que ser um misto de teoria e de prática. Ele tem que se preparar na faculdade para trabalhar coletivamente”, comenta.

“O professor tem que ensinar a pensar e quando você tem tantas disciplinas em quatro horas, não tem como fazer isso. O aluno precisa pensar socialmente e historicamente, de acordo com cada domínio do conhecimento. Outra tendência é o protagonismo dos alunos e o professor formando o estudante para a autonomia, para ele saber que é portador de um sonho e o principal responsável pela construção desse sonho é ele próprio. O docente mostrará ao estudante que ele tem um papel diante da sua comunidade e que deve ser formado como um cidadão global”, finaliza a especialista da FGF.

O papel do docente diante de realidades sociais distintas

Uma formação que prepare o professor para se deparar com diferentes perfis sociais e econômicos entre seus estudantes, principalmente nas escolas públicas brasileiras. Essa é a proposta do diretor executivo de gestão pedagógica do Centro de Formação de Educadores Professor Paulo Freire, da Prefeitura do Recife, Rogério Morais. Especialista em atividades de formação continuada docente, Morais entende que o educador do futuro precisa compreender que encontrará realidades diferentes entre seus alunos e, para essa compreensão, só a formação acadêmica tradicional não é suficiente. De acordo com ele, atualmente os docentes já encaram esse desafio, mas sentem dificuldades para contribuir em prol da educação desses jovens e crianças.

Alunos pobres, vítimas da insegurança alimentar, vivendo em famílias marcadas pela desigualdade social. Muitos não apresentam desenvoltura satisfatória nas disciplinas e tiram notas ruins. Na mesma sala, há quem tenha uma estrutura familiar que propicia um estudo mais focado e uma vida estável. Esses são alguns exemplos de realidades opostas que podem ser vivenciadas por professores em uma sala de aula.

Rogério Morais acredita que as formações de professores precisam de mudanças. - Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

 

“O professor precisa se preparar e conhecer essa realidade. Muitos já entram sabendo, mas há uma parte que a universidade não prepara para essa realidade. Muita gente faz concurso público para professor pensando em uma estabilidade, mas é preciso saber que na escola pública a dificuldade é maior, exige um esforço maior para que o aluno aprenda”, opina o diretor.

Rogério Morais também acredita que os cursos de licenciatura e pedagogia devem mudar suas concepções curriculares. “Mais importante para o futuro é que as graduações devem se atualizar, estar mais focadas na atuação do professor na prática da sala de aula. Ainda há currículos muito teóricos, que não preparam o professor para uma sala heterogenia, indisciplinada”, diz o gestor pedagógico.

“Em resumo, o percentual de didática, gestão de sala de aula, ensino do conteúdo precisam ter um percentual maior dentro dos cinco anos da licenciatura e da pedagogia. Fazendo um paralelo à medicina, o médico passa uma parte dos anos na teoria e outra grande parte na prática. A formação não pode ser da concepção só de pensadores sobre educação. A outra metade ou mais que a metade devem ser didáticas, mostrando a melhor forma de ensinar e as técnicas diferentes de dar aulas. O professor do futuro também precisa trabalhar o tempo da aula, para não perder tempo por falta de organização”, acrescenta.

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Reportagem integra a série "Profissão professor: desafios dos educadores brasileiros", que mostra em detalhes o mercado, virtudes e problemas de uma das categorias mais importantes para a formação educacional e social dos brasileiros. A seguir, confira as demais matérias da série:

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