Hermeto Pascoal, uma liberdade desenfreada há 81 anos

O músico é uma das atrações do 'Festival BB Seguridade de Blues e Jazz', neste sábado (23), no Recife. Ele conversou com o LeiaJá sobre seu trabalho

por Paula Brasileiro sab, 23/09/2017 - 10:29
Dani Neves/LeiaJáImagens/Arquivo Hermeto Pascoal se apresenta neste sábado (23) no Recife Dani Neves/LeiaJáImagens/Arquivo

Aos 81 anos de idade, Hermeto Pascoal, um dos maiores gênios da música brasileira, tem a vivacidade de um menino de 18. E foi ainda menino que ele começou sua trajetória musical, tocando flauta e sanfona, no interior de Alagoas, onde nasceu. Hoje, o artista conta com dezenas de discos lançados, parcerias com músicos de todo o mundo, 10 mil músicas em partitura e o título de Doutor Honoris Causa, conferido pela escola New England Conservatory, de Boston (EUA), em maio de 2017. Hermeto se apresenta no Recife, neste sábado (23), dentro da programação do Festival BB Seguridade de Blues e Jazz, no Parque Santana, e falou, em entrevista ao LeiaJá.com, sobre este show, música e, uma das coisas que melhor pode defini-lo, liberdade. 

O que o público pernambucano pode esperar do seu show, no BB seguridade de Blues e Jazz?

Isso é o mesmo que você me perguntar: 'hoje chove ou não chove?'. Nos meus shows sempre chove, rola som. Em primeiro lugar sempre a criatividade. Cada show tem no mínimo 15 músicas com os arranjos já ensaiados, acontece que essa liberdade que a gente tem no palco é que quando o show começa, fia nas minhas mãos. Começa com aquela primeira música da lista, aí no meio do 'negócio' já vem uma outra música na cabeça. Aí, aquela que ia, já não vai mais, eu substitui aquela. A gente tem essa liberdade de criar porque no show a gente toca vários ritmos, a gente mistura e toca o que vem na cabeça. Eu começo tocando um instrumento e aí eles (os músicos) já sabem o que acontece. Tem a parte do improviso, mas é coisa de 20%. O mais importante é tocar os arranjos, eu acho lindo os arranjos e eu já venho fazendo isso há 40 anos e o público responde muito bem. Antigamente, era um costume dos outros grupos repetir a mesma coisa. Só que, por exemplo, tocava o Bebê, uma música de quando comecei, tocava ela em dois shows e quando o pessoal pedia de novo eu dizia: 'o bebê cresceu'. A intenção é justamente não ficar preso, premeditar o que vai ser, vai rolando conforme um jogo de futebol.

Você viveu no Recife, ainda pequeno. Qual sua relação com a cidade?

Essa terra é a terra que cheguei aos 15 anos. Não me esqueço nunca dessa minha terra, essa é uma das minhas terras. Me casei aqui e meu filho Fabio, nasceu aqui, no quintal da casa da avó dele, em Porto da Madeira, perto de Beberibe, onde eu morei também. Foi aqui o começo da minha luta, comecei a tocar sanfona aqui. Recebi muita força de Sivuca, de Jackson do Pandeiro. Sempre que estou aqui me lembro dessa turma, dos lugares que eu toquei, é uma coisa sensacional. Quando eu venho pra Recife é um céu. 

E qual é a importância da música nordestina para a música brasileira e mundial, na sua opinião? 

Não existe música de lugar nenhum, existe música universal que é misturada. Você já imaginou quanta colonização teve aqui no Nordeste? O país mais colonizado do mundo é o Brasil. A música feita no Nordeste não é diferente de outras músicas, todas têm semelhanças. Quando não é na linha melódica é o ritmo ou no tema. Eu acho, e acho que Deus também acha, Ele não botou nada na Terra igual justamente para não ficar na mesmice. Então, isso que eu chamo de música universal ela está nesse contexto, mas sem aquele: 'ah, a melhor música do mundo'. Esse negócio da vaidade, isso tudo é besteira.   

Você recebeu o importante título de Doutor Honoris Causa, pela escola New England Conservatory, recentemente. Como é ser doutor?

Fui pessoalmente lá e recebi, esse é o prêmio mais importante que tem no mundo. Mas, vou achar quer sou melhor agora? Não, senhor! EU sozinho não seria nem faria nada. A gente tem que somar, nos amar pra fazer as coisas. Mas foi uma surpresa. Foi uma coisa que me deixou ainda feliz, essa coisa espetacular, de repente. Eu não tenho palavras.   

Este ano você trabalhou no disco Hermeto Pascoal e Big Band (lançamento previsto para outubro de 2017), com mais de 20 músicos. Como foi lidar com um grupo tão grande? Você achou grupos que se enquadram nesse seu estilo 'livre' de criar?   

A Big Band impressiona pela quantidade de músicos, a maneira de escrever é diferente, muda o estilo. Mas trabalhar com um grupo pequeno é até mais difícil, às vezes. A minha função no grupo, além de ser instrumentista, mas sou até menos no grupo, pra chamar a atenção pro arranjador e compositor Hermeto Pascoale sou aquele que rege, que orienta o grupo, pra dar até mais liberdade ainda pra ninguém ficar preso. Pra mim o sentir tem que vir em primeiro lugar, você não pode premeditar uma coisa. O pensamento ele vem pra você, é isso que faz essa música universal. 

E como você consome música hoje? Você ouve na internet, ouve rádio?

Eu não tenho tempo. Não ouço nem a minha própria música. A não ser que você me convide pra um jantar, e coloque uma música minha na sua casa. Eu não quero me influenciar por mim mesmo. Pra não ficar uma imitação de mim mesmo. Quando eu trabalhava em estúdio, me davam um arranjo pra eu fazer, eu relaxo, até ter vontade de fazer. Sou 100% intuitivo. Eu respeito muito a minha criatividade, quando ela vem, não para. Eu faço música em tudo, até na bacia do banheiro. Hoje mesmo, na hora do almoço, eu trouxe dois guardanapos pra fazer música. Eu tenho aproximadamente 10 mil músicas em partitura. Quando falo isso, não é por causa da quantidade, é porque é quantidade em qualidade. Eu quero alcançar ainda, muitas coisas, nessa Terra, não tudo, mas algumas coisas ainda quero, se Deus quiser.

 

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