Dia do Índio: muito além do 19 de abril

Professor de História fala sobre a importância do debate sobre os povos indígenas, em Belém: "A participação política do indígena deve ser cada vez mais forte"

ter, 19/04/2016 - 22:06
Mirelly Pires/LeiaJáImagens Professor Frederick Matos, coordenador do curso de História da Unama Mirelly Pires/LeiaJáImagens

Nesta terça-feira, 19 de abril, é comemorado o Dia do Índio. Importante data no calendário brasileiro, mas que muitas vezes passa despercebida pelos debates nas salas de aula e na sociedade como um todo. As crianças se pintam e se vestem como indígenas, mas não sabem a importância desse povo para o País.

O coordenador do curso de História da Universidade da Amazônia (Unama), Frederick Matos, falou, em entrevista ao LeiaJá, sobre a participação do indígena em uma sociedade e os caminhos que a nação brasileira ainda precisa trilhar para enxergar esses povos como iguais. Muitos preconceitos e estereótipos precisam ser quebrados, diz o professor, e o primeiro passo para que isso ocorra é gerar debates e discussões. Confira a entrevista abaixo:

LeiaJá: Qual a importância da preservação da cultura indígena?

Frederick Matos: Duas palavras são interessantes nessa pergunta: preservar e cultura indígena. A preservação não passa por perspectiva como uma ideia de imutabilidade ou conservar aquilo de forma estática ou de forma imóvel. É preciso discutir a questão da cultura indígena, mostrando que ela não é estática ou imóvel, mas sim uma cultura ligada à identidade, claro, étnica, mas também se desenvolve a partir de uma ideia de historicidade. Através desses agentes, os indígenas são também políticos, sociais, que se movimentam como um todo. Então: o que é identidade? O que é cultura? O que é a preservação dessa cultura? Perpassa muito mais por essa ideia de como esses indivíduos são percebidos pela chamada “sociedade branca” e como nós os percebemos e os incluímos nesse grande debate, nesse grande leque de possibilidades que esses indígenas têm na atual situação brasileira. Preservar não perpassa por uma ideia de conservar a sua língua, os costumes, mas conservar sua própria identidade. Identidade essa que é não perdida caso esse indígena, por exemplo, não esteja no seu habitat natural, na floresta, nu, com o arco e flecha. Ele mantém sua identidade, mantém sua cultura em qualquer espaço no qual ele se encontre na atualidade.

LeiaJá: Por que comemorar essa data?

Frederick Matos: A data em si é uma data padrão: 19 de abril, todo mundo comemora como o Dia do Índio. Geralmente as escolas comemoram, as crianças saem pintadas neste dia, e depois não há mais nenhum tipo de debate, nenhum diálogo sobre esse nativo, sobre quem foi esse indivíduo, dos construidores do que é a nação brasileira. Acho que a data, na verdade, é apenas simbólica, que deve ser lembrada, que deve ser pensada em como se discutir esse assunto durante todo o ano. Como o indígena se integra, atualmente, na sociedade brasileira. É falar, por exemplo, sobre a educação como poder de desconstruir mitos e estereótipos criados acerca do nativo (o índio que vive na floresta, apenas da caça e da pesca, que não tem roupa, não estuda). Desconstruir estereótipos e mitos como esses, na verdade, é muito mais importante para serem lembrados nessa data, mas sim ao longo do ano como um todo, para que o debate seja cada vez mais ampliado principalmente para nós, educadores e alunos.

LeiaJá: O que você acha da modernização do índio?

Frederick Matos: É um debate interessante porque a ideia que se tem é que o indivíduo só é índio porque ele mora na floresta, não usa relógio ou anda de carro, não possui um celular ou porque ele não tem uma formação superior, por exemplo. São mitos e estereótipos que devem ser quebrados. O índio não deixa de ser índio porque está vestido. Eu vou fazer uma metáfora interessante: se nós hoje, da “sociedade branca”, não nos vestimos da mesma forma que os portugueses se vestiam em 1500 quando chegaram ao Brasil, então por que será que o índio não pode mudar? Ele tem que estar assim como em 1500? Não, o indígena também, assim como todos nós, é um indivíduo integrado na sociedade, ele também usufrui de todos os direitos e dos deveres dos quais nós somos regidos. Ter acesso à educação, básica e depois superior; ao consumo, já que também circula dinheiro entre os nativos. Então, não tem porque excluí-los. Quando se discute essa ideia de modernização do índio, tem muito mais preconceito e estereótipos do que, basicamente, conhecimento sobre esses povos indígenas.

LeiaJá: Qual a importância da participação dos indígenas na política?

Frederick Matos: Isso é interessante. Nós somos regidos pela Constituição de 1988, certo? Ela é a primeira e única que colocou o indígena como figura principal. A Constituição declara e demarca a participação dos índios a partir da constituição de terras indígenas, ou de reservas indígenas. A partir de então, o indígena também começa a ter um papel participante na política nacional. Isso é importante perceber porque hoje diversas leis ou diversas situações que envolvem a figura do índio acabam sendo geridas ou discutidas por indivíduos alheios à atual situação do indígena, ou seja, pessoas que não vivenciam essa realidade e acabam discutindo, dialogando e decidindo sobre aquele nativo. Por exemplo, hoje de manhã na rádio estava se falando sobre as questões de área de mineração próximo à reserva dos Ianomâmis, em Roraima. Esse é um exemplo claro de que as terras que deveriam ter sido demarcadas até 1993, ou seja, já tem bastante tempo, ainda não foram demarcadas totalmente. Esses indivíduos indígenas ainda sofrem com essa intervenção, com essa influência dos agentes considerados externos. Mineradoras, pecuaristas, e depois as grandes construções: hidrelétricas, estradas e tudo o mais. Então a participação política do indígena deve ser cada vez mais forte, cada vez mais intensa. Se os índios não podem, por exemplo, ter uma liderança, mas que possam ter alguém que os represente, represente seus direitos, represente o partido que eles comungam como ideias para suas comunidades.

LeiaJá: Há a necessidade de cotas para indígenas?

Frederick Matos: Na atual conjuntura da educação nacional, ainda se faz necessário, porque é uma vitória de um grande grupo, de uma grande gama de grupos indígenas e grupos ligados aos indígenas que buscam esse acesso a uma educação formal, uma educação superior. Então, se houve essa necessidade e esses grupos se formaram e conseguiram essa vitória, é uma vitória mais do que justa. Claro que, hoje em dia, aqui no Pará, por exemplo, o ingresso desse nativo ocorre de maneira especial. Há um processo seletivo especial para que esse indígena ingresse no ensino superior. Isso tem feito com que o indígena entre como graduado e depois siga carreira acadêmica, como mestre, como doutor. Até chegar, por exemplo, no patamar da chamada “sociedade branca”, que nós consideramos. Ainda se faz necessário por conta desse acesso educacional brasileiro que não está tão igualitário nos últimos anos, mas que ao longo do tempo pode se tornar. Algo para ressaltar é a questão da educação nas aldeias indígenas. Essa educação se faz, na maioria dos momentos, de forma bilíngue: a língua da etnia nativa e o português. Remonta às perguntas anteriores: quando ele chega no ensino superior, ele perde essa identidade? Ele se torna “moderno”? Não quer dizer que ele seja “moderno” e nem perde a identidade. Ele continua sendo um indígena daquela etnia, ele apenas está usufruindo de uma educação de ensino superior, e consegue, através desses mecanismos, implementar a sua luta política. Também do seu povo, da sua etnia, através de suas convicções, através de seus estudos.

Por Julyanne Forte e Mirelly Pires.

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