Itália: escândalo abala extrema direita antes das eleições

O caso foi revelado na última sexta-feira (1º) pelo portal italiano Fanpage, que conseguiu infiltrar um jornalista em ambientes ultranacionalistas

sab, 02/10/2021 - 17:24
Reprodução/Facebook/fidanzacarlo Carlo Fidanza, à esquerda, foi gravado por jornalista Reprodução/Facebook/fidanzacarlo

O partido de extrema direita Irmãos da Itália (FdI), que lidera a maioria das pesquisas de intenção de voto nacionais no país, foi chacoalhado por uma suspeita de lavagem de dinheiro e proximidade com o nazifascismo às vésperas das eleições municipais de 3 e 4 de outubro.

O caso foi revelado na última sexta-feira (1º) pelo portal italiano Fanpage, que conseguiu infiltrar um jornalista em ambientes ultranacionalistas.

Fingindo ser um empresário interessado em financiar a campanha do FdI para as eleições municipais de Milão, o repórter gravou com uma câmera escondida diversos encontros de membros do partido.

Em um desses momentos, durante um comício da candidata a vereadora Chiara Valcepina, o eurodeputado e líder da delegação do FdI em Bruxelas, Carlo Fidanza, chama o jornalista do Fanpage de lado e, pensando se tratar de um empresário, pede financiamento para a campanha eleitoral.

De acordo com Fidanza, o falso empreendedor poderia fazer doações de duas formas: depositando diretamente na conta corrente da campanha ou "por fora" - no vídeo, o eurodeputado usa o termo "black" ("negro" em inglês).

Em seguida, Roberto Jonghi Lavarini, conhecido membro da extrema direita em Milão e já condenado a dois anos de prisão por apologia ao fascismo, diz que há "uma série de lavanderias" para limpar doações clandestinas e que ele mesmo já tinha conduzido "operações com dinheiro vivo" na Lombardia.

Em outro momento, Lavarini - que coordenava informalmente a campanha de Valcepina - e Fidanza se cumprimentam com a "saudação romana", gesto que virou símbolo do fascismo. Lavarini ainda gaba-se de fazer parte de um grupo "esotérico" que inclui "maçons, admiradores de Hitler, ex-militares e ex-membros dos serviços secretos".

Já Fidanza, em determinado momento da reportagem, diz que é preciso "ter um amigo judeu que te defenda". Após a divulgação dos vídeos, o eurodeputado se "autossuspendeu" do FdI, enquanto o Ministério Público de Milão abriu um inquérito por suspeita de financiamento ilegal e lavagem de dinheiro.

Reações

A popular deputada Giorgia Meloni, presidente do Irmãos da Itália, cobrou do site Fanpage as gravações na íntegra. "Não julgo meus dirigentes com base em uma filmagem curiosamente veiculada dois dias antes do voto. Depois [de ver o vídeo na íntegra] estarei pronta para avaliar o caso", disse Meloni, acrescentando que em seu partido "não há espaço para antissemitismo e racismo".

Lavarini, por sua vez, definiu suas declarações na reportagem como "brincadeiras de bar". "É um claro, provocatório e instrumental ataque político contra a direita", rebateu. Já a candidata Valcepina anunciou uma ação na Justiça para impedir o Fanpage de veicular a denúncia.

"Reitero de modo claro que minha campanha eleitoral não foi financiada com recursos irregulares. Cada despesa é rastreável e legítima, como manda a lei", disse.

Ascensão

Giorgia Meloni, 44 anos, é jornalista, deputada, ex-ministra de Silvio Berlusconi e fundadora do Irmãos da Itália, que já aparece nas pesquisas à frente até da Liga, sua coirmã na direita populista e que vinha nadando de braçada na preferência do eleitorado sob o comando de Matteo Salvini.

Uma sondagem feita pelo instituto Termometro Politico entre 14 e 16 de setembro mostra o FdI com 21% das intenções de voto em âmbito nacional, contra 20,4% da Liga e 19,5% do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda. Há três anos, no entanto, o Irmãos da Itália tinha menos de 5% da preferência.

Fundado em 2012, o partido de extrema direita é anti-imigração, eurocético e contra a exigência de certificado sanitário anti-Covid. Além disso, seu símbolo incorpora a chama tricolor, imagem que fazia parte do emblema da extinta legenda neofascista Movimento Social Italiano (MSI).

Desde o início do ano, o FdI vem se beneficiando do fato de ser o único grande partido de oposição na Itália, já que a coalizão do premiê Mario Draghi inclui desde o PD até a Liga. Dessa forma, Meloni concentra o descontentamento existente hoje no país, desde desempregados e autônomos afetados pela pandemia até grupos antivacinas.

Meloni e Salvini são aliados e fazem parte de uma ampla coalizão de direita que governa a maioria das regiões da Itália, mas, na prática, ambos disputam a primazia na coligação, papel que coube ao ex-ministro do Interior a partir de 2018.

Da Ansa

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