Espaço Trans do Recife: 700 pessoas esperam por cirurgia

Devido à pandemia, apenas nove procedimentos foram concluídos em 2021 no Espaço Trans do Hospital das Clínicas, que há oito anos oferece serviços de saúde e cirurgias para travestis e transgêneros

sab, 29/01/2022 - 08:30
Cortesia O Espaço de Acolhimento e Cuidado Trans realizou 57 cirurgias em oito anos Cortesia

O Espaço de Acolhimento e Cuidado Trans do Hospital das Clínicas (HC) de Pernambuco, localizado na Zona Oeste do Recife, sofreu um aumento da lista de espera de cirurgia devido, entre outras dificuldades, à pandemia da Covid-19. Segundo a coordenação do espaço, a lista de espera está em 700 pessoas atualmente.

O projeto já realizou 57 cirurgias nos oito anos de atuação, com um padrão antes da pandemia de um procedimento por mês. Contudo, as paralisações causadas pelo agravamento da pandemia e dificuldades impostas em 2021 fizeram com que apenas nove procedimentos fossem concluídos.

O espaço oferece cuidado integral à população trans e é um dos cinco centros que realiza procedimentos gratuitos de transgenitalização no Brasil. Mesmo com o ‘desfinanciamento’ que o Sistema Único de Saúde (SUS) sofre, a iniciativa mantém as portas abertas para garantir um acompanhamento ambulatorial humanizado em meio à pandemia.

O levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), divulgado nessa sexta-feira (28), apontou que o Brasil ainda lidera o recorde negativo de assassinatos com 135 travestis e mulheres trans e cinco homens trans mortos em 2021. Historicamente a população transsexual luta contra a negligência do Estado e se firma na busca por direitos contra os espectros da discriminação da social.

“A população trans e travesti vem requerer a legitimidade de cuidado, esse lugar de humanidade, essa possibilidade de viver sem ser discriminada e apontada na rua por suas diferenças”, apontou uma das idealizadoras do Espaço trans, Suzana Livadias.

Exclusão no sistema de saúde

Um dos pontos mais preocupantes ainda é a exclusão nos serviços de saúde, principalmente no que se refere ao atendimento primário. "Todas as demandas de saúde eram negligenciadas por que não tinha uma visibilidade da população trans como específica de cuidados comuns. A gente vai ver descrita nos cuidados da Aids, mas outros cuidados também são necessários”, ressaltou Livadias.

Criado em 2014, o espaço no bairro da Cidade Universitária, Zona Oeste do Recife, oferece diversas especialidades como Urologia, Ginecologia, Endocrinologia, Dermatologia, Assistência Social, acompanhamento psicoterápico e encaminha casos de violência para instituições parceiras.



O serviço mais procurado é o procedimento de adequação corporal, oferecida com a proposta de garantir maior dignidade e bem-estar. “A adequação vem muitas vezes para dar conta de um desconforto da pessoa e para ajudar que a sociedade consiga respeitar essa expressão”, descreveu a psicóloga.

Cirurgias

As mulheres trans têm a possibilidade de passar por cirurgias de suavização do pomo de Adão e feminilização da voz, colocação de próteses mamárias e redesignação sexual. Já os homens trans podem fazer a mamoplastia masculinizadora ou retirar o útero.



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Livadias cobra mais investimento federal já que demoraria mais de 58 anos para atender toda a fila, mesmo que conseguisse retomar o ritmo de antes da pandemia. Sem ser uma política prioritária do Governo, em 2020 só 31 cirurgias foram feitas pelo SUS no Brasil, uma queda de 86% em comparação ao ano anterior.



Érica Gomes recebe os pacientes do projeto. Reprodução

Representatividade que conforta

O acolhimento inicial no Espaço Trans é feito por Érica Gomes, que recebe os pacientes e dá entrada no processo multidisciplinar. Como mulher trans, ela compreende que sua presença incentiva outras pessoas em situação semelhante a não desistir das oportunidades.

“[Ter uma] pessoa trans nesse local é como se encurtasse a distância entre a instituição e a população atendida. Eu vejo que as pessoas se sentem representadas e acolhidas e vejo também como uma possibilidade de incentivo para que essas pessoas possam procurar trabalho em ambientes formais”, comentou.

Além do corpo

Ciente de que a aparência é fundamental na relação de autocuidado, ela enxerga que o processo de aceitação passa primeiro pelo equilíbrio psicológico. “Saúde não é só hormonização e cirurgia. Saúde também é bem-estar social e o bem-estar social vai além dos muros do hospital”, indicou.

“As pessoas vêm muito em busca dessas cirurgias pelo fato da sociedade exigir que você para ser uma pessoa trans tem que reproduzir toda a performance do que é ser mulher na sociedade", observou. “Não é por aí. Fazer esses procedimentos não vão te dar segurança de que a sociedade vai te ver com outros olhos”, acrescentou.

Dessa forma, antes de iniciar o processo, ela explica que é importante refletir e se questionar sobre o real motivo para o interesse nas cirurgias. "O que essas cirurgias vão mudar na sua vida em relação ao olhar da sociedade à pessoa trans? A gente sabe que não muda nada. A gente tem a sensação de que é como se fossem metas colocadas na vida das pessoas trans e [é como se a gente] tivesse que alcançar e quando a gente alcança, são impostas outras metas, metas até impossíveis”, advertiu.

Como integrante do quadro de profissionais, ela se orgulha em participar das ações do Espaço que representa um modelo para o Norte e Nordeste. O projeto é o único nas regiões oferecido pelo SUS. os demais são o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, o HC da Universidade Federal de Goiás, o HC da Universidade de São Paulo e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro.

O contato com o Espaço Trans do Recife é feito por encaminhamento da Secretaria Estadual de Saúde ou pelos canais do projeto. O atendimento é feito de forma presencial, pelo telefone (81) 2126.3587 ou no e-mail espacotranshcufpe@gmail.com, de segunda à sexta, das 7h às 17h. Para agendar uma consulta é preciso repassar dados pessoais e a numeração do cartão do SUS. 

 

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