Mauro Iasi propõe controle sobre setores estratégicos

Para o candidato, Brasil precisa rever a gestão e seguir a lógica do planejmaneto

ter, 23/09/2014 - 13:51
Paulo Uchôa/LeiaJáImagens Para uma reforma política, Iasi defende uma assembleia constituinte exclusiva Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado e doutorado em sociologia, Mauro Iasi é o candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à Presidência da República. Entre suas propostas, destacam-se a adoção de um planejamento econômico com controle estatal sobre setores estratégicos, como energia, saúde, educação e transportes, a desoneração da renda do trabalhador e o aumento da tributação de grandes fortunas e patrimônios.

Confira, abaixo, algumas das propostas do candidato:

Agência Brasil: As estimativas de inflação oficial pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) para o ano que vem estão em torno de 6,2%, próximo do teto da meta. Como o senhor pretende atuar para conter o aumento de preços?

Mauro Iasi: No Brasil, as políticas anti-inflacionárias estão hoje vinculadas ao chamado equilíbrio macroeconômico, e essa ficção, que é a chamada inflação em torno da meta, é que o Banco Central administra. Nossa proposta é retomar a ideia do planejamento econômico. O que temos hoje é uma economia de mercado que funciona sem freios, e o governo tentando, a posteriori, administrar os preços. Revertendo as privatizações, equacionando o problema da dívida pública e com uma política de investimentos para pensar a economia, com setores estratégicos controlados pelo Estado e pelos trabalhadores, teremos como resultado o equilíbrio de preços. E não o inverso: uma economia sem freios ou controle, tentando controlar os preços depois, o que resulta na situação atual, em que o única meio de controlar preços é produzir políticas recessivas. É preciso inverter essa lógica pela ideia de planejamento.

ABr: Apesar de todo o seu potencial energético, o Brasil continua com tarifas altas. O que fazer para evitar mais aumentos?

Iasi: A questão hídrica tem várias dimensões. Não vemos essa situação simplesmente como a crise do regime de chuvas: é uma crise do modelo de gestão desses recursos, que são totalmente capturados pelas necessidades das grandes empresas, seja para resfriamento de turbinas, seja pelo próprio uso da água sem nenhum tipo de controle ou intervenção dos comitês de bacias. No longo prazo, isso levou à situação atual. Criticamos esse modelo de gerenciamento – os comitês reguladores hoje são expressão dos interesses das empresas que privatizaram o setor. Nossa proposta é reverter o as privatizações no sistema elétrico. O que tem mantido as taxas altas é a pressão pela lucratividade no setor, e não o volume de recursos necessários para uma infraestrutura, para pensar em energia para o país.

ABr: Quais são seus planos para resolver gargalos de infraestrutura que persistem no país?

Iasi: O governo passado lançou mão do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que vinculava a política de investimentos às demandas mais imediatas, como vimos nos setores elétrico, de estradas, de armazenamento da safra e na estrutura de portos e aeroportos, em que se apostou na privatização. Como se os investimentos necessários à reativação de tais áreas estivessem necessariamente na iniciativa privada. É um quadro paradoxal, porque os concessionários privados presentes na infraestrutura atuam fundamentalmente com verbas públicas, que vêm do financiamento barato do governo, do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e, às vezes, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e de outras fontes públicas. [E eles acabam] investindo pouco recurso de fundos próprios. Com esses recursos do Estado, seria possível executar um plano de revigoramento da infraestrutura brasileira sem necessidade de privatização do setor. Também nessa área é urgente retomar o princípio do planejamento. Obras essenciais para a mobilidade pública são preteridas por outras que dão mais ganhos às empreiteiras.

ABr: Qual é a sua posição sobre a atual minirreforma política? Como o chefe do Executivo pode contribuir para que essa discussão efetivamente avance, respeitando a prerrogativa de independência entre os Poderes?

Iasi: O que se expressou na minirreforma política é uma reforma cosmética. Pegando por pontos: não é alterando a forma do voto nominal ou do voto em lista, do voto proporcional ou do voto distrital, que vamos mudar a natureza dos problemas que foram denunciados e se manifestaram nos protestos do ano passado. São medidas absolutamente superficiais. Não é à toa que questões como o financiamento de campanha e o voto facultativo ficaram fora dessa discussão e vão acabar tendo uma solução – se por acaso encontrarem uma – ainda que extremamente distorcida. Uma assembleia constituinte exclusiva, eleita por critérios diferentes daqueles que hoje elegem o Congresso, poderia criar, em consonância com a vontade popular, um desenho diferente de estruturação política do país.

ABr: No Congresso, tramita uma proposta de reforma tributária que pouco tem avançado. Quais os planos do seu governo para equacionar essa questão e minimizar o desgaste político que isso pode gerar?

Iasi: Ainda que seja grande, a carga tributária no Brasil não é uma das maiores do mundo. Pelo contrário, no ranking, é um país com pouca carga tributária. O problema não é o peso da carga tributária, mas onde ela incide. A maior parte dos tributos incide sobre o consumo. As grandes fortunas e o patrimônio são pouquíssimo taxados. Tratar o salário como renda, recolhendo  previamente um tributo para ser devolvido no fim do ano, penaliza justamente aqueles que não podem reagir, o que resulta em uma série de mecanismos que podem levar à sonegação. É possível fazer uma reforma respeitando os princípios constitucionais vigentes, na medida em que você não se preocupe em ferir interesses privados. Se você não faz nada no Brasil para não ferir os interesses de quem financia sua campanha, a reforma tributária continuará no papel.

