Cordel diverte estudantes na Feira do Livro
O poeta e cordelista paraibano Chico Pedrosa ministrou a oficina “A literatura de cordel”. Dois estandes do evento divulgavam obras dessa arte tradicional no Nordeste.
O Cordel, no Nordeste, é considerado a cartilha do sertanejo. Quando a televisão não existia e somente algumas rádios podiam ser sintonizadas, o cordel já circulava. Logo que se noticiava uma morte, como a de Getúlio Vargas, no dia seguinte a história já estava no Cordel. A tradição continua e se espalhar Brasil afora. O cordelista Chico Pedrosa foi uma das atrações da XXI Feira Pan-Amazônica do Livro de 2017, que ocorreu no Hangar, em Belém, de 26 de maio a 4 de junho.
O cordel é um livreto rimado em que se relatam muitos "causos", histórias que representam fatos verídicos ou não, contados de forma engraçada, com objetivo lúdico. A poesia de cordel esteve presente na Feira no estande dos Escritores Paraenses e no estande de Cordel do Brasil, que expôs o trabalho de mais de 80 cordelistas. O paraibano Chico Pedrosa veio como palestrante da oficina “A literatura de cordel”. O convite veio de um escritor paraense amigo.
Na oficina, que ocorreu sexta-feira (2), Chico Pedrosa explicou a ligação do povo do Nordeste com a literatura de cordel, a partir da herança de Portugual. Citou também as características de um bom cordel como, a escolha do tema, as rimas bem elaboradas, comparando cordéis do século passado com outros atuais. E ainda recitou muitos cordéis de sua autoria.
A plateia da oficina, formada principalmente por estudantes da rede de ensino público, participou com perguntas e gargalhadas diante dos gracejos que os cordéis apresentados pelo poeta continham. “Essa oficina vai ajudar os alunos a saírem do espaço da imaginação da biblioteca e verem de perto um poeta contar sua poesia”, disse a professora Michelle Machado. “Eu já conhecia a fundo a obra do seu Chico Pedrosa, sou fã e grande admiradora do seu trabalho. Ele escreve com simplicidade e devoção aos costumes do povo nordestino e isso me encanta. Vim participar da oficina hoje e me sinto muito honrada com sua presença, com seus ensinamentos, com sua bagagem literária”, revelou Zenaira Martins, escritora castanhalense e presidente da Academia Castanhalense de Letras.
Aos 81 anos, Francisco Pedrosa Galvão já escreveu quase dois mil cordéis. Ele começou a escrever folhetos de cordel aos 17 anos, por influência de seu pai, um cantador de coco e agricultor que também era cordelista. O Chico Pedrosa já foi camelô e representante de vendas. Um de seus netos, Pedro Henrique, de cinco anos, já mostra interesse e habilidade para a arte do avô.
Chico Pedrosa já viajou pelo mundo divulgando seus trabalhos. O cordelista tem três livros publicados e vários cordéis escritos. Tem também poemas e músicas gravados por cantores e cantadores como Téo Azevedo, Moacir Laurentino, Sebastião da Silva, Geraldo do Norte, Lirinha dentre outros. Pedrosa já lançou três CDs, registrando assim sua poesia oral. “Quando acontece um fato de relevância, os cordéis registram suas histórias. Dependendo do fato, alguns com mais humor, outros com mais dramaticidades. Os cordéis são um meio de vida, o retrato do verdadeiro nordestino”, contou Chico Pedrosa. “Briga na Procissão” é seu cordel mais famoso. Virou uma peça teatral em Portugal e na Espanha, tendo alcançado muito sucesso.
O poeta terminou sua oficina declamando esse cordel:
Quando Palmeira das Antas
pertencia ao Capitão
Justino Bento da Cruz
nunca faltou diversão:
vaquejada, cantoria,
procissão e romaria
sexta-feira da paixão.
Na quinta-feira maior,
Dona Maria das Dores
no salão paroquial
reunia os moradores
e depois de uma preleção
ao lado do Capitão
escalava a seleção
de atrizes e atores
O papel de cada um
o Capitão escolhia
a roupa e a maquilagem
eram com Dona Maria
e o resto era discutido,
aprovado e resolvido
na sala da sacristia.
Todo ano era um Jesus,
um Caifaz e um Pilatos
só não mudavam a cruz,
o verdugo e os maus-tratos,
o Cristo daquele ano
foi o Quincas Beija-Flor,
Caifaz foi o Cipriano,
e Pilatos foi Nicanor.
Duas cordas paralelas
separavam a multidão
pra que pudesse entre elas
caminhar a procissão.
Cristo conduzindo a cruz
foi não foi advertia
o centurião perverso
que com força lhe batia
era pra bater maneiro
mas ele não entendia
devido um grande pifão
que bebeu naquele dia
do vinho que o capelão
guardava na sacristia.
Cristo dizia: “Ôh, rapaz,
vê se bate devagar
já tô todo encalombado,
assim não vou aguentar
tá com a gota pra doer,
ou tu pára de bater
ou a gente vai brigar.
Eu jogo já esta cruz fora
tô ficando revoltado
vou morrer antes da hora
de ficar crucificado”.
O pior é que o malvado
fingia que não ouvia
além de bater com força
ainda se divertia,
espiava pra Jesus
fazia pouco e dizia:
“Que Cristo frouxo é você,
que chora na procissão
Jesus pelo que se sabe
não era mole assim não.
Eu tô batendo com pena,
tu vai ver o que é bom
é na subida da ladeira
da venda de Fenelon
que o couro vai ser dobrado
até chegar no mercado
a cuíca muda o tom”.
Naquele momento ouviu-se
um grito na multidão
era Quincas que com raiva
sacudiu a cruz no chão
e partiu feito um maluco
pra cima de Bastião.
Se travaram no tabefe,
ponta-pé e cabeçada
Madalena levou queda,
Pilatos levou pancada
deram um bofete em Caifaz
que até hoje não faz
nem sente gosto de nada.
Desmancharam a procissão,
o cacete foi pesado
São Tomé levou um tranco
que ficou desacordado,
acertaram um cocorote
na careca de Timóti
que até hoje é aluado.
Até mesmo São José,
que não é de confusão
na ânsia de defender
o filho de criação
aproveitou a garapa
pra dar um monte de tapa
na cara do bom ladrão.
A briga só terminou
quando o Doutor Delegado,
interviu e separou
cada Santo pra seu lado.
Desde que o mundo se fez,
foi essa a primeira vez
que Cristo foi pro xadrez,
mas não foi crucificado.
Por Nilde Gomes e Fernanda Silva.