Você conhece o mel das abelhas sem ferrão?

No fim de 2018, cerca de 100 produtores paraenses, organizados por meio do Instituto Peabiru, conseguiram colher uma tonelada e meia do produto

por Brenna Pardal qui, 06/06/2019 - 13:57

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Meliponicultura é o nome dado para a criação de abelhas nativas sem ferrão. Essas abelhas são criadas no meliponário, onde se concentram em uma espécie de caixa e ali produzem o seu próprio mel.

Os meliponicultores colhem resultados de tecnologias geradas em mais de 20 anos de pesquisa da Embrapa com abelhas sem ferrão. Os pesquisadores promovem cursos sobre sistemas de produção, adaptação de caixas racionais de criação, entre outros. Também se beneficiam com o projeto Agrobio (Abelhas, variedades crioulas e bioativos agroecológicos: conservação e prospecção da biodiversidade, para gerar renda aos agricultores familiares na Amazônia Legal).

Segundo o site da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas, o Brasil conta com aproximadamente 250 espécies de abelhas pertencentes à família Meliponini, que são as abelhas-sem-ferrão. Algumas espécies são criadas para produção de mel que tem sido cada vez mais valorizada, além de cumprir um papel muito importante na polinização de plantas cultivadas ou não, permitindo a produção de várias espécies fundamentais para a alimentação humana.

O pesquisador em Sistema Sustentável Daniel Santiago diz que a diversidade vegetal na Amazônia proporciona um maior número de espécie de abelhas. Segundo ele,  acontece uma troca favorável das abelhas com as plantas, que suprem a colmeia com oferta de proteína (polén) e de energia (néctar).

A legislação brasileira, segundo o pesquisador, trava a venda do mel das abelhas sem ferrão ao exigir a desumidificação. As normas existentes no país admitem a produção de uma espécie que é a apis mellífera, conhecida como abelha italiana ou abelha Europa e também chamada de abelha africanizada. Daniel Santiago esclarece que essa é uma abelha mais disseminada no mundo. "Em todo lugar que você for existe alguém que tenha a tecnologia da apicultura. Por conta da grande diversidade de abelha que nós temos, tem uma legislação específica pra cada espécie. E como existe uma grande variação nos requisitos químicos e físicos na legislação, esses produtos (o mel da abelha sem ferrão) ficam marginalizados", disse.

Existem muitos estudos da meliponicultura. Falta, porém, uma conexão maior dos elos, produção, geração de tecnologia, assistência técnica e o mercado. ”O mercado queria um mel. Como chegar nesse mel se o produto não pode ser comercializado como mel? Para isso os agentes de assistência técnica chegaram com a demanda pra Embrapa gerar alguma coisa que pudesse adequar aquele produto deles a uma posição de mercado. Foi desse jeito que a Embrapa, com o uso das tecnologias desenvolvidas no meliponário, conseguiu levar a uma realidade que nós temos hoje", assinalou Daniel Santiago. 

Preservação consciente

Além de ser uma ferramenta de geração de tecnologia, o meliponário é um ambiente dirigido ao público. "Tem a questão do ensino, abertura pra recepção de públicos diversos, desde o ensino básico, técnico, graduação. O objetivo é incentivar pequenos produtores e gerar uma consciência de preservação do meio ambiente nas pessoas um pouco mais jovens”, disse Daniel.

Daniel Santiago afirmou que as abelhas são importantes para a cadeia alimentar por causa da polinização, já que 33% dos vegetais servem de alimento aos animais que alimentam o ser humano. "As abelhas nativas têm uma relação de até 90% de serem os indivíduos que fazem a polinização do vegetal da região amazônica. Além da questão da renda, que fica à margem, a importância delas na polinização é muito maior. No entanto, o produtor necessita de um vislumbre de lucro em curto prazo. Uma contrapartida que a abelha pode deixar para o produtor é o mel", explicou.

Segundo o engenheiro químico e pesquisador Marcos Oliveira, o mel das abelhas nativas tem umidade mais elevada que o mel da apis mellifera. Em laboratório, a desumidificação coloca o mel com umidade de 30% das abelhas nativas em 20%, condizente com a determinação do Ministério da Agricultura. “Eu prefiro o mel natural das nossas abelhas. A Embrapa está junto com outros parceiros lutando pra definir um padrão estadual. Nós já estamos fazendo uma articulação junto à Assembleia Legislativa, com produtores, com empresas que trabalham com mel e já foi submetido um projeto de lei que está definindo o que seria a atividade do meliponicultor e o que seria esse mel do meliponicultor”, argumentou Marcos. O projeto está em vias de ser colocado em votação.

“Assim como definimos um padrão para o açaí, tucupi, esse é o ponto seguinte. A partir desse trabalho nós vamos ter um produto que pode chegar à prateleira do supermercado, ou seja, nós não vamos chegar lá e ter simplesmente um mel da apis mellífera, e aí vamos ver o mel da uruçu-cinzenta (uma das sete espécies de abelha sem ferão) na forma como ele é mesmo, sem ser preciso desumidificar”, explicou o químico.

A importância da Embrapa

Os pesquisadores da Embrapa trabalham no processo de desumidificação junto com parceiros. Hoje, cabe ao Instituto Peabiru e à empresa Cetobel o trabalho de produção, de ir à várzea e de colocar o selo de inspeção federal. Ao obter o selo do SIF, por meio do estabelecimento dos parâmetros físico-químicos, o mel de abelha uruçu, coletado por produtores familiares de cinco municípios paraenses, foi totalmente adquirido pela empresa paraense Fitobel.

O agroindustrial Raimundo Vogado, proprietário da Fitobel, garante que há mercado nacional e internacional para o que chamou de “caviar do mel”, ao se referir ao mel de uruçu. Ele lembra que há anos tentava acessar esse mercado, mas a ausência de uma cadeia organizada no Pará inviabilizava o fornecimento regular de matéria-prima.

“Hoje já dispomos em nossa linha do mel envasado de abelha nativa da Amazônia e estudamos o lançamento de novos produtos, almejando, inclusive, o mercado internacional. O caviar do mel amazônico é admirado e pode ganhar o mundo”, prevê o empresário.

O sonho de prosperidade também é compartilhado pelo produtor familiar Cleiton Oliveira Santos, 34 anos, da comunidade Pingo D’água, município de Curuçá (PA), um dos 102 agricultores familiares responsáveis pela produção histórica de mel de uruçu paraense. Em uma propriedade de cerca de dez hectares, a família produz citros, coco, hortaliças, peixes e, mais recentemente, mel de abelhas sem ferrão. Animado com o potencial, Cleiton conta que vai investir o dinheiro adquirido com a comercialização na reforma e aquisição de caixas, para melhorar o meliponário e aumentar a produção.

A família criava apenas abelhas com ferrão e já conhecia as nativas. A formação do meliponário ganhou corpo após ele participar de um curso de sistema produção realizado pela Embrapa em Belém. Na sequência, ele integrou o projeto Néctar da Amazônia, do Peabiru, com cursos de formação continuada e assistência técnica e hoje, junto a outras três famílias da comunidade, tornou-se referência na região.

Orgulhoso de sua produção, ele fala que as abelhas são importantes não só pelo mel, mas pelo desenvolvimento ambiental e social que proporcionam. “Quem cria abelhas não põe fogo na mata, preserva a floresta, se organiza enquanto comunidade e ainda vê a produção de frutos aumentarem a olho vivo”, garante, referindo-se à produção de seu pomar aumentada pela polinização feita pelas abelhas.

 

 

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