Caso Miguel: Mirtes recebe secretária da Igualdade Racial

Caso completa três anos neste dia 2 de junho e tem primeiro contato com o Governo Federal desde então

por Vitória Silva sex, 02/06/2023 - 16:12
Vitória Silva/LeiaJá Roberta Eugênio, representante federal da Igualdade Racial, e Mirtes Renata, mãe de Miguel Vitória Silva/LeiaJá

A estudante de direito Mirtes Renata recebeu, na manhã desta sexta-feira (2), no Centro do Recife, a secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio. Mirtes, mãe do menino Miguel, estava acompanhada da advogada de acusação, Maria Clara, e de representantes da Articulação Negra de Pernambuco (Anepe). O contato, intermediado pelo Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), foi o primeiro do Governo Federal com o caso desde 2021. 

O objetivo da reunião foi apresentar o Caso Miguel à esfera federal. De acordo com a representante que veio à capital pernambucana, a escuta faz parte de uma movimentação do ministério para recuperar o Plano Juventude Negra Viva. Assim, uma comitiva tem se inteirado de casos de racismo considerados emblemáticos no país, a fim de construir uma base que detalhe a estrutura para novas políticas públicas. 

“É triste o Ministério estar aqui para ouvir mais uma mãe negra sobre um caso como esse de Miguel. Enquanto representante da Igualdade Racial estou aqui para manifestar a Mirtes e sua família que estamos acompanhando este caso. A vida de todas as crianças negras importa para nós. O racismo se manifesta das mais diversas formas e quando uma criança negra não é cuidada, quando ela é deixada, a gente não pode ignorar a descrição desse ato. O racismo é um dispositivo ideológico e desumanizador dessas vidas. Faz com que as vidas de crianças negras sejam fragmentadas, que elas não sejam vistas como crianças em sua integralidade”, disse Roberta. 

“É a primeira vez que a gente tem essa abertura”, desabafou Mirtes, mãe de Miguel. O caso que marcou a perda do filho da ex-empregada doméstica aconteceu em 2 de junho de 2020, quando Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, caiu do 9º andar do Condomínio Pier Maurício de Nassau, que compõe um tradicional condomínio de luxo à beira-mar do Recife, conhecido como "Torres Gêmeas". 

Mirtes havia descido ao térreo do prédio para passear com a cadela da patroa, Sari Corte Real, que estava responsável por cuidar do menino. A manicure dela também estava no apartamento, trabalhando para Sari. Durante a ausência da mãe, Miguel ficou inquieto. Sob permissão de Sari, o menino entrou no elevador do edifício sozinho, em busca da mãe, e acabou parando no 9º piso, sem acompanhamento ou supervisão.  

“É um momento importante não só para o Caso Miguel, mas diante das conversas que a gente tem, isso vai influenciar muito nas famílias de outras crianças negras, que infelizmente, partiram, e também na vida das crianças que ainda estão por vir”, continuou a mãe de Miguel. Ela relatou que o processo tem sido muito difícil e que só tem conseguido tocar a luta porque foi “abraçada” por movimentos sociais.  

"Meu neguinho estaria com 8 anos. Sinto falta dos abraços e dos beijos, principalmente pela noite, quando passávamos mais tempo juntos. Isso é bem difícil para mim. Para amenizar um pouco, eu tento ocupar minha mente, mas é difícil, porque tudo me lembra ele. Miguel não era só o meu filho, era o meu amigo, o meu parceiro", concluiu. 

Federalização do caso 

Sari Corte Real já cumpre pena desde 2022. No entanto, ela responde em liberdade, a nível domiciliar. De acordo com a defesa da ré, ela voltou a morar nas Torres Gêmeas, que foi cenário do crime. Na tarde desta sexta-feira (2), um protesto foi organizado em frente ao edifício, para lembrar os três anos da morte de Miguel e pedir justiça pelo caso. 

Mirtes, Marta e seus familiares acusam a família de tratá-los com hostilidade e de forma caluniosa. Sari é esposa de Sérgio Hacker Corte Real (PSB), ex-prefeito de Tamandaré, no Litoral Sul de Pernambuco. Em sessões no Tribunal, Hacker também fez comentários questionando a maternidade de Mirtes e insinuou que a criança não era bem cuidada. O último encontro entre as partes aconteceu em setembro de 2022, mas Sari não quis depor. 

“O processo teve a sentença condenatória de primeiro grau, condenando Sari Corte Real à pena de oito anos e seis meses. O processo teve um recurso de apelação da parte da ré e também da nossa parte da assistência de acusação, porque consideramos que alguns elementos foram desconsiderados no âmbito do julgamento e que podem ainda ser levados em consideração. Pedimos que sejam retirados alguns trechos da sentença que endossam o discurso racista com relação aos cuidados que Mirtes e Marta realizavam com Miguel. Consideramos que a justiça deve levar em consideração também a memória de Miguel e do amor e carinho que a família tinha com ele. É necessário que, além de manter a condenação, se mantenha também a preservação da memória”, informou Maria Clara, advogada de acusação. 

Sobre as especulações quanto à federalização do caso, diante do encontro da família de Miguel com o Governo Federal, a representante informou que essa possibilidade ainda não é investigada, considerando a fase do processo. Segundo Maria Clara, ainda é necessário aguardar o julgamento dos recursos de apelação que, em último caso, pode se tornar recurso no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ainda não há previsão para o julgamento, mas a família tem expectativa de que aconteça este ano. 

Cronologia do caso 

- Miguel morreu em 2 de junho de 2020, após cair do 9º andar do prédio onde morava Sari Corte Real, patroa de sua mãe, Mirtes. O caso aconteceu na região central do Recife; 

- Sari foi presa em flagrante à época da morte do menino por homicídio culposo, mas pagou fiança de R$ 20 mil e foi liberada; 

- Em maio de 2022, quase dois anos após a tragédia, a ex-patroa de Mirtes foi condenada a 8 anos e seis meses de prisão por abandono de incapaz com resultado morte, mas responde ao processo em liberdade; 

- No mesmo ano, Mirtes entrou com recurso ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) pedindo para que a pena fosse aumentada. 

- A defesa de Sari solicitou, também em 2022, a absolvição da ré. O pedido ainda não foi julgado. 

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