'Menina Sem Nome' atrai fiéis às vésperas do feriado

Às vésperas do Dia de Finados, túmulo- carregado de simbologias e mistério- é o mais visitado do Cemitério de Santo Amaro, na região central do Recife

por Marília Parente seg, 01/11/2021 - 16:18

Brinquedos e doces são deixados na sepultura, em homenagem à Menina Sem Nome. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Amarelo e coberto de cartas, doces, velas e brinquedos, o túmulo da Menina Sem Nome contrasta com os demais equipamentos que compõem o Cemitério de Santo Amaro, na região central do Recife. Na sepultura, foi enterrado o corpo de uma criança encontrada morta na faixa de areia da Praia do Pina, no dia 23 de junho de 1970. Seu cadáver- que trajava apenas uma calça curta de adulto, apresentando ferimentos de facadas, além de mãos e pescoço amarrados por corda- nunca foi reclamado pela família, motivo pelo qual a criança foi sepultada como indigente. A brutalidade do caso chocou a sociedade pernambucana e criou uma santidade popular: todos os anos, visitantes vão ao cemitério para pedir ou agradecer por uma graça supostamente alcançada com a ajuda da criança.

A técnica de enfermagem Maria José Justino, conta que visita a Menina Sem Nome desde a infância. “Eu estudava em uma escola aqui perto e sempre vinha com minhas colegas. Fizemos muitos pedidos e alcançamos nossos objetivos”, garante. Nesta segunda (1), ela foi ao túmulo para acender velas e deixar um saco de bombons. “Pedi a graça de emprego para o meu filho, que está formado e pós-graduado na área de logística e não consegue trabalho, porque muitas lojas fecharam durante a pandemia”, afirma.

Maria José roga para que o filho conquiste um emprego. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Os bombons deixados na sepultura por Maria José são cuidadosamente vigiados pelo segurança do cemitério, Daniel Oliveira, que, afeiçoado ao túmulo, resolveu para garantir a ordem em torno do túmulo. “Se deixar, a turma bagunça tudo aí,  perturbando pelos doces, então venho ajudar como voluntário. Todo ano, pego os bombons e brinquedos que o pessoal deixa e dou para as crianças que moram na rua. Ela não quer mais, está descansando ao lado do Pai”, comenta o segurança.

Daniel conta que trabalhadores do entorno do cemitério dizem já ter testemunhado a aparição da Menina Sem Nome. “Já viram uma menina entrando com uma cestinha no cemitério, à noite. Um funcionário a seguiu e a encontrou ajoelhada chorando, de frente ao túmulo”, completa.

O segurança Daniel Oliveira, protetor voluntário da Menina Sem Nome. (Júlio Gomes/LeiaJa Imagens)

Dentre os fiéis da Menina Sem Nome, há ainda aqueles que buscam consolo após a morte de entes queridos em razão da covid-19. “Saí hoje porque tenho um filho que morreu de covid-19 esse ano, ele era enfermeiro, tinha 31 anos. Vim acender uma vela para ver se saio desse aperreio”, explica a dona de casa Amélia da Costa Silva.

Mistério policial

Quatro dias depois do crime, o Diario de Pernambuco divulgou a prisão de Arlindo José da Silva, apontado como principal suspeito do homicídio. O homem localizou o corpo da criança nas proximidades de sua barraca de cocos. As reportagens da época repassaram informações do Instituto de Medicina Legal, que havia constatado a presença de resquícios da mesma comida ingerida por Arlindo no dia do crime no estômago da vítima. Além disso, uma lavadeira declarou ter encontrado manchas de sangue nas calças do acusado, cujas roupas teria lavado um dia depois do homicídio.

Em 30 de junho, o jornal publica o nome de outro acusado: Geraldo Magno de Oliveira, que ficou conhecido como o “Monstro do Pina”. Durante o inquérito, ele confessou que atraiu a menina oferecendo-lhe cinco cruzeiros para que ela tirasse a roupa. Geraldo, contudo, se recusou a entregar o dinheiro à menina, que o insultou e ameaçou relatar o ocorrido. Ele, então, desferiu golpes com faca contra a vítima, usando cordas de uma jangada para amarrá-la.  No depoimento, o acusado alegou que estava bêbado e não teve a intenção de matar a criança.

De acordo com a pesquisa acadêmica intitulada “A menina sem nome: Crime e devoção”, realizada por pesquisadores do Departamento de História da Universidade Católica de Pernambuco, a Menina Sem Nome só foi sepultada no dia 3 de julho. “Na ocasião, José Antônio Braga, diretor da Casa do Menor, ofereceu o funeral. Estima-se que quase mil pessoas acompanharam o enterro”, diz o texto dos historiadores.

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