Há 80 anos, ‘Cidadão Kane’ chegava aos cinemas

Crítico de cinema conta quais elementos credenciam o filme a figurar na lista de um dos melhores de todos os tempos

por Rafael Sales seg, 07/06/2021 - 16:52
Reprodução/ RKO Pictures Reprodução/ RKO Pictures

Neste mês de junho, completam-se 80 anos desde que “Cidadão Kane” (1941) chegou aos cinemas de todo o mundo. A figura principal por trás do projeto foi Orson Welles (1915 – 1985),  responsável pela direção e também por interpretar o protagonista da trama, Charles Foster Kane. O longa-metragem chegou a figurar entre os filmes de maior repercussão da época, foi indicado em nove categorias, mas ganhou apenas uma: melhor roteiro original.

De acordo com Philippe Leão, crítico de cinema e fundador do site Cineplot, existem elementos que se destacam no filme por estarem relacionados à forma como é organizada a narrativa. “São técnicas empregadas que já tinham sido usadas anteriormente, mas Cidadão Kane as emprega de maneira tal, que se estabelece como um cinema moderno e não mais o cinema clássico, como antes”. Leão ressalta que estes elementos são perceptíveis na comparação entre o primeiro e o segundo atos.

O magnata Charles Foster Kane é apresentado no começo do filme em uma estrutura clássica. Já na segunda etapa do longa, o espectador passa a observar a história desse homem a partir de uma variação de elipses temporais, sem falar em outras estratégias narrativas.  “O uso do claro e escuro, os posicionamentos de câmera, angulação e profundidade de campo como uso de valor narrativo. Tudo isso já havia sido utilizado antes na história do cinema, mas Cidadão Kane passa a usar de maneira diferente, de forma narratológica”, explica o crítico de cinema.

Para Leão, a obra de Orson Welles demarcou a virada do cinema na era clássica para a era moderna e foi um dos responsáveis por contribuir com a Nouvelle Vague na França, movimento artístico que aconteceu entre as décadas de 1950 e 1960. “Cidadão Kane é esse lugar, que além de modificar as estruturas do próprio cinema na forma de contar histórias, fortifica a ideia do cinema de autor, que seria tão debatido nos anos seguintes”, conta.

Apesar desta contribuição histórica do filme para o cinema, o crítico comenta que “Cidadão Kane” foi um filme resgatado e mais valorizado ao longo do tempo. Precisou de uma averiguação temporal para que o filme fosse consolidado como um dos maiores do cinema de todos os tempos. “Quando a gente vê um filme que muda tanto as estruturas da forma, geralmente a gente não enxerga como um filme fruto de seu tempo, ele nos parece um filme muito diferente, e isso às vezes acaba sendo ruim para quem assiste na época”.

Segundo Leão, este foi o caso de “Um Corpo Que Cai” (1958), filme do cineasta Alfred Hitchcock, que na época de lançamento sofreu diversas críticas e hoje é considerado um dos maiores filmes da história. “Precisou também desse distanciamento temporal para perceber a importância desse filme. É mais ou menos o que aconteceu com Cidadão Kane, guardadas as devidas proporções”. O crítico acredita que o filme de Orson Welles extrapola os limites do seu tempo, no que se diz respeito às discussões que a obra é capaz de propor, em termos de conteúdo, de técnicas e de linguagem.

Como recomendação de outro filme que apresenta elementos estruturais semelhantes a “Cidadão Kane”, o crítico de cinema indica “Os Renegados” (1985), filme de Agnès Varda. “É um filme bastante interessante para perceber isso. O longa conta a história de uma mulher, a partir do ponto de vista de outras pessoas também. A diferença é que Cidadão Kane se trata de um magnata, um homem do capitalismo. Enquanto a personagem de "Os Renegados", Mona, é uma mulher pobre, viajante pelas estradas, que está buscando um rumo para a vida. A estrutura narrativa, ou seja, o como contar, é o mesmo”, ressalta.

 

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