Cuidar da saúde mental requer tratar da saúde pública

Questões de saúde pública como moradia, emprego, alimentação e educação andam lado a lado com a preservação da saúde mental da população

por Alice Albuquerque sex, 09/09/2022 - 09:09
Pixabay Pessoa sentada com as mãos entrelaçadas juntas encostada no rosto Pixabay

“A vida é a melhor escolha” é o lema da campanha do Setembro Amarelo deste ano, celebrada no Brasil há oito anos, a partir de uma iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e do Conselho Federal de Medicina (CFM). A data oficial da celebração é todo 10 de setembro, mas o mês todo é marcado por ações de prevenção ao suicídio, que mata mais gente no mundo do que guerra, homicídios, HIV, malária ou câncer de mama, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Suicídio também foi a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, ficando atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpesoal. No Brasil, 12,6% a cada 100 mil homens, em comparação a 5,4% a cada 100 mil mulheres, cometem suicídio. Os números apenas refletem a necessidade e importância de um mês que trate sobre a prevenção, autocuidado e cuidado com o outro. 

A psicóloga Maria Eduarda Brandão Vaz, CRP 02/22764, detalhou que existe uma real eficácia no objetivo do mês, mas destacou que “não se cuida com eficiência da saúde mental de uma população sem olhar para questões de saúde pública como moradia, emprego, alimentação e educação”. “O suicídio é multifatorial. A criação de diálogos sobre a temática, indicação de profissionais, apoio com familiares e com a comunidade precisam existir, mas não são iniciativas suficientes. É preciso olhar a saúde como um todo, o mês de setembro representa isso, mas saúde nós fazemos o ano inteiro mesmo”. 

Outros dados importantes a serem destacados é que, de acordo com os últimos números divulgados pelo Ministério da Saúde, em 2016, o risco de jovens entre 10 e 29 anos que se autodeclaram pretos e pardos no Brasil é 45% maior do que entre os brancos. Jovens e adolescentes negros do sexo masculino têm 50% a mais de chances de cometer suicídio, em comparação ao mesmo grupo entre os brancos na mesma faixa etária. 

A taxa de suicídio entre pessoas brancas permaneceu estável de 2012 a 2016, mas aumentou em 12% na população negra. 

Pela prevenção ao suicídio e a indicação da procura de um profissional para ajudar tenha maior evidência neste mês, que também tem como objetivo ofertar um maior espaço e cuidado, a procura por psicólogas e psicólogos acaba sendo maior em comparação a outros meses. “O suicídio existe e por existir ele precisa ser falado. Mas há uma grande diferença entre falar com atenção, explicando o momento em que ele existe, como podemos cuidar desse ato e como há tratamento, e falar com julgamento. Identificar pensamentos suicidas e tentativas fazem parte da sensibilização que a campanha busca ofertar”, disse Eduarda. 

Para ela, o acolhimento é imprescindível na prevenção, que pode ser a partir da “fala de alguém, ser o ombro amigo, um espaço sem julgamento, já é um grande começo”. “Após esse acolhimento, acompanhe essa pessoa no contato com profissionais de saúde mental, seja psicólogos ou psiquiatras. A sua escuta é válida, mas não é qualificada como de um profissional que se capacita e sabe das condutas para aquele momento. Você também pode se comprometer em ser rede de apoio no dia a dia, procurar saber como a pessoa está, falar com a família dela, explicar o que está acontecendo e o tipo de cuidado que o momento pede”, sugeriu. 

Eduarda elucidou que a depressão e a tendência suicida “não necessariamente” andam juntas. “O suicídio é o ato de finalizar a vida por vontade própria. Segundo  a Associação de Brasileira de Psiquiatria (ABP), 50% das pessoas que vivenciaram o suicídio tinham transtornos mentais, ou seja, pode ser um agravante, mas não é uma regra, uma determinação. O suicídio é multifatorial, não está só relacionado ao fato da pessoa ter diagnóstico ou não a respeito dos transtornos mentais, mas pode ocorrer devido a um luto, condições sociais, problemas relacionais, entre outras coisas”, detalhou. 

Questionada sobre “o que não se deve falar” para quem tem depressão, a psicóloga problematizou ser um assunto delicado de se falar pelo estigma que se tem sobre a saúde mental. “Ninguém pontua para uma pessoa que tem diabetes, por exemplo, que ela deve “pensar positivo” e assim não passará mal quando sua glicose baixar”, observou. “ A mesma coisa funciona quando se trata das doenças mentais: elas acontecem e precisam de cuidado tanto quanto. Enquanto pessoa e profissional, acredito que o acolhimento pode mudar o mundo. Ao invés de procurar julgar, ver o que está errado, intitular como “frescura” ou “falta de Deus”, procure ouvir o que a pessoa tem a dizer. Procure encaminhar o contato de profissionais”. Ela destacou, ainda, que não existe sofrimento “maior ou menor”, e que “eles são válidos e podem e devem ser cuidados”. “Procure não reduzir o sofrimento dela, pois cada pessoa sente de uma forma”, orientou. 

Setembro Amarelo e a rede de ajuda nas redes sociais

Quem navega na internet se depara com algumas publicações de internautas abrindo um canal de conversa com quem precisa desabafar, “entrando na campanha” do Setembro Amarelo e na tentativa de ser alguma rede de apoio para prevenir o possível suicídio de alguém. No entanto, Maria Eduarda afirmou que “nem toda ajuda é verdadeiramente uma ajuda”, apesar de reconhecer a tentativa do apoio e do “ombro amigo”. “Mas a pessoa que se propõe a escutar pode não saber lidar com aquela demanda, pode tomar para si o movimento que o outro esteja passando, por exemplo. Ao invés de abrir esse espaço para diálogo, proponho que seja um espaço para falar sobre o suicídio, que está tudo bem procurar ajuda profissional, que você pode auxiliar essa pessoa na procura desse profissional”, orientou. 

A especialista indicou que perfis que falem sobre saúde mental, como blogs ou sites, além do contato do Centro de Valorização da Vida (CVV), que realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio, atendendo pessoas de forma voluntária e gratuitamente 24h por dia, sejam encaminhados para as pessoas. “Então, ao invés de disponibilizar o direct para uma escuta ou conversa, disponibilize um pouquinho do seu tempo para ofertar um cuidado qualificado que seja eficaz na vida das pessoas”. 

Serviço

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Contato: 188 (atende 24 horas)

Endereço: Av. Manuel Borba, 99/102 - Boa Vista

Horário: 24 horas

O CVV também tem um chat aberto para conversas com voluntários, respeitando o anonimato e com sigilo sobre tudo o que for dito. Você pode conferir os horários disponíveis para atendimento neste link

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