Nesta segunda (13), a cultura brasileira acordou de luto com a notícia do falecimento de Moraes Moreira. Dono de uma das discografias mais inventivas da música popular do país, o baiano de Ituaçu, no sertão do estado, deixou álbuns como Ferro na Boneca (1970), Acabou Chorare (1972) e Novos Baianos FC (1973), com Os Novos Baianos, além de pérolas de sua carreira solo a exemplo do homônimo Moraes Moreira (1975) e Lá vem o Brasil descendo a Ladeira (1979). As últimas composições apresentadas pelo compositor, contudo, eram bastante atuais, tratando do isolamento social vivenciado pelo artista durante a pandemia do novo coronavírus.
No dia 18 de março, em suas redes sociais, Moreira introduziu “Quarentena”. “Oi Pessoal estou aqui na Gávea entre minha casa e escritório que ficam próximos. Cumprindo minha Quarentena, tocando e escrevendo sem parar. Este Cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para a apreciação de vocês. Boa sorte”, explicou o artista.
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Dez dias depois, o compositor tornaria pública sua última poesia, intitulada “Sombra”. Confira:
QUARENTENA
(Moraes Moreira)
Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a Pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mais atenção
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não violência
Toda noite e todo dia
Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Até aceito a Policia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Com tanta coisa inda cismo...
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
As coisas já foram postas
Mas prevalecem os reles
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude Certeza,
ninguém se ilude
Não Tem tempo, nem idade.
SOMBRA
(Moraes Moreira)
Nem tudo aquilo que assombra
À escuridão nos reduz
Ouvi dizer que onde há sombra
É certo que haverá luz
Iluminar esses cantos
Será o nosso desejo
Pra revelar os encantos
Daquilo que eu nunca vejo
E mesmo que a sujeição
Se torne um mal que não fito
Teremos sim afeição
Pra combater o neófito
Apesar da nossa sede
Nesses momentos de dor
Fique reparando a rede
Não vai pro mar pescador
Último disco
Moraes Moreira lançou o último álbum, “Ser Tão”, em julho de 2018. Desgastado pelo excesso de shows com o repertório de “Acabou Chorare”, ele planejava uma turnê autoral só com músicas inéditas. O artista tinha, inclusive, contrato com os Novos Baianos para gravação de um disco composto por novas canções.