Sociedade Brasileira de Sociologia critica Bolsonaro

Em nota, instituição sai em defesa do ensino e pesquisa na área de Humanas

por Francine Nascimento sab, 27/04/2019 - 14:38
Arquivo/Agência Brasil Presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Educação Abraham Weintrab Arquivo/Agência Brasil

Diante da recente declaração do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre concentrar os investimentos em cursos como engenharia e medicina, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) manifestou-se em nota, nesta sexta-feira (26), contra a intenção do governo em querer descentralizar recursos na área de Ciências Humanas. Em nota, a SBS diz que as disciplinas de sociologia e filosofia são igualmente importantes para a construção de um país moderno e solidário, bem como defende a liberdade de pensamento e pesquisa.

Outras entidades também emitiram notas desaprovando a fala do presidente, como a  Universidade de Pernambuco e a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). A Sociedade Brasileira de Sociologia é uma organização sem fins lucrativos que apoia e realiza eventos científicos, com o intuito de promover o intercâmbio entre pesquisadores e fortalecer o estudo da sociologia no Brasil. Leia na íntegra a nota divulgada pela SBS.

“A Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) expressa publicamente sua critica veemente às declarações do Presidente da República a respeito de sua intenção de “descentralizar” recursos das universidades para as áreas de humanas - especificamente filosofia e sociologia - com o propósito de “focar” em áreas como veterinária, engenharia e medicina.

Certamente, as áreas de veterinária, engenharia, medicina - e outras como biologia, química, etc. - são fundamentais para o desenvolvimento social e econômico do país.

No entanto, torna-se necessário salientar que as humanidades, dentre as quais as mencionadas disciplinas filosofia e sociologia, possuem uma longa trajetória na história do conhecimento elaborado em várias universidades no Brasil e no mundo e são igualmente importantes para a construção de um país moderno, desenvolvido e mais solidário.

A sociologia é uma disciplina científica tanto quanto a física, a medicina, a química, a biologia, etc. Os conhecimentos por ela elaborados se baseiam em fatos empíricos confrontados com teorias e conceitos, mas também em reflexões conceituais e análises da realidade social realizadas por meio da utilização de categorias analíticas que lhe são próprias. Os resultados alcançados por meio da pesquisa sociológica são fruto da utilização de métodos rigorosos para a obtenção de dados, da consideração e análise múltiplas fontes de informação e também de técnicas sofisticadas no tratamento de dados quantitativos e qualitativos, obtidos de diversas maneiras. Neste sentido, a Sociedade Brasileira de Sociologia não pode aceitar a acusação despropositada de que a sociologia, tanto nacional quanto internacional, produz ideologias ou coisas semelhantes. A sociologia é uma ciência, e como as demais, apartada de noções do senso comum.

A sociologia, além disso, é uma disciplina acadêmica presente em praticamente todos os países que possuem universidades. Em todos os contextos em que está presente, ela vem fornecendo contribuições relevantes ao analisar questões de interesse público como violência, desigualdades, sociais, a vida nas cidades e no campo, etc. Seus resultados contribuem, em não pequena medida, aliás, para a formulação e implementação de políticas públicas para enfrentar numerosas questões com as quais se deparam nossas sociedades.

A sociologia, tal como afirmou um dos mais respeitados sociólogos contemporâneos, Anthony Giddens, tornou-se, afinal, um ator fundamental das sociedades modernas, uma vez que os conhecimentos por ela produzidos permitem às cidadãs e aos cidadãos compreender o mundo que nos cerca e os contextos mais amplos nos quais vivemos.

Nunca será demais alertar que países com sistemas universitários mais robustos que o brasileiro possuem vigorosos departamentos de ciências humanas e de sociologia, como os de Harvard, Columbia e Yale nos EUA, o da London School of Economics, na Inglaterra, e na França, na École des Hautes Études em Sciences Sociales, bem como os departamentos de sociologia presentes nas universidades alemãs de Bielefeld, Hamburg, Berlin ou Frankfurt ou ainda em países emergentes como a China e sua Academia Chinesa de Ciências Sociais. Ao invés de sofrer acusações sem sentido e ameaças de cortes orçamentários, estas instituições e seus departamentos de sociologia gozam de respeito social e intelectual frente a suas comunidades locais e, ao mesmo tempo, da proteção e incentivo acadêmico de seus respectivos governos.

Por fim, é importante salientar que numerosos editais internacionais para execução de grandes projetos tecnológicos (em áreas tão diversas como meio ambiente, saúde em geral e saúde pública, engenharia) têm exigido nas equipes de pesquisadores a presença de sociólogas ou sociólogos, uma vez que cada vez mais as discussões em arenas políticas internacionais levam em consideração os possíveis desdobramentos e consequências dos resultados desses projetos nas condições de vida de amplos segmentos populacionais.

Decretar e/ou estimular o fim do ensino e da pesquisa em sociologia, como de resto nas ciências sociais e nas humanidades, é estimular e promover o isolamento internacional do país frente ao que se faz de mais avançado em todos os campos da ciência pelo mundo. A Sociedade Brasileira de Sociologia conclama as comunidades universitárias nacional e internacional a se juntarem na defesa dos departamentos de sociologia - e filosofia - no Brasil, bem como as demais áreas do campo das humanas.

A SBS conclama também a sociedade brasileira a defender a liberdade de pensamento e de pesquisa, a preservação do diálogo acadêmico entre as diversas áreas do conhecimento, ou seja, o intercâmbio intelectual entre as ciências naturais, as áreas tecnológicas e as áreas das humanas, para construir em conjunto conhecimentos científica e socialmente relevantes para uma sociedade moderna e solidária como esperamos que seja o Brasil.

A SBS acredita que este empreendimento necessita do apoio governamental em termos de recursos financeiros adequados para esta tarefa, bem como de espírito de tolerância intelectual à atividade científica empreendida pelas diferentes áreas de conhecimento no Brasil”.

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