Cordel diverte estudantes na Feira do Livro

O poeta e cordelista paraibano Chico Pedrosa ministrou a oficina “A literatura de cordel”. Dois estandes do evento divulgavam obras dessa arte tradicional no Nordeste.

qua, 07/06/2017 - 17:16

O Cordel, no Nordeste, é considerado a cartilha do sertanejo. Quando a televisão não existia e somente algumas rádios podiam ser sintonizadas, o cordel já circulava. Logo que se noticiava uma morte, como a de Getúlio Vargas, no dia seguinte a história já estava no Cordel. A tradição continua e se espalhar Brasil afora. O cordelista Chico Pedrosa foi uma das atrações da XXI Feira Pan-Amazônica do Livro de 2017, que ocorreu no Hangar, em Belém, de 26 de maio a 4 de junho.

O cordel é um livreto rimado em que se relatam muitos "causos", histórias que representam fatos verídicos ou não, contados de forma engraçada, com objetivo lúdico. A poesia de cordel esteve presente na Feira no estande dos Escritores Paraenses e no estande de Cordel do Brasil, que expôs o trabalho de mais de 80 cordelistas. O paraibano Chico Pedrosa veio como palestrante da oficina “A literatura de cordel”. O convite veio de um escritor paraense amigo.

Na oficina, que ocorreu sexta-feira (2), Chico Pedrosa explicou a ligação do povo do Nordeste com a literatura de cordel, a partir da herança de Portugual. Citou também as características de um bom cordel como, a escolha do tema, as rimas bem elaboradas, comparando cordéis do século passado com outros atuais. E ainda recitou muitos cordéis de sua autoria.

A plateia da oficina, formada principalmente por estudantes da rede de ensino público, participou com perguntas e gargalhadas diante dos gracejos que os cordéis apresentados pelo poeta continham. “Essa oficina vai ajudar os alunos a saírem do espaço da imaginação da biblioteca e verem de perto um poeta contar sua poesia”, disse a professora Michelle Machado. “Eu já conhecia a fundo a obra do seu Chico Pedrosa, sou fã e grande admiradora do seu trabalho. Ele escreve com simplicidade e devoção aos costumes do povo nordestino e isso me encanta. Vim participar da oficina hoje e me sinto muito honrada com sua presença, com seus ensinamentos, com sua bagagem literária”, revelou Zenaira Martins, escritora castanhalense e presidente da Academia Castanhalense de Letras.

Aos 81 anos, Francisco Pedrosa Galvão já escreveu quase dois mil cordéis. Ele começou a escrever folhetos de cordel aos 17 anos, por influência de seu pai, um cantador de coco e agricultor que também era cordelista. O Chico Pedrosa já foi camelô e representante de vendas. Um de seus netos, Pedro Henrique, de cinco anos, já mostra interesse e habilidade para a arte do avô.

Chico Pedrosa já viajou pelo mundo divulgando seus trabalhos. O cordelista tem três livros publicados e vários cordéis escritos. Tem também poemas e músicas gravados por cantores e cantadores como Téo Azevedo, Moacir Laurentino, Sebastião da Silva, Geraldo do Norte, Lirinha dentre outros. Pedrosa já lançou três CDs, registrando assim sua poesia oral. “Quando acontece um fato de relevância, os cordéis registram suas histórias. Dependendo do fato, alguns com mais humor, outros com mais dramaticidades. Os cordéis são um meio de vida, o retrato do verdadeiro nordestino”, contou Chico Pedrosa. “Briga na Procissão” é seu cordel mais famoso. Virou uma peça teatral em Portugal e na Espanha, tendo alcançado muito sucesso.

O poeta terminou sua oficina declamando esse cordel:

 

Quando Palmeira das Antas

pertencia ao Capitão

Justino Bento da Cruz

nunca faltou diversão:

vaquejada, cantoria,

procissão e romaria

sexta-feira da paixão.

 

Na quinta-feira maior,

Dona Maria das Dores

no salão paroquial

reunia os moradores

e depois de uma preleção

ao lado do Capitão

escalava a seleção

de atrizes e atores

 

O papel de cada um

o Capitão escolhia

a roupa e a maquilagem

eram com Dona Maria

e o resto era discutido,

aprovado e resolvido

na sala da sacristia.

 

Todo ano era um Jesus,

um Caifaz e um Pilatos

só não mudavam a cruz,

o verdugo e os maus-tratos,

o Cristo daquele ano

foi o Quincas Beija-Flor,

Caifaz foi o Cipriano,

e Pilatos foi Nicanor.

 

Duas cordas paralelas

separavam a multidão

pra que pudesse entre elas

caminhar a procissão.

 

Cristo conduzindo a cruz

foi não foi advertia

o centurião perverso

que com força lhe batia

era pra bater maneiro

mas ele não entendia

devido um grande pifão

que bebeu naquele dia

do vinho que o capelão

guardava na sacristia.

 

Cristo dizia: “Ôh, rapaz,

vê se bate devagar

já tô todo encalombado,

assim não vou aguentar

tá com a gota pra doer,

ou tu pára de bater

ou a gente vai brigar.

Eu jogo já esta cruz fora

tô ficando revoltado

vou morrer antes da hora

de ficar crucificado”.

 

O pior é que o malvado

fingia que não ouvia

além de bater com força

ainda se divertia,

espiava pra Jesus

fazia pouco e dizia:

 

“Que Cristo frouxo é você,

que chora na procissão

Jesus pelo que se sabe

não era mole assim não.

Eu tô batendo com pena,

tu vai ver o que é bom

é na subida da ladeira

da venda de Fenelon

que o couro vai ser dobrado

até chegar no mercado

a cuíca muda o tom”.

 

Naquele momento ouviu-se

um grito na multidão

era Quincas que com raiva

sacudiu a cruz no chão

e partiu feito um maluco

pra cima de Bastião.

 

Se travaram no tabefe,

ponta-pé e cabeçada

Madalena levou queda,

Pilatos levou pancada

deram um bofete em Caifaz

que até hoje não faz

nem sente gosto de nada.

 

Desmancharam a procissão,

o cacete foi pesado

São Tomé levou um tranco

que ficou desacordado,

acertaram um cocorote

na careca de Timóti

que até hoje é aluado.

 

Até mesmo São José,

que não é de confusão

na ânsia de defender

o filho de criação

aproveitou a garapa

pra dar um monte de tapa

na cara do bom ladrão.

 

A briga só terminou

quando o Doutor Delegado,

interviu e separou

cada Santo pra seu lado.

 

Desde que o mundo se fez,

foi essa a primeira vez

que Cristo foi pro xadrez,

mas não foi crucificado.

Por Nilde Gomes e Fernanda Silva.

 

 

 

COMENTÁRIOS dos leitores