Profissionais do sexo se sentem invisíveis na pandemia

Muitas garotas de programa precisaram continuar trabalhando durante a pandemia para manter alguma renda

por Jameson Ramos qui, 29/10/2020 - 12:30
Júlio Gomes/LeiaJáImagens Muitas garotas de programa só conseguiram ajuda por meio de ONGs Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Durante a pandemia da Covid-19, garotas de programa se viram obrigadas a se expor ao perigo de contaminação. Muitas não conseguiram o Auxílio Emergencial - que já é um valor muito abaixo do que costumam ganhar - e continuaram trabalhando na pandemia.







A UNAIDS, programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, afirma que a pandemia fez com que as profissionais do sexo em todo o mundo passassem por dificuldades, com perda total de renda e maior discriminação e assédio. A organização aponta que, como as trabalhadoras do sexo e seus clientes se auto-isolam, elas ficam desprotegidas, cada vez mais vulneráveis e incapazes de sustentar a si mesmas e suas famílias.

No Brasil, o governo lançou o Auxílio Emergencial para ajudar a população que foi afetada com o fechamento do comércio e outras medidas de isolamento para conter a Covid-19. No entanto, a Coordenadora da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) e presidente da Associação de Prostitutas do Estado do Piauí, Célia Gomes, 54 anos, destaca que muitas profissionais não conseguiram o dinheiro do auxílio e se viram mais desprotegidas.

“O governo acha que nós somos invisíveis. Só somos visíveis na hora de votar - aí nós somos gente, somos profissionais. A gente teve que ir trabalhar de outras formas, buscando as ajudas necessárias. Algumas das mulheres tinham o Bolsa Família, mas outras não tinham e nem conseguiram se inserir no Auxílio Emergencial”, explica Célia.

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A principal reclamação das profissionais do sexo é que o governo, seja ele municipal, estadual ou federal não desenvolveu políticas públicas voltadas para essa camada da sociedade que, rotineiramente, já é tão marginalizada pelo poder público.

“Foi uma situação que, para nós, foi pior do que para outros brasileiros. Nunca teve uma política pública para essa população, não seria agora que iria ter. A gente vem lutando por inclusão, mais respeito, mais políticas públicas. A gente participa de várias comissões, mas eles [os políticos] não querem olhar para nós”, salienta a coordenadora da CUTS.

Sem o apoio esperado dentro do seu próprio país, as profissionais conseguiram uma ajuda com órgãos internacionais. “A gente teve muita ajuda do pessoal de fora do país, que falava com a gente pelas redes. Aqui no Brasil a solidariedade apareceu, mas foi muito pequena. Durante todo esse tempo uma coisa bacana que aconteceu foi que quem tinha uma horta, um açougue eram as pessoas que mais ajudavam. Mas isso foi uma articulação das putas”, diz Célia.

Marcelly Tretine

Marcelly Tretine, 28 anos, profissional do sexo e secretária da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), lembra que o momento de maior dificuldade vivido pelas profissionais aconteceu nos primeiros meses da pandemia. Agora, com a queda nos registros de casos confirmados e óbitos, essas profissionais estão retornando a sua rotina de trabalho dentro do possível.

 "Nós conseguimos adaptar esta instituição para que pudéssemos possibilitar uma ajuda com a entrega de alimentos e kits de higiene. Conseguimos atender 400 pessoas porque a gente sabe o sofrimento de toda essa população", diz Tretine sobre a Amotrans.

"Já é difícil sobreviver na sociedade onde não se tem oportunidades. Como é viver na pandemia para essa população? É uma luta de sobrevivência. Tem que se expor, tem que trabalhar e tem que correr atrás. Eu tive a ajuda da minha família nesse período, mas nem todo mundo tem essa sorte", completa a secretária da Amotrans.

A UNAIDS aponta que organizações lideradas por profissionais do sexo de todas as regiões estão relatando falta de acesso aos planos nacionais de proteção social e exclusão de medidas emergenciais de proteção social. "Quando são excluídas das respostas de proteção social à Covid-19, as profissionais do sexo são confrontadas com a possibilidade de ter sua segurança, sua saúde e suas vidas em risco, apenas para sobreviver", diz a entidade.

A organização está apelando aos países para que tomem ações imediatas e críticas, baseadas nos princípios de direitos humanos, para proteger a saúde e os direitos das profissionais do sexo.

*Fotos: Júlio Gomes

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