Isolamento foi inspiração das últimas canções de Moraes

Ícone da música popular brasileira compartilhou suas criações derradeiras nas redes sociais

seg, 13/04/2020 - 18:47
Divulgação Baiano é dono de uma das discografias mais inventivas da história da música popular brasileira Divulgação

Nesta segunda (13), a cultura brasileira acordou de luto com a notícia do falecimento de Moraes Moreira. Dono de uma das discografias mais inventivas da música popular do país, o baiano de Ituaçu, no sertão do estado, deixou álbuns como Ferro na Boneca (1970), Acabou Chorare (1972) e Novos Baianos FC (1973), com Os Novos Baianos, além de pérolas de sua carreira solo a exemplo do homônimo Moraes Moreira (1975) e Lá vem o Brasil descendo a Ladeira (1979). As últimas composições apresentadas pelo compositor, contudo, eram bastante atuais, tratando do isolamento social vivenciado pelo artista durante a pandemia do novo coronavírus.

No dia 18 de março, em suas redes sociais, Moreira introduziu “Quarentena”. “Oi Pessoal estou aqui na Gávea entre minha casa e escritório que ficam próximos. Cumprindo minha Quarentena, tocando e escrevendo sem parar. Este Cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para a apreciação de vocês. Boa sorte”, explicou o artista. 

Dez dias depois, o compositor tornaria pública sua última poesia, intitulada “Sombra”. Confira:

QUARENTENA

(Moraes Moreira)

Eu temo o coronavirus

E zelo por minha vida

Mas tenho medo de tiros

Também de bala perdida,

A nossa fé é vacina

O professor que me ensina

Será minha própria lida

Assombra-me a Pandemia

Que agora domina o mundo

Mas tenho uma garantia

Não sou nenhum vagabundo,

Porque todo cidadão

Merece mais atenção

O sentimento é profundo

Eu não queria essa praga

Que não é mais do Egito

Não quero que ela traga

O mal que sempre eu evito,

Os males não são eternos

Pois os recursos modernos

Estão aí, acredito

De quem será esse lucro

Ou mesmo a teoria?

Detesto falar de estrupo

Eu gosto é de poesia,

Mas creio na consciência

E digo não violência

Toda noite e todo dia

Eu tenho medo do excesso

Que seja em qualquer sentido

Mas também do retrocesso

Que por aí escondido,

As vezes é o que notamos

Passar o que já passamos

Jamais será esquecido

Até aceito a Policia

Mas quando muda de letra

E se transforma em milícia

Odeio essa mutreta,

Pra combater o que alarma

Só tenho mesmo uma arma

Que é a minha caneta

Com tanta coisa inda cismo...

Estão na ordem do dia

Eu digo não ao machismo

Também a misoginia,

Tem outros que eu não aceito

É o tal do preconceito

E as sombras da hipocrisia

As coisas já foram postas

Mas prevalecem os reles

Queremos sim ter respostas

Sobre as nossas Marielles,

Em meio a um mundo efêmero

Não é só questão de gênero

Nem de homens ou mulheres O que vale é o ser humano

E sua dignidade

Vivemos num mundo insano

Queremos mais liberdade,

Pra que tudo isso mude Certeza,

ninguém se ilude

Não Tem tempo, nem idade.

SOMBRA

(Moraes Moreira)

Nem tudo aquilo que assombra

À escuridão nos reduz

Ouvi dizer que onde há sombra

É certo que haverá luz

Iluminar esses cantos

Será o nosso desejo

Pra revelar os encantos

Daquilo que eu nunca vejo

E mesmo que a sujeição

Se torne um mal que não fito

Teremos sim afeição

Pra combater o neófito

Apesar da nossa sede

Nesses momentos de dor

Fique reparando a rede

Não vai pro mar pescador

Último disco

Moraes Moreira lançou o último álbum, “Ser Tão”, em julho de 2018. Desgastado pelo excesso de shows com o repertório de “Acabou Chorare”, ele planejava uma turnê autoral só com músicas inéditas. O artista tinha, inclusive, contrato com os Novos Baianos para gravação de um disco composto por novas canções.

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