Melancolia no último dia para desocupação do Holiday

Alguns moradores ainda tentam reverter decisão da Justiça

por Jorge Cosme qua, 20/03/2019 - 13:21

A manhã foi melancólica no Edifício Holiday, no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Esta quarta-feira (20) é o prazo final para que os moradores desocupem o imóvel. O tempo todo caminhões de mudança entram e deixam o local. Segundo a Defesa Civil, 77 mudanças estão agendadas para ocorrer hoje em caminhões cedidos pela Prefeitura do Recife, sem contar as pessoas que deixam o prédio por conta própria.

Aqueles que ainda não decidiram sair continuam esperando uma nova decisão judicial que permita que permaneçam. “A gente está aguardando decisão judicial. Engenheiros vão entrar com recurso, a peça já está pronta. O documento mostra o que já foi feito, o que está sendo feito e o que vamos fazer. O processo vai ser feito como o bombeiro quer, mas a gente quer que seja feito com o povo morando”, explica o morador e comerciante Fernando Santos, que também cuida da administração do Holiday. O síndico Rufino Neto completa: “Esse laudo diz que foi minimizado o risco de incêndio por eletricidade, por causa do lixo e das cozinhas industriais. Estamos provando que o risco de incêndio é mínimo”.

A inquilina Jeane da Silva, que vende empada na Praia de Boa Viagem, mais de uma vez vê e exibe as fotos do nascer do sol que tirou da sua janela no 15º andar com o celular. Ela ainda não empacotou seus pertences. “Meu plano é correr atrás, ir até o último minuto. Eu não corri atrás de casa, não fiz nada. Eu não vou sair me rendendo, vou lutar até o fim, se tiver que esperar a polícia, eu vou esperar”, ela comenta.

Segundo Jeane, é preciso ter moradores no local para que o prédio não seja esquecido. “Se fechar aqui a gente vai cair no esquecimento, que nem Brumadinho, que ninguém lembra mais. Lá foi uma tragédia, nem se compara a isso aqui e já caiu no esquecimento. Então aqui não vai ser diferente”, reflete. E acrescenta: "Aqui é o único local que o pobre mora tão bem quanto o rico. Pode não ser a mesma estrutura de prédio, mas tem a mesma visão, mesma praticidade, mesmo local. Tudo é favorável aqui, para pegar ônibus, pegar táxi, comer. É a única oportunidade que pobre tem de morar bem”.

Encostada do lado de fora do prédio, Vanusa Barbosa não conseguia conter as lágrimas. Ela se mudou há oito dias, mas tem acompanhado de perto a situação. “É triste ver as pessoas saindo desse jeito. Dois filhos meus nasceram e cresceram aqui. Todos se conheciam. Era um local seguro, que ninguém fazia o mal ao outro, e, de repente, se desfaz”, lamenta.

285. Essa é a quantidade de degraus que Fernando Cândido, de 87 anos, tinha que subir até o seu apartamento no 13º andar, após o imóvel ficar sem energia e, consequentemente, sem elevadores. O idoso demorou mais de meia hora contando os lances de escada, levado pela curiosidade. Mudou-se há dois dias para um local próximo. “Morar aqui era ótimo, era uma beleza. Perto de tudo. Vou voltar para cá se Deus quiser”, torce o aposentado.

Outra idosa, de 63 anos, precisou ser retirada pelo Corpo de Bombeiros de seu apartamento no 16º andar. Regina Pires mora só, tem dificuldade de locomoção, sendo hipertensa e diabética, além de já ter sofrido dois AVCs. Ela estava de saída, porém a contragosto. Antes, quando questionada se cogitava deixar o endereço, exclamava: “não diga nem isso!”. Foi convencida de que era necessário deixar o local. Com a glicose elevada, saiu direto para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Imbiribeira. De lá, será encaminhada para um abrigo da prefeitura.

A Justiça determinou que os moradores deixassem o local até esta quarta-feira, mas não há um horário específico. O juiz Luiz Rocha, autor da decisão, tem pontuado que a saída dos residentes deve ser feita com diálogo, para evitar o uso da força.

O comerciante Hélio Gomes, que tem um depósito de água na parte de trás do Holiday, havia recebido técnicos da Defesa Civil que afirmaram que ele deveria deixar o local. “Eu fiquei sem dormir, sem comer…”, recorda. Hélio conseguiu decisão favorável da Justiça ao defender que jamais foi condômino do edifício, que não está em débito com a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), além de estar regular com o Corpo de Bombeiros e Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea). Apesar de Hélio dizer que seu imóvel não faz parte do terreno, moradores têm esperança de que a decisão seja um indício de que a ordem de desocupação possa ser suspensa.

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