Votação sobre dívida dos Estados expõe confusão no governo

Michel Temer concordou em voltar atrás em relação às exigências do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, mas votação não passou do primeiro passo, a aprovação do texto-base

qui, 11/08/2016 - 09:15

Até consentir na retirada do "inegociável" artigo proibindo reajustes salariais acima da inflação nas administrações estaduais, o governo federal emitiu sinais desencontrados e expôs estratégia confusa e sem afinação. O resultado foi a interferência direta e de última hora do presidente em exercício, Michel Temer, que concordou em voltar atrás em relação às exigências do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mesmo assim, a votação do projeto de repactuação da dívida dos Estados não passou do primeiro passo, a aprovação do texto-base.

Pouco depois das 21 horas da terça-feira (9) o relator do projeto, deputado Esperidião Amin (PP-SC), caminhava por uma área reservada da Câmara, conversando ao celular com Temer. Fazia o relato de que, sem a retirada da exigência, a tendência era o projeto não passar. Quase ao mesmo tempo, em outra área, o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), conversava com Meirelles fazendo basicamente a mesma avaliação.

A base aliada aproveitou a interinidade do governo para aumentar a pressão e arrancar mais concessões. Encorajados pela proximidade das eleições, parlamentares argumentaram que seria difícil justificar um veto a reajuste durante a campanha. Confrontaram o governo e ameaçaram com a derrota.

Contra a parede, Temer deu aval à mudança. Ao desligar o telefone, Amin foi diretamente para a Câmara e anunciou a mudança. Enquanto isso, Temer ligou para seu ministro e, em longa conversa, justificou a decisão.

Idas e vindas

O acordo com os Estados havia sido fechado em 20 de junho, mas sua tramitação no Legislativo pouco andou até início de agosto, quando o Congresso retomou os trabalhos após o recesso. Então, em apenas dois dias, líderes da base e da oposição conseguiram desidratar o projeto.

No desenho inicial, a previsão era que, para terem acesso a condições mais vantajosas de pagamento da dívida com a União, os Estados teriam de firmar cinco compromissos. No dia 2 de agosto, nova versão articulada por parlamentares da base mantinha apenas o teto de gastos.

A movimentação acendeu o alerta na Fazenda, que convocou entrevista coletiva às pressas. Tudo para que Meirelles pudesse destacar que o teto de gastos era a contrapartida essencial; as demais, "de segunda importância". A tentativa de minimizar o que se desenhava como derrota foi mal recebida por analistas e pelos gestores nos Estados, que contavam com as ferramentas para poder cumprir o ajuste fiscal prometido à União.

Diante da repercussão negativa, o ministro voltou atrás dois dias depois e disse que as duas contrapartidas, o teto de gastos e a restrição aos reajustes, não eram objeto de negociação. A declaração gerou reação imediata de Amin, que advertiu ao governo sobre o provável "gol contra" na questão dos aumentos.

Em meio aos embates públicos, Temer reuniu Meirelles, Amin, Rodrigo Maia e outros representantes do governo em almoço no Planalto na segunda-feira para tentar alinhar o discurso. Meirelles saiu seguro de que as duas contrapartidas "inegociáveis" estavam mantidas e convocou nova entrevista.

Faltou ao governo, porém, convencer os deputados da base, que retomaram nos bastidores as tentativas de derrubar o veto a reajustes. O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) apresentou emenda para tentar suprimir o trecho do projeto.

Ao longo do dia da votação, as mensagens que vinham de gabinetes no Planalto eram de que o governo havia conseguido convencer Rosso a retirar a emenda, o que não se confirmou. Em vez disso, o deputado deu o recado: a derrota do governo era certa, pois ele contava com o apoio de outros parlamentares da base e também da atual oposição.

A própria secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, foi à Câmara à noite para conversar com deputados. Na Fazenda, não havia posição oficial, mas cogitava-se derrubar no Senado as eventuais mudanças feitas pela Câmara - o que parecia um contrassenso, pois o projeto teve origem na Câmara e para lá voltará se o Senado mudar o texto.

Quando Amin procurou Temer para a sentença, a rebelião dos deputados havia ganhado força e já mirava a outra contrapartida, do teto de gastos, crucial para não criar a imagem de que o acordo, que custará R$ 50 bilhões aos cofres da União em três anos, não passaria de benesse aos Estados. A ameaça tomou outras proporções.

"O presidente tinha de fazer uma escolha. A votação de fato correu risco", disse a secretária de Fazenda, Ana Carla Abrão, que também falou com deputados para tentar demovê-los de retirar a cláusula do reajuste. Antes da conversa de Amin e Temer, um interlocutor disse que o governo admitia preferir ser derrotado na Câmara a mudar o projeto e contrariar Meirelles.

Temer chegou a chamar o ministro antes da votação e sinalizou que o governo "está ao seu lado" e "não o deixará ser derrotado sozinho". O risco de que o projeto inteiro fosse rejeitado, porém, abriu a porta para mais uma concessão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

COMENTÁRIOS dos leitores