ABr: O Plano Nacional de Educação (PNE) é considerado uma grande conquista para o setor. Como o senhor pretende, em quatro anos, avançar nas pautas indicadas na lei? Como pretende resolver a questão do financiamento?

Iasi: O Plano Nacional de Educação é um profundo retrocesso na educação pública, em vários aspectos, mas vamos apenas citar dois. Ele consagra o princípio pelo qual o Poder Público desvia recursos para o setor privado. Hoje temos um paradoxo em que o setor privado só existe no ensino superior, devido ao enorme subsídio do Poder Público por meio do ProUni [Programa Universidade para Todos], do Fies [Fundo de Financiamento Estudantil) e de outros instrumentos. Os princípios debatidos por aqueles que pensam a educação no Brasil incluem uma estrutura pública capaz de garantir qualidade e universalidade a essa educação. No PNE, desaparece a relação ensino-aprendizado. É um plano de adestramento, de desenvolvimento de aptidões e técnicas, voltado muito mais para os anseios e necessidades da camada empresarial, e não da formação crítica e reflexiva, de uma educação integral, politécnica. Uma integração que desenvolva o ser humano em todas as dimensões. Somos contra o PNE.

ABr: A Constituição Federal de 1988 estabeleceu prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem identificadas e demarcadas. Passados 21 anos do fim desse prazo, pouco mais de 44% foram homologados. Como o senhor pretende resolver a questão da demarcação de terras indígenas?

Iasi: O atraso não foi por motivos técnicos, nem jurídicos. O que atrasou a demarcação foi o conflito com interesses econômicos de madeireiros, produtores de arroz, mineradores ou do próprio governo, quando pensamos, por exemplo, na construção de usinas hidrelétricas e na aprovação do uso daquele espaço para outros fins que não a demarcação. Essa lógica acabou criando um conflito que alcançou dimensões dramáticas, não apenas nos assassinatos de líderes indígenas, mas também na violência com que os grandes produtores rurais e madeireiros vêm se contrapondo à demarcação das terras. As questões indígena e fundiária não se resolvem de maneira isolada uma da outra. É preciso pensar a questão indígena no conjunto de uma profunda reforma agrária, de uma mudança da política fundiária e no princípio de respeito à autonomia dos povos. É preciso respeitar seus valores, sua história, suas terras ancestrais. A mudança de paradigma exige mudanças mais profundas que a mera demarcação. Ela remete diretamente à política fundiária e à reforma agrária, porque, senão demarcam-se terras e, no dia seguinte, haverá conflitos com os mesmos interesses que hoje tensionam e impedem a demarcação.

ABr: É possível tornar o passe livre uma realidade? Como? Como o governo federal pode atuar para garantir melhorias na mobilidade urbana nos grandes centros?

Iasi: Do ponto de vista da gestão e dos recursos, é perfeitamente possível. Estudos mostram que os mesmos recursos aplicados pelo Poder Público passa subsidiar o setor poderiam garantir de imediato um sistema de transportes mais adequado às necessidades da população. É um tabu na gestão pública: o transporte custa dinheiro e o governo tem que desembolsar. Não é custo, é um gasto necessário a ser computado entre os gastos do Poder Público. Existem linhas que não dão lucro, mas são essenciais para a mobilidade urbana, serviços em que é necessária a renovação para manter a qualidade e que envolvem investimentos que não existe sem financiamento público.

ABr: Como garantir a manutenção de um sistema de saúde público, universal e gratuito e enfrentar os gargalos? Como suprir a falta de médicos nas regiões mais isoladas?

Iasi: Aí, o planejamento também faz muita falta, porque houve um processo intenso de privatização no setor de saúde. Isso, na suposição inicial, levaria o Estado a concentrar recursos onde eles são mais necessários, tornando a saúde pública [um serviço] de qualidade. As duas coisas estão falhando. Nem o setor privado oferece um bom serviço. Isso gerou um caos na saúdeHoje a medicina é totalmente voltada para métodos curativos: espera-se o problema ocorrer para tratá-lo nas redes conveniadas privatizadas ou públicas. É preciso mudar essa concepção e ter uma política de saúde preventiva, pensar a saúde a partir de vetores como saneamento básico e educação, que é a raiz da proposta do movimento sanitário. O SUS foi praticamente transformado no único elemento da reforma da política sanitária e hoje está descaracterizado por uma privatização, terceirização ou quarteirização. Isso acaba quebrando qualquer possibilidade de uma política consistente de saúde. Mesmo que o volume de recursos ainda seja menor do que o necessário, já seria suficiente. Uma vez aplicado no setor público, com uma estrutura em que as pessoas sejam atendidas gratuitamente onde e quando precisam, teríamos um serviço de saúde público, universal e estatal. E se eliminaria a dependência do setor privado de subvenções para acabar prestando um péssimo serviço.

Com informações da Agência Brasil.

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